quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

28.-POR JÚPITER! É CLARO!...


Ano 7***               www.professorchassot.pro.br           edição 2402
De repente um pacato fevereiro — que sucedeu a um lutuoso janeiro — ainda pranteamos a morte de 239 jovens na boate assina de Santa Maria — se faz memorável. Surpresa no mês com nenhuma data significativa (salvo Navegantes, Carnaval e Quarta-feira de cinza): fevereiro adquire status com duas datas prenhes de interrogações: ¿Por que 11 e 28 de fevereiro?
A primeira, inserida no tríduo momesco foi a data escolhida para o anúncio da resignação inédita de Bento 16. Primeiro pensei que fosse por ser dia de Nossa Senhora de Lurdes, outrora o santuário mariano da então católica Europa. Mas a virgem que alavancou turismo religioso na França, parece que nem foi lembrada. Só depois descobri que 11 de fevereiro é dia do doente, um dos muitos feriados vaticanos e por tal a data foi escolhida.
E 28 de fevereiro? Há quem diga que o papa quis receber salário mensal integral e escolheu um mês com apenas quatro semanas. Brincadeiras de lado, acho que matei a charada. O papa é também bispo de Roma. Qual o mais importante dos deuses do panteão romano? Júpiter, é claro!
Vejamos a dedicação dos dias da semana em diversas línguas latinas (salvo o português, como única exceção), também em anglo-saxônicas e outras inclusive na cultura asiática: de segunda-feira a domingo, na ordem: Dia da Lua / dia de Marte / dia de Mercúrio / dia de Júpiter / dia de Vênus / dia de Saturno / dia do Sol.
Bela homenagem a Júpiter (o Zeus para os gregos) — chefe de todos os deuses — na escolha do resignante: deixar o trono de Pedro, na quinta-feira, dia de Júpiter. Aliás, Júpiter não foi mal agradecido com a homenagem de Bento 16, O fotógrafo italiano Filippo Monteforte registrou na noite segunda-feira (11), o momento em que um raio — símbolo de Júpiter — atingiu a cúpula da Basílica de São Pedro, no Vaticano.
Talvez, fosse-me permitido sugestão, por vários vieses, um nome significativo para o novo papa poderia ser Júpiter 1º. Sugestões são sempre permitidas. Aceita-las...
No meu livro Sete escritos sobre Educação e Ciências há um hebdomadário e na abertura de cada um dos capítulos há um ensaio sobre cada uma das divindades a quem são universalmente dedicado os sete dias da semana. Trago adiante um excerto, mas antes, um bom dia de Júpiter a cada uma e cada um e uma frutuosa aposentadoria ao primeiro papa emérito da história.
A quinta-feira, nas línguas que nos são mais próximas (espanhol, italiano, francês...) é o dia dedicado a Júpiter e, nas línguas saxônicas, sua dedicação a Thor.
Os anglo-saxões deram o nome de Thor ao quinto dia da semana, Thursday ou seja "Thor's day". Thor é o deus do trovão da mitologia nórdica, aparece produzindo raios com o seu martelo. Thor é filho de Odin, o deus supremo e da deusa de Midgard (a Terra). Ele se assemelha em atributos a Júpiter, pois ambos são filhos da Mãe-Terra, Thor  como Júpiter  era o deus dos raios e trovões; ambos são protetores do mundo e da comunidade cujo símbolo era o carvalho, representando o tronco da família. Thor matou a serpente Jormungand (uma serpente que envolve a Terra) e Júpiter o dragão Tifon. Os animais de ambos deuses eram o carneiro, o bode e a águia. Thor era um deus, extremamente forte e um comilão (podendo comer uma vaca em uma única refeição). Thor adorava disputas de poder e era o principal campeão dos deuses contra seus inimigos, os gigantes de gelo.
Em alemão, como em iídiche e holandês, a tradução literal do nome deste dia da semana é dia do trovão, justamente numa alusão a Thor. Encontrei traduções (Wikipédia) para o dia da semana japonês: Moku-youbi como dia de Júpiter. Em eusquera esse dia é chamado Osteguma, que na mitologia basca é uma homenagem a Urtzi, o deus dos céus.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

