quinta-feira, 6 de setembro de 2012

06.- UM TRÍDUO KUHNIANO * 3º DIA



Ano 7*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2227
O nosso terceiro dia do tríduo kuhniano se inicia com o saboroso registro de agenda. Esta manhã, na qualidade de autor homenageado da Feira do Livro do Colégio São Lucas da Ulbra, em Sapucaia do Sul, tenho encontro com alunos que trabalharam o livro A Ciência é masculina? É, sim senhora! Sou muito grato ao Professor Guy Barcellos pelo convite.
A seguir a parte final do texto Thomas Kuhn: o homem que mudou a forma pela qual o mundo vê a ciência acenando para a supimpa sugestão de John Naughton no parágrafo final.
TEORIA DA REFUTAÇÃO Como ilustração, veja o retrato de Kuhn sobre a ciência "normal". O filósofo da ciência mais influente em 1962 era Karl Popper, descrito por Hacking como "o mais lido, e em certa medida crido, pelos cientistas praticantes". Popper resumia a essência do "método científico" no título de um de seus livros, "Conjecturas e Refutações". De acordo com ele, cientistas reais (em oposição a, digamos, psicanalistas) eram distinguíveis pelo fato de que tentavam refutar, e não confirmar, suas teorias. Mas a versão de Kuhn sugeria que a última coisa que os cientistas normais querem fazer é refutar as teorias incorporadas ao seu paradigma.
Muita gente também se irritou com a descrição da maior parte das atividades científicas por Kuhn como "solução de enigmas" — como se os mais sérios esforços de busca de conhecimento pela humanidade fossem equivalentes a resolver as palavras cruzadas do "Times". Mas esses críticos na verdade estavam sendo exageradamente sensíveis. Um enigma é algo para o que existe uma solução. Isso não significa que encontrá-la é fácil ou que não exigirá grande engenhosidade e esforço prolongado. A busca absurdamente dispendiosa pelo bóson de Higgs, que recentemente atingiu resultados positivos no Cern, serve como exemplo primordial de solução de enigmas, porque a existência da partícula foi prevista pelo paradigma vigente, o chamado "modelo padrão" da física de partículas.
Mas o que realmente incomodou os filósofos foi uma implicação do relato de Kuhn quanto ao processo de mudança de paradigma. Ele argumentou que os paradigmas concorrentes eram "incomensuráveis", ou seja, que não existia maneira objetiva de avaliar seus méritos relativos. Não existe, por exemplo, uma maneira de testar os méritos comparativos da mecânica newtoniana (que se aplica a planetas e bolas de bilhar, mas não ao que acontece dentro do átomo) e da mecânica quântica (que trata do que acontece em nível subatômico). Mas se os paradigmas rivais forem de fato incomensuráveis, será que isso não implicaria que as revoluções científicas, ao menos em parte, têm bases irracionais? E se for esse o caso, as mudanças de paradigmas que celebramos como grandes avanços intelectuais não seriam apenas uma manifestação de surtos de psicologia de rebanho?
SUBCULTURA DA CIÊNCIA O livro de Kuhn gerou toda uma indústria de comentários, interpretações e exegeses. Sua ênfase na importância de comunidades de cientistas agrupadas em torno de um paradigma compartilhado deu origem a uma nova disciplina acadêmica — a sociologia da ciência, na qual os pesquisadores passaram a examinar disciplinas científicas mais ou menos como antropólogos examinam tribos exóticas, e a para a qual a ciência não é um produto sagrado e intocável do Iluminismo, mas só mais uma subcultura.
Quanto à sua grande ideia — a de um "paradigma" como estrutura intelectual que torna a pesquisa possível —, bem, ela rapidamente escapou da reserva e ganhou vida própria. Charlatães, marqueteiros e professores de administração de empresas a adotaram como forma de explicar a necessidade de mudanças radicais na visão de mundo de seus clientes. E os cientistas sociais viram a adoção do paradigma como uma rota para a respeitabilidade e as verbas de pesquisa, o que por sua vez resultou na emergência de paradigmas patológicos em áreas como a Economia, sob os quais o domínio da matemática era visto como mais importante do que saber de que maneira um banco realmente trabalha, e todos precisamos arcar com as consequências disso, agora.
A ideia mais intrigante, porém, é a de usar o pensamento de Kuhn para interpretar sua realização. Ao seu modo discreto, ele causou uma revolução conceitual ao criar uma mudança em nossa compreensão da ciência, do paradigma whig para o paradigma de Kuhn, e boa parte daquilo que hoje é feito na história e filosofia da ciência pode ser encarado como ciência "normal" sob o novo paradigma. Mas as anomalias já começam a se acumular. Kuhn, como Popper, acreditava que a ciência girasse principalmente em torno de teorias, mas uma vanguarda científica cada vez mais forte usa pesquisas baseadas não em teorias, mas em dados. E embora a Física fosse indubitavelmente a rainha das ciências quando "A Estrutura das Revoluções Científicas" foi escrito, esse papel agora foi assumido pela genética molecular e pela biotecnologia. Será que a análise de Kuhn se aplica a essas novas áreas científicas? E, se não, será que é hora de uma mudança de paradigma?
Enquanto isso, se você está compilando uma lista de livros que precisa ler antes de morrer, a obra-prima de Kuhn deveria constar dela.

6 comentários:

  1. Diz a filosofia Rosacruz que as idéias estão todas no ar, eventualmente as pensamos, mas nem todos agem e as colocam em prática. Certamente Kuhn, como Steven Jobs, Newton e muitos outros são estes seres que realmente tem aquela grande "sacada" e as aproveitam.
    Foi muito proveitoso o tríduo.

    Abraços

    Antonio Jorge

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  2. Limerique

    Na ciência há um caminho somente?
    Apenas aquele que o cientista sente?
    Não, existe mais que um
    Provou-o Thomas Kuhn
    Outro paradigma mostrou prá gente.

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  3. Limerique

    Por experimentação prática
    Ciência recusa ser estática
    Quase sempre se renova
    E muitas teorias prova
    Porque jamais será dogmática.

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  4. Mestre Chassot. Vim através do Blog agradecer por sua presença e sua palestra na feira do Livro do Colégio São Lucas hoje pela manhã. Onde nos contou um pouco sobre o seu livro e seus conhecimentos. É muito bom ver que existem pessoas como o senhor para nos ajudar a entender melhor o mundo!

    Otávio Souza, o futuro Aviador!

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  5. Muito estimado Otávio Paz,
    — tens um xará Nobel de Literatura —
    obrigado por tua manifestação acerca de nossa fruída manhã de hoje.
    O blogue de amanhã relatará a mensagem recebida de vocês
    Repito meus sinceros votos que com a Ciência alces voos memoráveis.
    A estima e a admiração do
    attico chassot

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  6. Chassot,

    obrigado pela tua imensa generosidade em estar conosco nesta manhã.
    Foi memorável.

    Abraço muito afetuoso,
    Guy.

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