quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

26.-ESPECIALISTA versus GENERALISTA: UMA ANEDOTA


  

Ano 7*** PORTO ALEGRE Morada dos Afagos ***Edição 2040

Passada as festas natalinas, já temos no horizonte a celebração da virada do ano. Para voltar aquilo que é mote aqui, vou tentar responder ~~ parcialmente ~~ a uma pergunta recebida, há não muito: Professor, há um saber escolar que contemple o ensino de Ciências?
As discussões acerca do tema envolvem pelo menos duas dimensões: uma, talvez, coubesse por primeiro uma discussão: “generalista versus especialista” e a outra quais são os saberes escolares que garantem uma ‘razoável’ alfabetização científica nos estudos que precedem à Universidade.
Sabemos que Ciência cresce, particularmente, pelas ações dos especialistas. Todavia são os generalistas, com sua visão mais holística do mundo, que são cada vez mais importantes não só para a transmissão dos saberes científicos, mas também para sinalizações de possíveis direções para que os especialistas possa conduzir espraiamentos da Ciência. Talvez, devêssemos sedimentar o pressuposto de que o ensino fundamental e o médio não são locais para formar especialistas. Aliás, vale o mesmo para os cursos de graduação.
Há uma anedota escolar que sempre aflora quando se traz esta discussão. Narro a mesma em dois cenários.
Manhã de segunda-feira, em um curso de licenciatura: Professor! O senhor viu, na noite de ontem, na televisão, aquela experiência de fizeram num ‘show de Ciência? Qual é a explicação? Vi sim! Isto é um assunto de Química, eu sou físico. Procurado o professor de Química, ele responde que o experimento é importante na área de Química Orgânica, mas...’eu sou inorgânico! O professor de Química Orgânica, ao ser questionado responde que sua área é de compostos acíclicos, e o problema envolve compostos cíclicos. Buscado um especialista em compostos cíclicos, este sublinha a importância do problema, mas diz tratar-se de compostos com anéis hexagonais, mas que ele em seu doutoramento trabalhou com compostos com anéis pentagonais. Procurado um novo expert, ele diz que realmente é uma significativa questão envolvendo anéis pentagonais — assunto que já lhe rendeu várias publicações e um pós-doutoramento, mas sempre teve seu campo de investigação em anéis pentagonais homocíclicos, no caso em tela trata-se de compostos com anéis heterocíclicos. Poderíamos continuar nossa história por mais meia dúzia de especialistas que só entendem de seu mundinho, ou para ser menos elegante, entendem da ‘cacaca da cacaquinha’.
Um segundo cenário: manhã de segunda-feira, em uma escola de ensino fundamental: mesma pergunta inicial, para o professor de Ciências. Certamente, com uma visão holística do mundo, traria uma resposta que satisfaria a curiosidade do aluno.
Deixemos momentaneamente a Escola. Vamos a uma situação de nosso cotidiano. Qual é a primeira coisa que precisamos saber, para consultarmos um médico? Que doença temos; assim podermos procurar o especialista em nossa enfermidade. Cena possível, após procura de um otorrino que é credenciado por nosso convênio: ‘Doutor! Tenho um zumbido no ouvido direito... Após breve exame, um laudo estimulante: Provavelmente tens tinitus, vou te recomendar a colega meu que é especialista em ouvido direito, minha especialização é em ouvido esquerdo!
Sei que trouxe uma situação caricata. Se pensarmos um pouco, ela tem muito de situações que vivemos em nosso cotidiano. Apenas uma síntese: não é a escola o lócus de formar especialistas. Lá somos generalistas.
A outra dimensão acerca dos saberes escolares que garantem uma ‘razoável’ alfabetização científica nos estudos que precedem à Universidade falo outro dia.

14 comentários:

  1. pois é, Professor. O Ensino Médio é o espaço dos generalistas, e mesmo assim a nova proposta de integrara as "disciplinas" está sofrendo de uma falta de compreensão incrível.
    Penso que a suposta especialidade pode estar sendo usada como proteção: 'sei daqui até ali, não me intrometo na tua e não te intrometes na minha '

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  2. Outra piadinha com algo de verdadeira, sobre cúmulos: Ser generalista é ter um conhecimento não muito aprofundado sobre uma gama larga de assuntos (saber cada vez menos sobre cada vez mais), ser especialista é ter um conhecimento profundo sobre um campo bem estreito do conhecimento (saber cada vez mais sobre cada vez menos). Assim, o cúmulo do generalismo é saber nada sobre tudo e o cúmulo da especialização é saber tudo sobre nada.

