sexta-feira, 16 de novembro de 2012

16.- NOVOS ACONTECIMENTOS SACODEM UM PARADIGMA CLÁSSICO



Ano 7***  PORTO ALEGRE/FREDERICO WESTPHALEN  ***Edição 2298
Esta edição entra em circulação, uma vez mais, quando me desloco de Porto Alegre para Frederico Westphalen. A estada de um pouco mais de 12 horas, na Morada dos Afagos, depois do extenso périplo que encerrei ontem, foi reconfortante. Não consegui vencer a avolumada pilha de jornais de 10 dias que pediam pelo menos uma vista d’olhos.
Hoje tenho três turnos no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Pela manhã a agenda se divide entre minhas quatro orientandas. À tarde e à noite tenho mais duas sessões do seminário ‘Teorias do Conhecimento e Educação’. Na parte da tarde será central uma discussão baseada em Thomas Kuhn e à noite as reflexões serão iluminadas pelo documentário ‘Homo Sapiens 1900’.
O tema vesperal terá como substrato o tríduo kuhniano publicado neste blogue nos dias 04, 05 e 06 setembro de 2012 e um texto que já usei em outros seminários:La moral sexual católica ¿está en crisis de paradigma? Un estudio desde la historia de las ciencias’. Seu autor é Cristián BARRIÁ, médico psiquiatra, terapeuta de casais, ex-professor de Psicologia Comunitária na Universidad de Chile.
Barriá fez acurada análises acerca da moral sexual católica e usa para tal (com expertise) Thomas Kuhn. São sumarentas 25 páginas que mesmo sem a pretensão que se traga aqui uma síntese conveniente, faço tema desta blogada.
Vou pinçar algumas ideias. Anuncio que posso enviar o texto original na íntegra a quem o desejar. A seguir algumas análises, apreendidas em uma mirada panorâmica. Quase na abertura somos alertados que “esta é uma reflexão de um médico crente a partir da perspectiva da história do pensamento, de modo que o que aqui fazemos é um estudo centrado especialmente no histórico e no epistemológico, mais que propriamente no teológico”. É fácil imaginar o quanto um terapeuta de casais deve envolver-se com a questão da co-habitação de diferentes paradigmas que são seguidos, porque tidos como respondendo às exigências do mundo contemporâneo, mas que são confrontados com paradigmas medievos, ainda vigentes.
O autor faz uma muito bem organizada síntese das propostas de Kuhn para perguntar se é legítimo que ideias da história das ciências naturais de Kuhn sejam aplicadas a um campo como a teologia moral, que tem métodos e desafios singulares. Ele responde: “Em nossa opinião é pertinente esta tentativa até porque na teologia moral há também uma busca de racionalidade sistemática, que tem levado a mesma a descrever-se como Ciência. Adicionalmente, na teologia já se vão utilizado os conceitos de Kuhn, por isso que nosso intento tem amplos precedentes. Em nossa opinião, ao menos por analogia, as ideias de Kuhn podem ser iluminadoras na parte reflexiva e sistemática da teologia moral. Os conceitos de Kuhn também têm sido aplicados ao estudo de outros campos do saber e da conduta humana como na história das artes e na política, o que mostra que seu campo de aplicação é mais amplo e vai mais além das ciências naturais”.
Para o médico chileno as ideias de Kuhn parecem iluminadoras para observar o que pode estar ocorrendo no campo da moral sexual católica. Pode pensar-se a comunidade católica como una comunidade de pensamento análoga a uma «comunidade de estudos da Ciência» no que respeita a sua conceptualização moral. A comunidade dos teólogos seria o grupo mais especializado desta comunidade. O que ocorreu nesta comunidade, no tocante à sexualidade, no último século?
Parece que a irrupção de dois novos descobrimentos desencadearam abertamente uma crise na maneira de pensar a sexualidade católica. Estes acontecimentos foram: a) o descobrimento mais preciso dos dias infecundos no ciclo da mulher por parte da ciência, nos anos 1930, e b) o descobrimento da pílula anticonceptiva, algumas décadas depois. Estes fatos, especialmente o segundo, estimularam a reflexão moral católica, impactada por estes novos desafios da ciência moderna.
Houve uma concentração de estudos nesta zona de interesse renovado para os investigadores, impulsionados por sua vez pelo interesse dos leigos nesta nova realidade recém descoberta. O fato de que se descobrira que a maior parte dos dias do ciclo feminino eram infecundos, tornou-se certamente um fato «estranho» para o paradigma tradicional. Antes sempre se pensou que o fim primeiro da vida sexual criada por Deus era a procriação, o que até então parecia óbvio. Ocorre que agora que a procriação é impossível durante a maior parte do ciclo, segundo descobre a ciência. Como compreender que esta recém descoberta sexualidade infecunda, no plano de Deus?
Parecia não ser já tão evidente que a sexualidade conjugal estivesse ordenada essencial e «primariamente» à procriação. Eram perguntas novas. Prudente e razoavelmente, a autoridade permitiu aos esposos «usar» dos dias infecundos. Porém, talvez não percebeu então que o paradigma mesmo estava sendo questionado em sua coerência interna, ao permitir-se relações sexuais intencionalmente infecundas. A antiga centralidade da procriação começava a eclipsar-se enquanto a importância do amor e do prazer crescia lentamente.
Os novos acontecimentos sacudiram o paradigma clássico sobre a sexualidade. Para muitos autores parecia que o antigo paradigma não dava conta satisfatoriamente dos novos acontecimentos. Os novos descobrimentos permitiam agora dominar racionalmente a fecundidade, o número de filhos, por parte os pais, responsavelmente. A família numerosa, tão apreciada pela tradição e que parecia assegurada até então pelas anteriores práticas e conhecimentos, aparecia agora em perigo. Os pais podiam dispor de procedimentos práticos (o método da temperatura basal, a pílula) notavelmente mais efetivos que os métodos tradicionais anteriores (que eram a continência periódica e o coitus interruptus, este último sempre rechaçado).
Ocorrem logo mais acontecimentos «anômalos»: alguns casais honestos e devotos começam a usar os novos métodos, considerando-os moralmente aceitáveis. O impacto dos novos conhecimentos modernos foi tão grande e surpreendente que a antiga doutrina condenatória dos métodos anticonceptivos ficou como transitoriamente em suspenso na prática; todavia se seguiu vigente nos códigos escritos. Vários teólogos e bispos se mostraram permissivos frente aos novos métodos.
Seguindo a Kuhn, Barriá postula que na cristandade, nos anos 1970, se produziu um sentimento de que o paradigma vigente não parecia dar conta cabal dos novos fatos recém descobertos. O edifício teórico construído por mais de um milênio que somente havia sofrido pequenas complementações e adaptações ao largo de muitos séculos, parecia tremer e ruir ante aos novos desafios. Sugere-se que nesses anos pensamento católico clássico sobre a sexualidade entrou em uma crise de paradigma da qual não temos terminado de emergir.
Alguns casais católicos usaram inicialmente anticonceptivos para espaçar riscos de uma próxima gravidez, depois do nascimento de um filho. Parecia saudável e bom separar os partos sucessivos de dois o três anos, como aconselha a medicina e a psicologia. Acaso Deus poderia querer que nascesse um filho a cada dez meses, dificultando a vida da mãe e da criança, como tantas vezes ocorria antes dos anticonceptivos? Eram realidades e possibilidades novas para pensar, que emergiram desde a Ciência.
Mas autoridade da Igreja desconheceu que seu paradigma entrava em crise e nesta continua imerso. Mesmo que muitos fiéis, e até alguns teólogos aceitassem um novo paradigma... o resto da história conhecemos.
Tenho que reconhecer que análise kuhniana está bem posta. Não sei se a minha tentativa de síntese consegui mostrar isso. Repito que posso enviar aos que desejarem o texto completo. Com votos de uma sexta-feira muito boa, que para alguns faz parte de um feriadão.
Na expectativa de um reencontro, aqui, amanhã. Anuncio uma muito saborosa dica de leitura. 