27.-VALE BEM ASSESTAR ÓCULOS


Ano 7*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2401
Aqueles de nós que nos envolvemos em alfabetização científica temos de maneira continuada mostrar como assestar óculos para ler o mundo, e mais, temos que alertar nossos alunos para ter presente que, de vez em vez, usamos óculos diferentes para o mesmo objeto. Isso parece mais fulcral quando nos envolvemos na formação de professores de Ciências.
Vale destacar duas situações: a) mesmo que reconheçamos a Ciência como um dos óculos mais privilegiados e usualmente falemos em seus templos (Universidades) não há como assegurar que ela é o melhor óculo; b) vez ou outra, usamos mais de óculo simultaneamente.
Quando no início de um curso tenho a “sessão de arrumar ‘nossa’ caixa de ferramenta” discuto seis óculos: Ciência, Religião, Mitos, Senso Comum, Pensamento Mágico e Saberes Primevos.
Há surpresas, por exemplo, quando mostro que quase todos usamos, mais frequentemente que imaginamos, o Pensamento Mágico. Este não é usado apenas pelos que regem suas vidas por horóscopos, tiram a sorte, usam amuletos, acreditam ganhos de dinheiro como falei ontem aqui, mas, pensamento mágico os que sem ir ao estádio torcem por seu time ou secam o rival. E não reconhecem que isso não adianta.
“Adianta, sim Professor!” contra-argumentou um licenciando, no semestre passado: “quando o Grêmio joga, pego uma camiseta dele, dou vários nós, coloco em cima do televisor e o Grêmio se enrola todo!” Dias depois, tendo o Grêmio vencido um grenal, disse-lhe que eu tinha evidências que sua tese se esboroara. “Ao contrário, Professor, o Grêmio só ganhou por que me esqueci de colocar a camiseta!”
Nessas discussões apresento três argumentos para, mais privilegiadamente, comparar dois destes mentefatos:  Religião e Ciência: vivermos num mundo religioso (basta ver a importância do dia de amanhã para não católicos), o recrudescimento do fundamentalismo (há exemplos a mancheias) e a ateologia (parece que neste século 21 os ateus estão podendo sair do armário).
Estes dois óculos para explicar o mundo — Religião e Ciência —, mesmo que, tenham uma ambição comum: oferecer uma leitura coerente do mundo sensível — Religião e Ciência ocupam um mesmo espaço: o espaço do pensamento humano. E parece que termina aí a isonomia de ações, há campos dicotômicos; estes podem ser assim limitados:
As Religiões afirmam a existência de uma verdade global, imanente, eterna, completa, que trata tanto da natureza como do homem. Esta verdade tem uma exigência fulcral para crê-la: a .
A Ciência não tem a verdade, mas aceita algumas verdades transitórias, provisórias em um cenário parcial onde os humanos não são o centro da natureza, mas elementos da mesma. O entendimento destas verdades — e, portanto, a não crença nas mesmas —, tem uma exigência: a RAZÃO.
O assunto poderia estender-se. Volto, ainda repetidamente aqui. Na expectativa de um apoteótico ocaso de fevereiro lemo-nos amanhã.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

