quinta-feira, 4 de outubro de 2012

04.- PARA SER BOM NÃO SE EXIGE A PRÁTICA RELIGIOSA



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2255
Esta manhã viajo a Manaus. É a quarta vez em 12 meses. Minha agenda, entre outras atividades, marca amanhã duas defesas no Mestrado Acadêmico em Educação em Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do Amazonas e no sábado — o móvel de minha viagem — tenho uma palestra no I FÓRUM DE EDUCAÇÃO, DIVULGAÇÃO E DIFUSÃO EM CIÊNCIAS NO AMAZONAS no Bosque da Ciência/Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas INPA. [www.forumraddici.com/]
Posto este preâmbulo retomo a proposta iniciada ontem: a trazida da segunda de três partes da entrevista de Marcelo Gleiser, ao ensejo da realização do 13º Simpósio Internacional IHU – Igreja, Cultura, Sociedade (A Semântica do Mistério da Igreja no Contexto das Novas Gramáticas da Civilização Tecnocientífica), que ocorre esta semana na Unisinos em São Leopoldo.
ZH – Muitos religiosos, porém, se dizem portadores de uma espécie de ética suprema.
Gleiser – Basear qualquer tipo de ética ou de moral na religião é extremamente obscurantista. Uma das críticas ao ateísmo, que considero infeliz, é achar que só quem é religioso é moral. Você pode ser uma pessoa perfeitamente moral, ética, correta, respeitosa da vida e dos que estão a seu lado sem ter que acreditar em Deus. Usar a religião como uma justificação moral superior não faz o menor sentido. Todo ser humano, religioso ou não, deveria aceitar como preceito fundamental o respeito ao próximo e à vida, e isso não depende de acreditar ou não em Deus. Qualquer tipo de argumento calcado no discurso religioso como sendo superior a uma ética perfeitamente humana e social, para mim, não faz o menor sentido.
ZH – Como deveria ser fundamentada a convivência entre fé e ciência?
Gleiser – As fronteiras têm de ser respeitadas. O problema se inicia quando a religião começa a se meter no processo científico. Quando conselhos educacionais resolvem que não se pode mais ensinar a teoria da evolução de Darwin porque não é religiosa ou quando o Estado, controlado por interesses religiosos, decide interferir nos fundos de pesquisa científica básica porque afetam algum princípio religioso. Quando a religião interfere em algum aspecto do conhecimento, ela está andando para trás e não fazendo o papel importante que pode fazer na vida das pessoas. Por outro lado, quando a ciência faz pronunciamentos grandiosos do tipo “Deus não é mais necessário porque já entendemos tudo sobre o universo”, está abusando do que realmente sabe para fazer uma propaganda indevida. Essa coexistência tem de ser de respeito mútuo. Os cientistas têm de entender que existem 4 bilhões de pessoas no mundo que acreditam em alguma forma de Deus. A ciência não tem como papel tirar Deus de ninguém, e sim explicar como o mundo funciona e talvez minorar um pouco o sofrimento humano. Nesse quadro, as coisas poderiam funcionar bem. Isso prescinde uma separação da Igreja e do Estado, obviamente. A minha cruzada é mostrar que é uma perda de tempo os cientistas acharem que vão convencer as pessoas de que elas não precisam de religião. A religião atua em esferas além da ciência. Se morre alguém querido para você, você vai buscar consolo na sua família, no seu padre, no seu rabino ou seja lá em quem for. A religião oferece um sentido de comunidade, de pertencer, que é um grande antídoto contra a solidão humana. Nesse sentido, ela é extremamente importante. O que atrapalha, no discurso religioso, é a fé em entidades sobrenaturais, que eu acho desnecessária. Mas, certamente, a fé religiosa tem um papel importante na história e na cultura humana. Negar isso é não entender a história e a filosofia.
ZH – O que são entidades sobrenaturais?
Gleiser – Qualquer entidade que viole certas leis fundamentais da natureza. Qualquer entidade que esteja além do espaço e do tempo, que seja onipresente e onisciente, eterna, sem extensão física ou temporal, para mim, é uma entidade sobrenatural.
ZH – Essa não é uma descrição de Deus?
Gleiser – Esse é um Deus. Existem, em mitologias espalhadas pelo planeta, outros deuses que também são eternos e existem além do espaço e do tempo. No Brasil e no mundo ocidental, a gente tem um pouco de miopia em relação a isso. Quase metade da população mundial que acredita em alguma coisa crê em deuses completamente diferentes desse Deus judaico-cristão-muçulmano. Mesmo no Brasil, as comunidades nativas não acreditam nesse Deus, a não ser por terem sido forçadas durante anos de evangelismo. Entidades sobrenaturais incluiriam qualquer coisa além de como entendemos que a matéria se relaciona com as leis da natureza. Inclui deuses, fadas, fantasmas, alma e todas as coisas que têm uma existência de como a matéria se autossustenta por meio das interações fundamentais.

3 comentários:

  1. Com todo o respeito que é abjeto ao renomado cientista, atrevo-me a discordar apenas em um ponto. A falta de religião, seja ela qual for, rompe os laços da medida humana. Um homem sem freios, sem uma possível perpetuidade se dará a todos os desmandos nesta existência, já que para ele ela será a única.


    abraços

    Antonio Jorge

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    1. Muito caro Antônio Jorge,
      respeitosamente discordo de ti. Aquela frase do colégio marista de minha adolescência: “DEUS ME VÊ” cuja versão pós-moderna é “SORRIA VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO” pode intimidar o crente freando (a expressão e tua) seu comportamento, não significa a dação ao ateu de ser libertino. Uma de minhas críticas a Richard Dawkins ~~ o papa do ateísmo ~~ é por exemplo patrocinar as frases de mau tom nos ônibus, como “Talvez Deus não exista. Divirta-se!” Repito, um ateu pode ser tão bom quanto o melhor dos cristãos, dos judeus o dos islâmicos. Não aceito aquela definição de palavras-cruzadas: ‘homem mau de quatro letras = ateu.’
      Obrigado por fazeres aqui uma tribuna de liberdade de pensar.
      Um abraço manauara
      attico chassot
      PS.: Estes dias incrementar te confessionário virtual, mas faltou-me tempo.

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  2. Limerique

    Saberes humanos andam lado a lado
    Um pelo outro não será contestado
    Entre ciência e religião
    Não pode haver questão
    Que fique cada um no seu quadrado.

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