quinta-feira, 17 de outubro de 2013

17.— ESPECIALISTA versus GENERALISTA

ANO
 8
LIVRARIA VIRTUAL em
www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 2563


Inauguro a edição desta quinta-feira com o registro de palestra, hoje à noite, em Novo Hamburgo, na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, no Programa Inovamundi, destinado a inovar e a produzir conhecimento, na busca de disseminar saberes científicos, tecnológicos e inovadores.
O livro A Ciência é masculina? É, sim senhora! cuja sexta edição está circulando será central em minha exposição.

Quando se contemplam discussões como aquelas envolvendo, por exemplo, o ensino médio politécnico, um dos óbices parece residir no duelo especialista versus generalista. Afilio-me à defesa da formação generalista na Educação Básica e mesmo na graduação. A especialização deveria ocorrer somente na pós-graduação.
É indefensável a tese que a ciência cresce com a especialização; por outro lado para lermos o mundo com os óculos da Ciência e mesmo para contribuir para que ela ajude a explicar e transformar o mundo para melhor, é cada vez mais necessária uma ampla visão generalista.
Nestas discussões, não raro, há posturas fundamentalistas, de per si, equivocadas. Há quem afirme: “Sou professor de Química e cabe-me ensinar bem Química e não Biologia, muito menos História e jamais envolver-me com filosofia”. Míope engano.
Agrada-me trazer posturas inovadoras de outras áreas. No mês de setembro, o professor da Faculdade de Medicina da UFRGS, Francisco S. Benfica, proferiu Academia Sul-rio-grandense de Medicina conferência: Desenvolvendo Conhecimentos Estéticos e Habilidades Interpretativas buscando associar Arte e Medicina. Segundo o relato do presidente da Academia, professor J.J. Camargo, publicadas no Caderno Vida de Zero Hora de 5 de outuvro, o conferencista começou ressaltando a importância da inserção da arte no ensino da medicina, e a tendência moderna das melhores escolas médicas do mundo de tornar obrigatória a inclusão no currículo do estudo de humanidades como literatura, cinema e pintura.
Ressaltou que a medicina explora muito o conhecimento científico, que, por suas características, permite ser transmitido de forma coletiva e impessoal. Sistematicamente, somos treinados na faculdade a trabalhar com dados estatísticos, epidemiologia, protocolos assistenciais, tecnologias diagnósticas, escores, prognósticos etc. Mas um médico necessita também adquirir um conhecimento estético e sensitivo, que só pode ser construído por meio da interação individual e pessoal com o paciente, e este é um conhecimento não reproduzível, que só pode ser adquirido por experiências vivenciadas e emocionalmente competentes. Estas duas formas de conhecimento são fundamentais para o desenvolvimento daquilo que é mais importante no desempenho da atividade médica: "O saber tomar decisões". E estas devem ser tomadas levando em consideração a razão, mas também a intuição, a emoção e a imaginação. O desafio que se apresenta, então, é buscar alternativas para o desenvolvimento e o treinamento de conhecimento estético e as habilidades interpretativas entre os alunos de Medicina.
 O professor Benfica reconheceu que a pintura é mais do que uma experiência estética de imagens visuais. Trata-se de um conhecimento singular, não científico, que permite explorar ao máximo a percepção e construir conexões interpretativas. Estudar a arte, por meio da pintura, nos permite exatamente desenvolver esse entendimento mais profundo e estas habilidades cognitivas. Como uma pintura que apresenta um conjunto de sinais, signos e ícones, o paciente é também um conjunto de sintomas, sinais, emoções, gestos, metáforas que necessitam ser interpretados. O médico é um espectador curioso, e o paciente é um quadro a ser interpretado. Avaliar pacientes é construir um significado clínico por meio de fenômenos e sinais isolados e organizá-los numa narrativa conclusiva.
O conferencista concluiu que a inclusão da arte visual no currículo médico é ferramenta preciosa no sentido de permitir ao aluno desenvolver, treinar e aprimorar capacidade interpretativa, pensamento não científico, observação simbólica, percepção de sentimentos e capacidade de julgamento. O sentido desta experiência é auxiliá-lo a construir, na visão da arte, uma narrativa conclusiva, o que representa, numa análise médica, a construção de diagnóstico técnico e moral. Num momento em que se questiona o avanço da impessoalidade na relação médico-paciente, o estudo da arte, mais especificamente o da pintura, pode ajudar a resgatar traços humanistas da medicina. Desenvolver intuição, estimular emoção e exercitar imaginação são formas de resgatar o paradigma humanístico, ameaçado cada vez mais pelo tecnicismo pragmático, que longe está de ser modelo de construção de médicos.
Parece que esse relato reforça a tese da cada vez maior necessidade de transgredirmos fronteiras e assumirmos posturas transdisciplinares. Talvez, até indisciplinares, como venho defendendo.