26.-MAIS DINHEIRO ou LIXO A VISTA




Ano 7*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2400
Não sei quantos de meus leitores hão de estar lembrados daquelas correntes piramidais. Mandava-se uma carta para um número determinado de pessoas de uma lista, onde depositávamos um pequeno valor para a pessoa que estava em primeiro na lista; retirávamos este nome e colocava-se o nosso em último (poderia ser o 6º ou 11º ou uma posição conforme a regra estabelecida pelo ‘fundador’). Havia promessas de em poucos dias ficarmos milionários.
Havia, salvo engano, correntes de lenços, meias, e dinheiro — este enviado em espécie, cheque ou depósito bancário —. Os cheques — e aqui algo muito exótico que os mais jovens não hão de crer — eram envelopados e postados no correio.
O envelope precisava ser endereçado (se dizia subscritado) e levava selos colados na parte frontal, no canto superior direito (para pagar as taxas de envio). O envelope depois de acolher em seu interior uma mensagem (algo tipo um email — só mais elegante —) era colado no verso (com cola ou grude) ou por uma elaborada operação lingual que envolvia cuspe que me abstenho de descrever. No verso se colocava nosso nome e endereço. Depois de tudo isso (cuidando que o excesso de cola não colasse um envelope no outro) esses eram levados a uma agência de Correio (muito raras na cidade) ou em uma coletora, na qual não se tinha muita confiança.
Os mais anosos relevem a descrição desta resumida operação bastante complexa hoje substituída por clique em um ícone chamado ‘send’.
Este elaborado texto preambular, que revela facetas inéditas de como viviam os cidadão ainda no final do século 20 é pretexto para contar que ontem recebi, pela primeira vez uma destas correntes que me prometem ficar rico por correio eletrônico.
A mensagem tem 2.100 palavras (esta blogada tem 600 palavras)  em mais de 10 páginas que anuncia dinheiro rápido: “Para receber R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ou mais, você precisa investir R$12,00 (doze reais) em seis pessoas, ou seja, R$ 2,00 (dois reais) em cada pessoa de sua lista, que se encontra no final deste email”.
A seguir vem todas as normas (clássicas) e explicações para depositar seis vezes 2 reais para seis pessoas, retirar da lista a primeira colocar o meu em sexto. Logo me é assegurado que “É uma resposta de Deus às suas orações, acredite!”
Como se não bastasse sou informado que: “Quando este programa de ajuda mútua me foi apresentado tive dúvidas assim como você, mas com a fé que sempre tive em Deus aceitei o sinal que ele me deu quando precisei. Hoje tenho muito mais a agradecer a Deus pelas transformações maravilhosas que aconteceram na minha vida, e que com certeza, irão acontecer na sua também a partir da próxima semana se você começar logo, bastando você acreditar”.
Adiante diz: “Tome muito cuidado para reproduzir corretamente a sua lista com os nomes e contas dos outros participantes do Programa para que ninguém saia prejudicado, ok!, pois “Prosperidade e riquezas haverá na sua casa, e a sua justiça permanece para sempre.’ Salmos 112:3”
Quase ao final sou lembrado que: “Um Programa honesto assim pode ser comparado a uma semente que, quando plantada em terra fértil, germina, cresce, e multiplica inúmeras vezes, até que o que era originalmente uma semente pequena se torna milhões de incontáveis sementes da MESMA MARCA!
A desonestidade do ‘honesto’ programa está que tudo que alguém ganhar será perdido por outro. Os que abrem a lista poderão realmente ganhar, mas a trouxas perdendo. Não geração espontânea de dinheiro.
O pior é que a partir de agora: preparemo-nos para mais lixo. Aguardem.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

25.-POR UM NOVO PAPA CONSERVADOR


Ano 7***    www.professorchassot.pro.br     ***Edição 2399
Uma segunda-feira que abre uma semana, como já referi, aqui ontem, vaticina um espetáculo circense para a próxima quinta-feira: a midiática resignação de Bento 16. Claro que isso não será assunto exclusivo aqui, mas sendo um daqueles que daria um dedo para nós próximos dias viver em Roma, tenho buscado na imprensa nacional e estrangeira matérias para suprir minha ausência física do polo noticioso,
Tem sido publicado muita ‘tonteria’. Por exemplo, a Folha de S. Paulo, em sua privilegiada edição dominical, publicou ontem uma página inteira, com coloridos infográficos, sobre ‘ser católico’ que talvez servisse para uma criança se preparar para a primeira comunhão à época do Concílio de Trento.  Também não vale perder-se em análises de pseudo-vaticanólogos sobre as possibilidades do Cardeal A ou Cardeal B ser eleito.
Não quero parecer ranzinza. Há muita coisa boa. Na última terça-feira, Hélio Schwartsman, bacharel em filosofia, autor, entre outros de ‘O Segredo de Avicena’ publicou, na p.A2, na última terça-feira, Missa em latim, que vale compartir com meus leitores. Acrescentei a ilustração que evoca meus tempos de coroinha, quando ajudava missa em latim, com o padre de costas para os fiéis. Vale fruí-lo:
Ao contrário da esmagadora maioria dos comentários que li na imprensa, torço para que o conclave eleja um papa tão ou mais conservador do que Bento 16. Até entendo que as pessoas defendam o que imaginam ser o melhor para a Igreja Católica, mas creio que estejam deixando passar o essencial.
E o essencial é que hoje, ao contrário do que ocorria alguns séculos atrás, a religião já não precisa atravancar a vida de ninguém. Se, no passado, um herege podia ser assado em praça pública e a excomunhão significava uma sentença de morte em vida, agora, pelo menos nos países democráticos, os ensinamentos morais da Santa Sé não impedem uma pessoa de viver como preferir, inclusive no campo da sexualidade.
Quem não concorda com os catecismos do Vaticano, é livre para ignorá-los ou contestá-los. Religiosos que consideram equivocadas as interpretações que o sumo pontífice faz das Escrituras podem buscar outros cultos ou fundar sua própria igreja. As vantagens fiscais são consideráveis.
No mais, é complicado sugerir que nós, progressistas, podemos dizer o que pensamos acerca de tudo e os papistas, por serem reacionários, não gozem da mesma prerrogativa. Teríamos um problema de saúde pública se as autoridades dessem ouvidos ao que o Vaticano prega em relação à camisinha, mas, felizmente, isso já não ocorre há décadas no Brasil.
O bônus do laicismo é que a palavra do papa, que antes tinha poder de vida e morte sobre católicos e não católicos, hoje concorre com centenas de outras visões de mundo, religiosas e seculares, e cada qual é livre para abraçar a que mais lhe aprouver.
E por que quero um papa conservador? Para mim, que não estou preocupado com a disputa por fiéis nem com a vitalidade da religião, só o que torna a Igreja Católica interessante é seu aspecto museológico, isto é, a janela que ela abre para o passado. Por razões opostas, eu e Marcel Lefebvre preferimos a missa em latim.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

