sábado, 10 de agosto de 2013

10.- A IDADE MÉDIA... NÃO É MAIS AQUELA

ANO
8
Livraria Virtual em
www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
2514
Mais uma edição sabatina com dica de leitura, com uma sugestão encontrada no caderno ‘Mercado’ (mais de uma vez desconsiderado, quando de leitura mais rápida de jornais) da Folha de S. Paulo. Luís Eblak faz bem preparada resenha de mais um livro do historiador Jacques Le Goff. Este, talvez, quem tenha mais expertise sobre Idade Média. Em A ciência através dos tempos, já em sua primeira edição em 1994, registrava o aparente paradoxo: sabemos mais sobre a Antiguidade que sobre a Idade Média. Desde então se publicou novas leituras sobre o período que deu, em outros tempos, ao adjetivo medievo conotação — imprópria — de obscurantismo. Esta é uma acepção cada vez mais revisada.
Ainda não li o livro, mas a admiração que tenho por Le Goff, avaliza trazer aqui a resenha que destaca as origens do capitalismo na Idade Média.
LE GOFF, Jacques. Para uma outra idade média - tempo, trabalho e cultura no ocidente. [Tradução Thiago de Abreu e Lima Florêncio e Noéli Correia de Melo Sobrinho] Petrópolis: Vozes, 2013, 534 p.13,7 x 21,0 cm Preço R$ 79,00. ISBN: 978-85-326-4376-6

Defensor da tese segundo a qual a Idade Média durou até o século 18 (e não 15), o historiador francês Jacques Le Goff é conhecido também por dar ao período uma importância que vai além de uma sociedade dominada por clérigos e senhores feudais.
No livro "Para Uma Outra Idade Média - Tempo, Trabalho e Cultura no Ocidente", lançado agora no Brasil, o medievalista de 89 anos narra o que pode ser tratado como as origens do capitalismo, numa época em que o sistema econômico não dava sequer sinais de vida.
Originalmente publicada na França em 1977, a obra é uma coletânea de artigos acadêmicos divididos em quatro partes. Duas delas tratam das concepções de tempo e trabalho na época e como a Igreja Católica precisou adaptar as visões que tinha sobre esses dois conceitos —básicos da sua teologia cristã. A outra metade do livro aborda os temas cultura erudita e cultura popular e antropologia histórica.
Os estudos sobre o tempo e o trabalho já foram abordados em outras obras. Sobre o primeiro, por exemplo, o próprio Le Goff já abordou o assunto em "A Bolsa e a Vida" (ed. Civilização Brasileira).
TEMPO SEM PRESSA: O que se destaca em "Para uma outra Idade Média" é a forma como Le Goff descreve para o leitor — leigo, inclusive — o significado sobre o tempo naquele mundo rural que começava a se urbanizar.
O tempo existia primeiramente de acordo com os ciclos agrícolas e noções rudimentares de marcação, como dia e noite, inverno e verão. Seguia também os ofícios religiosos — não à toa a palavra hora se origina, no latim, de oração — e os sinos das igrejas guiavam os moradores medievais. Como diz Le Goff, era basicamente um "tempo sem pressa".
O surgimento da figura do mercador é decisivo. Negociante que vive da usura, ele vai causar um grande conflito com a teologia da Igreja Católica, pois seu tempo se contrapõe ao religioso.
Nos preceitos que irão embasar as normas cristãs, clérigos irão tentar sustentar que a usura não podia existir, pois o ganho do mercador "supõe uma hipoteca sobre um tempo que só a Deus pertence". A condenação não se dava prioritariamente pela cobrança abusiva de juros (noção ainda presente hoje, como nos protestos da Grécia), mas sim pela "posse" que Deus tinha (tem!) do tempo.
Na história das religiões, outras crenças também rejeitam a usura, como o islamismo e o tema é bem atual. No mês passado, por exemplo, um jogador de futebol se recusou a viajar com seu time, o inglês New Castle, por não aceitar a camisa do clube patrocinado por uma financeira.
Na obra, Le Goff descreve como zonas urbanas já estavam se consolidando a partir do século 10, como o norte da Itália e o da França, o sul da Inglaterra e a Alemanha.
Aliado ao surgimento dos primeiros sobressaltos inflacionários e a multiplicação das moedas, esses fatos irão exigir a concepção de um tempo bem diferente: aquele medido matematicamente.
Daí o aparecimento dos relógios a partir do século 14, que começam a ser instalados em torres públicas. Seus sinos irão marcar com exatidão as horas das transações comerciais e dos turnos operários, como já previa um documento de 1355, de Aire-sur-la-lys, na França.
MORAL CALCULADORA: Assim, o "velho sino [das igrejas], voz de um mundo que morre, vai passar a palavra a uma nova voz", a dos relógios dessa época.
Séculos antes da máxima capitalista ("tempo é dinheiro"), perder tempo passa a ser pecado grave também na Idade Média, que cria sua "moral calculadora". "O tempo que só pertencia a Deus agora é propriedade do homem."
Associada a isso está também a visão cristã do trabalho, ainda influenciada pela herança greco-romana, que vivia da escravatura e se orgulhava do ócio.
A ideologia medieval depõe contra o trabalho, pois "não era um valor', não havia nem palavra para designá-lo". Na cultura cristã, era "instrumento de penitência", e o homem deveria trabalhar à semelhança de Deus. "Ora, o trabalho de Deus é a Criação. Portanto, toda profissão que não cria é má ou inferior", o que se confronta com os ofícios em gestação à época.
Daí a lista de profissões ilícitas. Além do mercador havia taberneiros (que vendiam vinho) e professores (que comercializavam conhecimento e ciência, "dom de Deus", que não pode ser vendido).
Mas esses dogmas vão se alterando conforme surgem novas profissões. A lista de ofícios vetados diminui e os clérigos irão justificar até os "lucros dos mercadores", inclusive a "amaldiçoada usura". Afinal, já é a época da Reforma e os protestantes nascem lidando muito bem com o trabalho.

