quarta-feira, 10 de setembro de 2014

10.- ACERCA DE SER (IM)PRODUTIVO


ANO
 9
Livraria Virtual em
Www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 2891

Quando redigi as edições de segunda (Currículo Lattes) e terça (RUF), mesmo que catalisado por propostas independentes, tinha presente o quanto os assuntos se entrelaçavam. Nas duas situações, dava-me conta que vivíamos, também, um retrocesso.
Havia / há os que detêm a verdadeira receita para achar a Verdade. Os outros que se adaptem a ela. A afirmação atribuída a Lorde Kelvin#: “Só se pode falar a respeito do que se pode medir” foi (e talvez o tempo verbal devesse estar ainda no presente: é —) empecilho muito forte para aquelas e aqueles que fazem uma mediação entre o conhecimento científico e a Educação. Preciso reconhecer que a não-adesão a posturas positivistas, ilustradas na afirmação antes citada, me tornou marginal no Instituto de Química, onde fiz minha graduação. Aliás, esta marginalização marcou minhas dificuldades para enfrentar as muitas resistências para implementar, junto com um grupo reduzido de colegas, uma área de Educação Química em um Instituto de Química em uma Universidade Federal
Esta rememoração já se faz distantes. Eis uma mais próxima. Mas antes evoca-la, trago algo acerca do comentado ontem aqui: No RUF 2014, a média de publicações anuais nas dez universidades mais produtivas é de 1,12 por docente. No outro extremo, um terço das menos produtivas apresenta uma média anual de 0,03, o que equivale a 2,7% do índice das mais produtivas.
Em 1º de março de 2013, a convite, fui contratado como professor de um Programa de Pós Graduação em Educação. Enchi-me de entusiasmo. Teci sonhos. Refiz planos. Mas não fraudei minhas convicções. Organizei seminário inédito muito bem avaliado pelos participantes.
Em julho, após menos de cinco meses na instituição, recebo um pedido de um relatório. Relatei que no período publicara um livro##; preparara uma sexta edição ampliada de outro; escrevera 4 prefácios, um capítulo de livro e um artigo com orientanda. Ministrara 3 seminários de 30 horas cada, em três instituições, uma disciplina na graduação para duas turmas e uma na pós graduação. No período tivera cinco orientandos de mestrado e dois de doutorado, em 4 instituições e participara de 8 bancas, sendo cinco em dois estados amazônicos e ainda proferira 21 palestras em seis estados diferentes. Ainda fazia disseminação da Ciência através de um blogue.
Enviei o relatório. Meu relatório foi avaliado. Recebi aviso para comparecer a instituição, para ser demitido. Argumento para demissão: meu perfil não tinha produção que o mercado exigia. Precisavam de produtores de artigos científicos publicados em revistas com impacto acadêmico. Eu, em cinco meses, não anunciara nenhum.
Hoje, na pós-graduação brasileira os docentes há duas alternativas.
1) sujeitar-se a ser ‘máquinas produtoras de artigos’ que sejam publicáveis em revistas tidas como de nível excelentes, preferentemente estrangeiras, cuja produção gere impacto (= ser citado).
2) candidatar-se a serem excluídos do sistema, por negar à Educação o status de mercadoria e centrar a sua produção acadêmica na disseminação da mesma à sociedade que financia a maior parte da pós-graduação brasileira, especialmente a área das Ciências   Humanas.
Opto por fazer uma Educação que não é aquela que narro em Vende-se tabaco, perfume importado, Educação e camiseta de marcas.
Minha opção é a segunda alternativa. Não consigo submeter-me a primeira. Por tal sou ferreteado como um improdutivo. Assim não sonego o acerto da decisão de quem me fez ser ... Chassot, o breve.
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#Kelvin, William Thomson, 1st Baron (1824-1907). Matemático e físico britânico, um dos principais cientistas e dos maiores professores de seu tempo. Conhecido também como Lord Kelvin. Investigou junto com Joule o fenômeno de resfriamento dos corpos conhecido como o fenômeno Joule-Thomson. A escala de Temperatura Absoluta também leva o nome de Temperatura Kelvin, em sua homenagem.
##Ensino de Ciências: Pontos e contrapontos [diálogos entre Nélio Bizzo e Attico Chassot, mediados por Valéria Amorim Arantes] São Paulo: Summus, 2013, 192 p. ISBN 978-85-323-0891-7.

4 comentários:

  1. Se, ao invés de teres feito todas essas atividades acadêmicas, tivesses lançado algum cd com uma dancinha inovadora, serias no mercado o mais reconhecidamente produtivo. A caverna se faz mais do que presente na atualidade.

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  2. Ave Chassot,
    eu, que vivo assombrado pela qualisação do doutoramento, entendo tua revolta e irmano-me a ti.
    Para qualificarmos precisamos de um artigo publicado em Qualis A ou B1. Para defendermos mais outro artigo em qualis A ou B1. E a tese? Ahh sim, a tese! Aquela que fazemos no doutorado? Ora! Ela é a junção dos artigos. Criar uma teoria? Um pensamento? Para quê? Não dá qualis… Aiai...

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  3. …meu livro de 110 páginas, maturado por três anos, mais as 20 oficinas e palestras só em 2014 também não qualisam a qualidade da qualificação.

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    1. Caro Guy,
      todavia se alguém fizer uma resenha de meia dúzia de páginas de teu livro, e publicar em uma revista qualisada, ele terá mais reconhecimento como produtivo se comparado contigo, o autor do livro.
      Um abraço, com agradecimentos pelos comentários com os quais agregas saberes neste blogue,
      desde Frederico Westphalen,
      ac

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