24.- ¿É OU NÃO É APÓCRIFO?



Ano 7***www.professorchassot.pro.br***Edição 2398
Um domingo quaresmal que quase despede fevereiro e abre uma semana na qual na quinta-feira teremos um espetáculo quase circense. Desde o dia 11, quando numa segunda-feira o Vaticano teve mais paetês que a Marquês do Sapucaí, a cada dia, o anúncio da resignação de Bento 16 fica mais apimentados.
Fala-se em dossiês escabrosos (homossexualismo, pedofilia, malversação de milhões de euros) que, talvez, catalisaram a inusual renúncia do trono pietrino. Ratzinger provavelmente silenciará sobre as verdadeiras razões.
Há os que dizem que os documentos são falsos. Isso não seria uma situação inédita. Esta está no nosso cotidiano.
Por exemplo, quando se fala em ‘novas realidades’ presente na escola há um destaque para a presença cada vez maior da apocrifia [característica ou condição do que é apócrifo (= que não é do autor a que se atribui)] que se traduz num copismo (quase) incontrolável e na invasão de instituições com méritos como a Wikipédia.
Não é sem razão que se diz que Ctrl C & Ctrl V são duas das ferramentas para fazer trabalhos escolares — e aqui há um amplo espectro desde os trabalhos de pesquisa no ensino fundamental até teses doutorais. Já existem, ofortunadamente, buscadores que, com muita eficiência, detectam as situações de apocrifia.
Talvez, a apocrifia hoje tão presente na internet tenha a idade da escrita. Temos até evangelhos apócrifos.
Há textos apócrifos de rara beleza. Há outros que são atribuídos a personalidades proeminentes para dar força a palavra.
Esta domingueira traz este preâmbulo para justificar a publicação de uma afirmação muito provavelmente apócrifa. Eu a assinaria, mas não teria ressonância. Como o seu presumido autor esteve muito presente nesta semana aqui ela faz o mote da blogada de hoje.
Com publicação nesta terça-feira do interrogante Deus hipotético, L.F. Veríssimo por referir a parábola do Dostoievski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo ensejou um tríduo dostoievskiano nos três dias seguintes.
Apócrifo ou não Veríssimo poderia fazer a afirmação e certamente continuaria colunista de O Globo. Outros perderiam o emprego.
Um bom domingo a cada uma e cada um. Aos cinéfilos, curtidas torcidas pelos seus filmes nesta noite de Oscar.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