6 comentários:

  1. Muito atento Mestre Chassot,
    valeu não ter rejeitado o caderno Mercado da Folha. Até ali o senhor encontra preciosidades.
    Este livro do Le Goff passa para a minha lista de dívidas para serem lidas. “Idade Média” nas obras de história o de ficção é um prato que degusto com prazer. É impressionante esta assíncrona tradução com o original francês: quase 40 anos. E baboseiras como 50 tons de cinzas tem tradução imediata.
    Consola-me um dito popular: antes tarde do que nunca.
    Obrigado por tão oportuna dica sabática.
    .
    Mirian de Salônica

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  2. É curioso observar que a burguesia mãe do capitalismo alavancou a Revolução Francesa para acabar com os privilégios e enterrar a monarquia, e hoje o que vemos é um sistema selvagem e injusto repleto de benesses a uma minoria. E para esse Leviatã não há ética, existe apenas a fome do capítal. Pelos seus dogmas embebedam uma juventude em idade cada vez mais precoce, e são os verdadeiros responsáveis em desgraçar famílias de atropeladores e de atropelados. Levam cada vez mais jovens a venderem a sua dignidade por um prato de comida, fazem do ser humano uma besta capaz de viciar uma criança apenas pela certeza de um futuro cliente. O homem desperdiça toda sua vida útil, escravo do consumir, e quando já velho é esquecido a um canto como objeto obsoleto. A religião também é objeto de consumo, "vende" a paz, e adapta-se ao mercado de acordo com as mais avançadas técnicas de marketing com direito até a concorrência. Tudo é negócio, tudo pelo capital.

    abraços

    Antonio Jorge

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  3. Limerique

    Dizem que de absoluta inédia
    Fora essa tal de idade média
    Contudo, Jacques Le Goff
    Não economizou estrofe
    Para desmascarar essa comédia.

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  4. Meu caro Jair,
    teu poetar, uma vez mais, da azo para ratificar o qualificativo que há muito te ofertei: Polímata.
    Mais, ensejaste que me abeberasse não apenas dos significados de “INÉDIA”, bem posto metaforicamente para ‘Idade Média’ como me conduziste a estudar metabolismos de abstinência de alimentos e ler sobre possibilidade de viver somente de prana (a força vital do Hinduísmo) ou, de acordo com alguns, se alimentando de luz solar. Nos últimos anos, o movimento foi popularizado pela australiana Ellen Greve, mais conhecida como Jasmuheen.
    Realmente um limerique denso de aprendizagens — com pertinente rima Le Goff / estrofe.
    Obrigado e um abraço para Floripa de uma Porto Alegre fria e chuviscosa,

    attico chassot

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    1. Salutar saber que há quem se desafie e desbravar a, também, desmistificação de uma época e de um tempo cheio de, ainda, mistérios. Onde se plantou a origem de um novo tempo.
      Um forte abraço!

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  5. Meu amigo,

    o Jair está cada vez melhor. Refinou muito as rimas. Esta bilacquiano.
    Acho que deveria publicar seus limeriques em um limelivro.

    Assisti, por recomendação tua, ao Hannah Arendt, achei estupendo. Fomentou-me pensamentos densos.
    Achei a construção sobre a banalidade do mal profunda, densa e friamente racional (do jeito que eu góstio).
    Agradou-me a perspectiva da filósofa que Eichmann não era um monstro, mas um verme, incapaz de pensar...
    Enfim, belo filme. Sukowa genial no papel e as opções de fotografia e filmagem da Margarethe von Trotta de muito bom gosto...

    Espero que possamos nos ver em breve!

    Abraçøs, guy

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