5 comentários:

  1. Muito estimado Mestre Chassot,
    primeiro estranhava que há muito o senhor permanecia silente acerca das propostas da SEDUC-RS para o ensino médio. Perguntava-me: será que o Chassot é contra? Depois li, vez que outra, o senhor referindo palestras para/em algumas CREs, mas nunca li posicionamento mais explicito seu. Claro que alguém que há tantos anos escreve e fala sobre as exigências de um ensino indisciplinar não poderia ser contra as propostas como estas que se implementa no Rio Grande do Sul.
    Em uma de suas falas no 33º EDEQ na UNIJUI, na semana passada, o senhor não só apoiou, com todas as letras a politecnia, como fez uma fala brilhante mostrando possibilidades. Falar na necessidade de um ensino indisciplinar (como tem sido seus escritos e palestras) em um encontro disciplinar como o EDEQ (que afinal tem 34 anos) é fazer ruir castelos carcomidos por ranços cartesianos. Não é sem razão que suas posturas feyerabendianas são execradas por alguns.
    No seu blog hoje o senhor traz uma das questões mais relevantes que nós professores estaduais vivemos: óbice que existe com duelo desigual: especialista versus generalista. Permita-me repetir aqui a sua frase que é muito contestada (leia-se não aceita) pelos meus colegas professores de Química: “Afilio-me à defesa da formação generalista na Educação Básica e mesmo na graduação. A especialização deveria ocorrer somente na pós-graduação”. Este afã de querer transformar criancinhas em cientistas mirins é pernicioso.
    Parece que os professores de Química são os mais resistentes. A fala do dito fundamentalista que o senhor escreve: “Sou professor de Química e cabe-me ensinar bem Química e não Biologia, muito menos História e jamais envolver-me com filosofia” é descritiva de conversas em sala de aula, pelos que resistem à politecnia. Entre os mais de 500 professores que estavam no EDEQ, talvez seja esta ainda a fala da metade. Aliás se estes foram à UNIJUÌ para ratificarem suas posturas tomaram o ônibus errado. Lá afora comentários laterais, as outras falas foram em sintonia com posturas como a do senhor. Os fundamentalistas não ouviram loas a seu deus cartesiano.
    Mestre Chassot, tentando aderir cada vez mais a tese que já ouvi o senhor defender muitas vezes: a ciência cresce com a especialização; por outro lado para lermos o mundo com os óculos da Ciência e mesmo para contribuir para que ela ajude a explicar e transformar o mundo para melhor, é cada vez mais necessária uma ampla visão generalista.
    Professor obrigado por esta blogada,
    Marcelo, lavoisierano, sim; mas, feyerabendiano, também.

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  2. Meu Caro Chassot!
    Embora labute numa área onde há necessidade de formar para o mercado da segurança do trabalho, sempre fui avesso às especializações, pois tenho certeza de que uma visão única da realidade não permite ao profissional o entendimento do contexto como um todo. E isso o torna suscetível ao erro, coisa que dentro da ciencia prevencionista pode ser fatal. Aliás, tempos atrás se costumava atribuir ao acidentado a culpa do acidente, o que para as empresas e peritos era muito confortável. Felizmente, por uma maior abrangência da visão investigativa dos acidentes, atualmente tanto os órgãos de fiscalização, quanto a Justiça do Trabalho e até mesmo as Escolas que formam profissionais prevencionistas tem buscado sensibilizar incessantemente alunos e alunas numa visão multifacetada do ambiente de trabalho, mostrando que muitos eventos fatídicos tem relação direta com a intransigência e negligência dos empregadores.
    Com a admiração do JB pela postagem desta quinta-feira.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Limeriques

      Especialista: "Só faço minha parte!"
      "Afinal, da ciência sou baluarte"
      O mundo é vário, contudo
      Não existe o sabe-tudo
      Generalista vê o mundo com arte.

      Palavra de ordem nessa parada
      É, portanto, sapiência variada
      Não se ater só a conteúdo
      É saber um pouco de tudo
      Especialista sabe tudo de nada.

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  4. Muito sábias, com sempre, suas reflexões Mestre, sobre esse tema que tanto tenho me inquietado e ousado discutir com professores desses rincões. Obrigada, abraços, Maribel.

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