23.-UMA INCOMUM DICA SABÁTICA


Ano 7***www.professorchassot.pro.br***Edição 2397
Já estamos no último sábado de fevereiro, mês em que já houve três sábados de dicas sabáticas memoráveis. A de hoje rescende, ainda, a sabor de férias. Fui presenteado pelo bom gosto da Liba, mãe da Gelsa, em fevereiro, quando estávamos em Canela, com o livro que se faz a sugestão deste sábado:
DE WAAL, Edmund. A Lebre dos Olhos de Âmbar. [The Hare with the Ambar Eyes (tradução de Alexandre Barbosa)] Rio de Janeiro: Intrínseca, 318 p. 228x160x16. R$ 29,90. ISBN 978-85-8057-090-8
Há alguns dias programara escrever um texto sobre livro que me encantou. Ocorre, como contei aqui na quinta-feira, na pluviosa tarde do dia 20 fuí vitima de uma versão pós-moderna do dilúvio, com closet feito queda d’água, com alguns hectolitros de uma chuva histórica lançados em meu apartamento.
Reconto isto para justificar minha apropriação de uma excelente resenha de Antonio Gonçalves Filho, publicada em O Estado de S. Paulo em 17OUT11. Em texto de qualidade, os leitores conhecerão o autor e o livro com muito mais propriedade que em um escrito aligeirado de um quase flagelado. A seguir o texto anunciado:
Em raras ocasiões um best seller combina uma boa história com ambição literária, ainda mais quando se trata de um exercício memorialista. No entanto, A Lebre Com Olhos de Âmbar, livro de estreia do conhecido ceramista inglês Edmund de Waal [Foto], conseguiu ao mesmo tempo a consagração do público e da crítica. Além de ganhar o prêmio Costa Book de melhor biografia, o livro foi comprado por editores do mundo todo e publicado em 20 diferentes línguas. De Waal tem sotaque proustiano e sensibilidade sebaldiana. Em outras palavras: como Proust (1871-1922), evoca o passado familiar com notável riqueza de detalhes e, a exemplo do alemão W. G. Sebald (1944-2001), cruza fatos reais e ficção com enorme talento. De Londres, onde mora com a família, o herdeiro da família Ephrussi — os maiores exportadores de trigo do mundo no século 19, além de banqueiros e mecenas de artistas (Renoir, Monet) — concedeu uma entrevista ao Caderno 2, em que anuncia sua intenção de continuar a carreira literária.
Seu livro A Lebre Com Olhos de Âmbar conta a história do clã Ephrussi, mas as estrelas são 264 miniaturas japonesas entalhadas em madeira e marfim. Atrás da origem e da história desses netsuquês, que herdou de um tio-avô morador em Tóquio, De Waal, do ramo holandês da família Ephrussi, descobriu que existiam enormes semelhanças entre o antepassado Charles Ephrussi, um primo de seu bisavô, e o Charles Swann de Em Busca do Tempo Perdido, a obra-prima de Proust. Ambos eram judeus, eruditos, milionários e amigos da realeza. Os dois escreveram monografias sobre artistas — o Charles real sobre Dürer e o Charles de Proust, sobre Vermeer. Tanto o antepassado do escritor como o Charles ficcional eram dândis, gostavam de belas mulheres e obras de arte japonesas (bem, todo o 'grand monde' parisiense gostava, na época).
Por ter uma amante igualmente fascinada pela onda japonista do fim de século 19, que conquistou pintores impressionistas bancados pelo Charles real (como Monet), o primo do bisavô de De Waal comprou de uma vez só, na galeria dos irmãos Sichel, em Paris, a coleção de netsuquês, que deu de presente à bela Louise, retratada por Proust como a demi-mondaine Odette, amante de Swann, que o recebia de quimono numa sala cheia de biombos e almofadas de seda japoneses. Charles Ephrussi, então, era proprietário da Gazette, amigo de artistas como Renoir, que o retratou na famosa tela O Almoço dos Remadores. Segundo De Waal, ele foi se tornando defensor dos pintores que conhecia, encomendando resenhas e escrevendo ele mesmo, sob pseudônimo, a respeito das bailarinas de Degas.