9 comentários:

  1. Muito interessante a temática em questão. Já que o senhor ofereceu, por favor, me encaminhe o material citado. Desejo um excelente dia!! Um forte abraço!!
    Ana Cláudia Maquiné

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  2. Muita estimada Ana Cláudia,
    celebro tê-la como leitora na UEA, e enquanto atendo teu pedido, encaminho: La moral sexual católica ¿está en crisis de paradigma? Un estudio desde la historia de las ciências” anuncio que na próxima quarta-feira estarei na UFAM.
    Na alegria de tê-la como leitora

    attico chassot

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  3. Ola Meu Caro Chassot
    Bastante interessante o estudo do Médico sobre a teoria kuhniana e sua relaçao com a teologia. Tambem gostaria de receber o texto.\
    Abraço JB

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    1. Meu muito estimado Jairo,
      na ótica do historiador que também és o texto de Cristián Barriá ‘La moral sexual católica ¿está en crisis de paradigma? Un estudio desde la historia de las ciencias’vai te encantar.
      Um abraço desde Frederico Westphalen
      attico chassot
      http://mestrechassot.blogspot.com

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  4. Estimado Mestre Chassot, o tema de hoje certamente é alimentador de polêmicos debates. O século XXI se descortina com grandes mudanças, mudanças estas não acompanhadas com a mesma celeridade pelos dogmas canônicos. Em recente cerimônia de casamento do meu filho Thiago, fiquei admirado com os conselhos do padre que fazia franca apologia a uma prole numerosa, e citava o exemplo de um dos papas do passado que teria sido o decimo-sétimo ou décimo-oitavo filho.Nos tempos de hoje, com um mundo de crise, aconselhar um jovem casal a ter muitos filhos me pareceu heresia.

    abraços

    Antonio Jorge

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  5. Meu caro Antonio Jorge,
    este cura medievo, fiel aplicador da “Humanae Vitae” de Paulo 6º em 1968 não sabe que ‘mesmo que os casais católicos quisessem seguir a igreja’ eles não encontrariam residência onde abrigar os filhos.

    Um bom dia na tua Niterói.
    attico chassot

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  6. Grande Mestre Chassot
    Achei bastante interessante a leitura de hoje. Solicito a leitura completa pelo meu e-mail leoquake@gmail.com.
    Attc

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  7. Prezado Leonardo,
    celebro tua presença como leitor aqui.
    Envio tua solicitação.
    Na pareceria no fazermos alfabetização científica.
    attico chassot

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  8. Limerique

    Ainda que, em alguns casos, com atraso de séculos, a igreja acaba se rendendo às evidências. Seria até melhor que ela se ativesse às questões teológicas e deixasse que sociedade e os casais decidissem essas questão familiares. Talvez algum dia a racionalidade entre na cabeça dessas múmias que se acham donos da verdade. Esse mundo seria muito mais sensato e racional sem o Vaticano.
    Abraços agnósticos, JAIR.

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