    PS. Achei muito interessante a colocação da Marília de que os nichos dos especialistas possam estar sendo usados como proteção, como demarcação de território.

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  3. Querida Marília,
    tu —enquanto professora de Filosofia — deves te sentir com frequência ‘invasora’ dos espaços dos outros. “Isto é meu. Aquilo é teu”.
    Vamos vencer os feudos: “Isso é nosso”
    Com reconhecimento ao teu fazer Educação.
    attico chassot

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  4. Primeiro: não deixa de ter um sabor especial ter um atento leitor realmente no outro lado do mundo, especialmente desde o Vietnam, que no imaginário de uma geração se fez sinônimo de atrocidades.
    Os dois ‘cúmulos’ que trazes são a tradução de uma e outra situação.
    Faço cópia desta mensagem a Marília para que conheça teu comentário.
    Obrigado pelo prestígio que conferes a este blogue.
    A admiração do
    attico chassot

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  5. Mestre Chassot, perdoe-me mas não resisto em relatar uma piada de certa forma afeta ao tema.
    Em um hospício, após um desabamento, saíram um médico auxliado por um louco sobrevivente para identificar os mortos e feridos. Saia o médico a frente e após breve exame dava o diagnóstico , morto ou ferido. O louco auxiliar ia atrás cobrindo os mortos e sinalizando com uma bandeira o local dos feridos para que o resgate os levassem. Em determinado momento após o rápido exame o médico determinou : "Morto" e seguiu em frente examinando os outros. Porém quando o louco auxiliar foi cobrir o suposto morto o mesmo balbulciou. "Me ajuda, eu não estou morto". Prontamente o louco auxiliar retorquiu: "Cala a boca rapaz, quer saber mais do que o médico?"

    abraços

    Antonio Jorge

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    1. Meu caro Antonio Jorge,
      tua historieta lembra a máxima da Igreja: “Roma locuta, causa finita!” ou na versão de teu ‘causo’: “O doutor disse, fim de papo!”;
      Obrigado por fazeres deste blogue parte de teu cotidiano,

      attico chassot

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  6. Curti a historinha do louco auxiliar ehehe... mas, mudando de assunto, professor Attico, gostei muito do cap. 6 de Ensino de Química em Foco (não se preocupe, o capítulo 1 ainda não perdeu o título de mais legal do livro hehe). O cap. 6 me fez refletir sobre a minha prática de professor de química (atividade que espero voltar a exercer em breve) e como a gente propaga mitos ao tentar ensinar história da química aos alunos. Entre as referências do capítulo encontrei um artigo que também gostei muito, sobre pseudohistória da ciência, cujo link compartilho abaixo.
    http://depa.fquim.unam.mx/amyd/archivero/AllchinsobrePseudo_20824.pdf

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    1. Meu caro Juliano,
      o capítulo do Paulo Porto (o seis) em o “Ensino de Química em foco” é sumarento. Neste capítulo “os sinais de alerta” do Allchins (que tu atenciosamente disponibilizas) são facilitadores para algumas definições. No blogue do próximo sábado, vou um pouco em outra direção, ao criticar postura cientificista (exclusiva) de Carl Sagan,
      Polemizar é preciso.
      Obrigado por trazeres comentários neste blogue.
      Esta coautorias são preciosas,
      attico chassot

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    2. Se o senhor falar mal de Carl Sagan não sou mais seu amigo
      :-D

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  7. Limerique

    Um profissional especialista
    Que se atem à uma estrita lista
    Da qual sabe tudo
    Além dela, contudo
    Não passa apenas de um turista.

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    1. Meu caro Jair,
      muito bem posta a leitura do especialista como turista. Um dia um ecografista, ao fazer-me ecografia de membros inferiores disse-me ~~ claro que com um certo exagero ~~ que talvez ele não soubesse detectar uma gravidez.
      obrigado por poetares aqui,

      attico chassot

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Limerique

    O especialista foge da parada
    Um generalista encara jogada
    Sabe pouco de tudo
    É curioso, abelhudo
    Em vez de saber tudo sobre nada.

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  10. Limerique

    Generalista então faz limonada
    Com fruta na rua encontrada
    Já o especialista
    Só vê conquista
    Se for em área determinada.

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