Sem saber mesmo a razão, também o pequeno De Waal foi atraído pelo japonismo. Aos cinco anos, pediu ao pai que o matriculasse num curso de cerâmica. Estudou com o maior dos mestres ingleses, Bernard Leach, homem austero que o ensinou a ter respeito pelo material e pela cultura japonesa. Em 1991, De Waal, então com 27 anos, ganhou uma bolsa para estudar japonês em Tóquio, aproveitando o tempo livre para pesquisar nos arquivos e bibliotecas locais. Queria escrever um livro cujo tema seria exatamente a maneira como o Ocidente interpreta de maneira equivocada o Japão. Uma tarde, porém, ao visitar o tio-avô Iggie, de 84 anos, viu sua vitrine de netsuquês e este contou ao sobrinho a história do pai e da mãe, que ganharam de presente de casamento a coleção de miniaturas de Charles Ephrussi.
Fascinado, De Waal percebeu que essas miniaturas de animais e pessoas contavam não só a história da família como dos principais eventos dos séculos 19 e 20. Enquanto os japoneses eram extremamente raros na Paris de 1870, todos colecionavam japonaiseries. Tornou-se hábito entre os ricos correr a Rue Martel, onde eram vendidos objetos do Extremo Oriente. Charles e sua amante Louise, neojaponistas, não fugiam à regra. De Waal desconfia que, por trás da cobiça dos netsuquês, havia uma compulsão mal disfarçada de pilhar ou violar o Japão, que só existia para a França como possibilidade de satisfação em vários níveis (artístico, comercial e sexual).
"É difícil falar de um objeto sem romantizá-lo, ainda mais quando se trata de netsuquês, mas, claro, eles carregam a energia dos artistas que o fizeram e também a dos ex-proprietários", diz De Waal, concluindo que seu livro "é uma maneira de procurar entender, afinal, o que significa um objeto". No caso, essas 264 miniaturas, que retratam lebres, tartatrugas, tigres, toneleiros e um monge dormindo sobre sua cuia de esmola (seu preferido), passaram pela elegante mansão de Charles e Louise em Paris, foram salvos dos nazistas em Viena e voltaram ao Japão quando o tio-avô do escritor, Iggie, ao término da Segunda Guerra, entrou no país como militar e conheceu um japonês, Jiro, filho de uma família de fabricantes de tamancos, por quem se apaixonou. Eles viveram 41 anos juntos. Quando morreu, o companheiro do tio deu a coleção de presente ao escritor.
Cada uma dessas miniaturas, diz De Waal no livro, "é uma resistência ao sangramento da memória". Eles foram, por exemplo, escondidos dentro de um colchão para escapar da pilhagem empreendida pelos nazistas nas casas dos judeus, em 1938. A própria história dessas peças revelou passagens obscuras da trajetória da família Ephrussi. "De qualquer forma, não tinha como modelo a escrita proustiana", garante o escritor. "Não era a nostalgia que me movia, mas um desejo sincero de recontar essa história em que os netsuquês deixam de ser simples objetos de consumo no Ocidente e perdem o exotismo quando voltam ao Japão".
Nesse ponto, a escrita de De Waal troca o memorialismo proustiano pela abordagem de Sebald ao tratar da memória pessoal e histórica como forma de reconciliação. "Leio os escritores franceses e ingleses, mas prefiro os de língua alemã, como Sebald e Musil", diz, assumindo o primeiro como modelo. Ele levou anos preparando o livro e seu primeiro crítico foi o pai. "Mostrei a ele e pedi que fosse rígido, adiantando que só publicaria se desse sua aprovação". Caso contrário, garante, "teria destruído os manuscritos". Felizmente, para os leitores, o pai de De Waal deu sua benção.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

