terça-feira, 21 de abril de 2015

21.- UMA DENÚNCIA


ANO
 9
EDIÇÃO
 3031
Um feriado parece exigir um assunto mais palatável. Peço que relevem uma carta-denúncia. Talvez eu esteja laborando em interpretação equivocada. A situação talvez, seja do tipo “tomara que eu esteja errado’:
Senhor Gerente da Rede ‘Seu melhor Hotel’,
não sei bem começar. Esta é primeira vez que escrevo para um gerente de hotel. Já preenchi várias avaliações em hotéis e leio, vez ou outra, comentários de hóspedes. De vez em vez, até preencho estes questionários solicitados na internet. O assunto que queria trazer-lhe, senhor Gerente, não cabe no modelo de assinalar naqueles questionários: pouco satisfeito/ satisfeito/ muito satisfeito. Até vou antecipar que gostei muito do hotel de Juruá, no qual me hospedei há uns dias. Hotel novinho é outra coisa. Poucas vezes estive em hotéis recém-inaugurados. Esta foi, talvez, a segunda. Outra foi no hotel Machiavello em Florença. Mas, não foi só o novinho que me encantou no hotel que o senhor gerencia: rede wifi muito boa, de fácil conexão e sem necessidade de toda hora ter que pedir para conectar, tomadas em abundância e modernas, amenidades generosas e de qualidade e um detalhe importante: toalhas espessas e macias para complementar um banho maravilhoso. A cama era soberba. Maçãs disponíveis na portaria, saborosas. E, mais especialmente, funcionários muito solícitos e dedicados.
Como o senhor pode ver, parece que não tenho nada a reclamar do Açaí hotel de Juruá. Mas, tenho mais que um reclamo. Podemos considerar que tenho uma denúncia. Sim, denúncia por sedução ou, talvez, por abuso de poder.
A cada dia, encontrava um bilhete sobre o criado-mudo — não sei se ainda se chama assim aquele móvel que acolhe tanta coisa, como controles remotos, antídotos contra a mudez do móvel. A mensagem vinha redigida em papel de qualidade, com decoração discreta e letras tipo manuscrito, com este texto: A vida em um hotel é triste se ninguém se preocupa com você. Eu me preocupo! Seguia uma assinatura de próprio punho: Maria de Fátima. Talvez o senhor pergunte: Qual o motivo de denúncia? Muitos hotéis avisam a seus clientes o nome da camareira para que o hóspede saiba a quem se dirigir se precisar, por exemplo, mais um travesseiro.
No bilhete não tinha o nome do hotel. Talvez, eu esteja indiciando quem não tem culpa. Se iniciativa do bilhete é hotel, o departamento de marketing está mal assessorado, pois anunciar que a vida em um hotel é triste é no mínimo desmerecer o serviço que oferece.
Se iniciativa for exclusiva da Maria de Fátima, que acredito pouco provável, posso inferir que ela está usando seu emprego para aliciamento de fregueses, porque oferecer conversão de tristeza em alegria, não parece ser das atribuições de seu contrato com a prestigiada rede hoteleira.
Se a iniciativa não for dela e o hotel for o responsável, a situação é muito mais grave. Há nesta hipótese duas classes de vítimas para as quais o hotel deve indenizações. Uma, aos hóspedes, violados no seu bem estar com ofertas no mínimo indecorosas. Outras, às funcionárias do hotel, que estão sendo constrangidas a ofertar agrados que, muito provavelmente, violem seus princípios morais.
Expectante que tenho feito uma leitura equivocada nas entrelinhas do impudico bilhete, sugiro, no mínimo, que se substitua o texto com uma dose de profissionalismo e de com senso.

6 comentários:

  1. Soneto-acróstico
    Conselho

    Àquele hóspede que fazes tua oferta
    Melhor o faria se o deixasse em paz
    Assim lembre que não é pessoa certa
    Repouso com tranquilidade lhe apraz.

    Invadir portanto sua cara privacidade
    Atenta frontalmente contra descanso
    Deixe-o curtindo adequada intimidade
    Enquanto suprime tal imaturo avanço.

    Faça bastante, muito menos fazendo
    Álacre essa desmesurada abordagem
    Tola e mal interpretada acaba sendo.

    Ignore mestre Chassot nessa viagem
    Mestre repousando permanece lendo
    Além disso cumpre ter ilibada imagem.

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  2. Jaime Gross Garcia escreveu no Facebook:
    "Querido Amigo Mestre Attico Chassot, na minha leitura, é um erro grosseiro de mkt do hotel. Será que não??? Saudades do Amigo!"

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  3. Moacir Viegas escreveu no Facebook:
    Não sei se "pode", Chassot, mas as empresas, as organizações, estão cada vez mais exigindo que se trabalhe feliz e sorridente. É o que alguns chamam de "trabalho emocional". Então isso faz parte do trabalho da força de trabalho. Alguns dizem que não pode ser mensurado. Eu tenho dúvidas. Agora, essa do bilhete no hotel é nova.

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    1. Moacir Viegas escreveu, ainda, no Facebook:
      "Attico Chassot, essa é uma questão muito importante e sobre a qual há controvérsias. Entendo perfeitamente teu sentimento, pois o hotel "extrapolou". Porém, não podemos negar que o serviço em muitas áreas, como educação e saúde, implica envolvimento emocional e afetivo. Não tem como não haver, pois ninguém gosta de ser tratado por "robôs" e ninguém consegue agir plenamente como tal. E claro que isso é uma qualidade dos trabalhadores (principalmente das TRABALHADORAS) explorada pelas empresas. A discussão é se é correto ou não pensar que tais "habilidades" (uns chamam de habilidade de "gerenciar as emoções") pode fazer parte do "preço" da força de trabalho. Podemos achar que essa ideia é horrorosa e desumana e que não é possível colocar um preço nessas coisas. Porém, como o capital as utiliza cada vez mais intensamente, então, nesse pensamento, tais capacidades seriam "gratuitas", o que é muito bom para o capitalista. Então não é uma questão simples."

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  4. Mestre Chassot,
    tudo se resume a hipóteses. Assumo a do prof. Jaime Gross. Marketing ingênuo do hotel. Os conselhos do poeta Jair aplicam-se tanto a Maria de Fátima quanto ao hotel. Isso de ter que trabalhar contente que comenta o Moacir, é uma vez mais o capital explorando o trabalhador.
    Não é possível crer que a moça seja a autora do bilhete. O hotel (ou os hotéis) deveria(m) se repensar.
    L L L

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  5. Ola Meu Caro Chassot
    Me peguei analisando minuciosamente a intenção do conteudo do cartão. Mesmo que eu evitasse maliciar a ação, não pude deixar de pensar numa "proposta indecente". É o tributo que muitas vezes se paga por estar constantemente em exposição ao público. Grande abraço e muito bom restante de semana. JB

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