22.-TEMPOS TENEBROSOS: A INQUISIÇÃO



Ano 7***www.professorchassot.pro.br***Edição 2396
Em minha história de acompanhamento de dramáticas inundações — tão fortemente marcadas nas narrativas míticas de dilúvios — usualmente as relaciono com populações ribeirinhas ou moradores de baixadas. Desta vez vivi quase um paradoxo hidrostático.
Como contei ontem aqui, com super-chuvarada e ruptura de um cano de escoamento pluvial que fez no closet uma cascada, fui feito um alagado no sétimo andar. Na quinta-feira, com queridas solidariedades, movimentei seguro e orçamentos em busca de recuperação. Tudo vai se ajeitando.
A publicação nesta terça-feira do texto Deus hipotético de L.F. Veríssimo referindo a parábola do Dostoievski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo ensejou um tríduo dostoievskiano no qual na quarta-feira se trouxe algo do conto o Grande Inquisidor; ontem a proposta foi falar de seu autor e hoje se concluí com informações sobre o cenário do conto: Sevilha, à época da Inquisição.
Acerca da Inquisição (mormente a espanhola a mais extensa e talvez a mais dolorosa e aqui se inclui aquela na América espanhola) há farta literatura. No Educação conSciência, escrito em 2002 na privilegiada situação de viver em pós-doutoramento em Madrid anuncio no sumário assim o capítulo 10: A ciência na Inquisição ou novas leituras para entender situações que foram conflituosas, mas que não podem ser esquecidas pois corremos o risco de repetir momentos que foram cruentos. O frontispício do capítulo se faz com uma frase atribuída a Miguel de Cervantes: A liberdade, amigo Sanchez, é o mais precioso presente que os céus deram aos homens.
Assim nesta sexta-feira quaresmal, para entender o contexto de Grande Inquisidor vale ver algo Inquisição espanhola narrada no conto: A cidade de Sevilha citada no conto é o local escolhido para o retorno terrestre de Cristo. Tal citação remete-nos ao período da Inquisição espanhola.
Na Espanha, espaço alvo da narrativa de O Grande Inquisidor, a formação cultural e religiosa era composta de cristãos, judeus e muçulmanos.
A partir do século 15, iniciou-se um período de intolerância em relação aos judeus daquele país, o que culminou na criação de O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, em 1480. A Inquisição Espanhola prestava contas à Coroa e recebeu apoio da Igreja. O alvo primário dessa inquisição foi a população judaica da Península Ibérica.
Andaluzia era um dos centros mais populosos de conversos [ou cristãos novos, ou seja, judeus espanhóis convertidos ao catolicismo] e a Inquisição começou seu trabalho em Sevilha. Entre os anos de 1481 a 1488 mais de setecentos conversos foram queimados vivos e mais cinco mil foram presos e penitenciados. Em 1483, Tomás de Torquemada (1420-1498) foi nomeado inquisidor geral.
Outra eminência da Inquisição espanhola foi Francisco Jimenez de Cisneros (1436-1517), Franciscano (1484), Cardeal de Toledo (1495), foi dos inquisidores gerais mais severos. Dirigiu campanha para a conversão dos mouros, conduzindo pessoalmente expedição ao Norte da África. Restaurou a disciplina eclesiástica e fundou a Universidade de Alcalá de Henares (1498). Teve além de poder eclesiástico grande influência política, tendo sido regente do reino de Castela (1516) e confessor da Rainha Isabel, a Católica.
A partir de 1483, todos os tribunais da Inquisição na Espanha cristã tiveram como inquisidor geral Tomás de Torquemada. O inquisidor geral, ou grande inquisidor, era a função correspondente ao presidente da Inquisição na Espanha e sobre ele estava o poder de destituir e condenar.
Ao inquisidor cabia a função de investigador (inquisitor) e juiz, pois era ele quem investigava, julgava e condenava os casos de heresia. No livro Manual dos Inquisidores, [EYMERICH, Nicolau Frei. Manual dos inquisidores. Tradução de Maria José Lopes da Silva, Prefácio de Leonardo Boff. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993] (mais extensamente comentado no Educação conSciência) encontra-se um relato de como deveria ser o inquisidor, além de admoestações contra suas punições:
O inquisidor deve ser honesto no seu trabalho, de uma prudência extrema, de uma firmeza perseverante, de uma erudição católica perfeita e cheia de virtudes. Todos os inquisidores devem ser doutores em Teologia, Direito Canônico e Direito Civil. [...] Lembremos que é sempre melhor evitar punir os inquisidores, porque, com a punição, é a instituição inquisitorial que é atingida. Logo ela não será mais respeitada e temida pela plebe ignara (populo stulto).
Em relação ao inquisidor geral, Tomás de Torquemada, pode-se dizer que era extremamente zeloso em relação à Inquisição.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

21.-O DOSTOIÉVSKI DO GRANDE INQUISIDOR


Ano 7***www.professorchassot.pro.br***Edição 2395
A chuva tão desejada parecia ser uma canção de ninar embalando um fim de sesta. Minutos depois informações de que “em uma hora registra-se em Porto Alegre o maior volume de água em seis anos; outra estação registrou quase a metade da média histórica do mês em apenas meia hora. Tubulação de 59 milhões é rompida. Há morte e feridos devido a chuvarada na cidade”.
Eu trabalhava na parte superior de minha casa, encantado com o ver chover. Batem à porta, pois não havia energia elétrica. Era a vizinha da frente. Água de meu totalmente alagado piso inferior invadia outro apartamento. Um cano de drenagem pluvial do jardim rompera-se e fez do meu closet uma cascata. Todas minhas roupas, aparelhos eletrônicos, forração ensopados. Nunca em minha história fora vítima de fenômeno climático como na tarde de ontem. Afortunadamente, ilesos todos meus livros. Algo maravilhoso foi ver a solidariedade de muitos vizinhos socorrendo-me apatetado sem iniciativa.
A publicação do interrogante texto Deus hipotético de L.F. Veríssimo, nesta terça-feira — ao lado de fazer emergir questionamentos do quanto aqueles que creem se sentem mais seguros que os incréus que laboram em incerteza — suscitou interrogações acerca da parábola do Dostoievski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo. L.F. Veríssimo confessa não saber como termina o conto. Isto, provavelmente, fez curiosos a muitos.
Acolhendo proposta de pauta de um leitor, se propôs um tríduo dostoievskiano. Ontem se trouxe algo do conto o Grande Inquisidor; hoje a proposta é falar de seu autor e amanhã, informações sobre o cenário: Sevilha, à época da Inquisição. Assim, aqui e agora, a segunda sessão da proposta para conhecer um dos maiores romancistas da literatura russa e um dos mais inovadores artistas de todos os tempos.
O autor: Fiódor Mikhailovich Dostoiévski nasceu no dia trinta de outubro de 1821, em Moscou, no meio de uma família bastante religiosa. Seu avô foi sacerdote e seu pai chegou a cursar um seminário, mas abandonou a vocação eclesiástica para seguir a carreira médica. Assim como seu pai, Fiódor sofria de epilepsia.
Foto e assinatura: fonte Wikipédia. 
Dostoievski sempre gostou muito de literatura e lia diversos autores russos e ocidentais. Em relação à sua formação religiosa, aprendeu a ler em um livro que relatava episódios bíblicos, intitulado As cento e quatro histórias do Antigo e do Novo Testamento. Junto com seus irmãos, tinha um professor de História Sagrada, de quem ouvia com interesse principalmente os assuntos relacionados ao nascimento e a morte de Jesus Cristo. Dostoievski ia sempre à missa com seus pais.
Em 1838, Dostoievski ingressou na Academia de Engenharia Militar de São Petersburgo. Em 1844, abandonou a carreira militar para seguir a carreira literária, pois era disso que gostava e para isso se sentia vocacionado.
Dostoievski era contra a escravidão apoiada pelo Estado russo. Por esse e por outros motivos começou a fazer parte de uma sociedade secreta e clandestina que se posicionava contra a escravidão vigente em sua época. A participação nessa associação foi a causa de sua prisão, em 1849. Dostoievski ficou exilado por dez anos na Sibéria. No exílio, ele lia bastante a Bíblia e os ensinamentos do presídio marcaram-no por toda sua vida. Foi na prisão, entre os ladrões e assassinos, que ele afirma ter encontrado homens de caráter profundo e inspiração para alguns de seus escritos posteriores.
Ainda na Sibéria, em 1855, Dostoievski começou a trabalhar seu romance intitulado Recordações da Casa dos Mortos, publicado somente em 1862. Essa obra faz referência à sua prisão. Foi entre 1865 e 1871 que Dostoievski escreveu Crime e Castigo — tido como sua obra magna —, O Jogador, O Idiota e Os demônios, respectivamente. Em 1880, Dostoiévski terminou Os Irmãos Karamazovi (onde está inserido o conto que catalisa nosso tríduo).
A obra dostoievskiana explora a autodestruição, a humilhação e o assassinato, além de analisar estados patológicos que levam ao suicídio, à loucura e ao homicídio: seus escritos são chamados por isso de "romances de ideias", pela retratação filosófica e atemporal dessas situações. O modernismo literário e várias escolas da teologia e psicologia foram influenciadas por suas ideias.
Dostoiévski tinha enfisema pulmonar e começou a apresentar constantes hemorragias que o levaram à morte no dia vinte e oito de janeiro de 1881.