quinta-feira, 12 de abril de 2012

12.- SEMMELWEIS: UM HERÓI INJUSTIÇADO



Ano 6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2080
A blogada de ontem evidenciou a repercussão política de algo presente no cotidiano da Academia: o plágio. No relato chamou-me atenção o nome da Universidade Semmelweis. Permito-me fazer uma inferência: o nome desta, provavelmente é uma homenagem ao húngaro mais importante da história da medicina moderna: Ignác Fülöp Semmelweis (Budapeste, 1818 — Viena, 1865).
Ao ver Semmelweis, citado de maneira lateral na matéria de ontem, o Google desktop levou-me aos originais de “Uma rapsódia prostática”, livro inédito que escrevi em novembro de 1999 / março de 2000. Este livro está disponível, a pedido, em versão eletrônica. Trago a seguir um pequeno excerto do mesmo.
Os dois selos são respectivamente da Áustria e Hungria e a ilustração de uma sala de parto pertence a um filme sobre a conturbada história de Semmelweis que não conhecia à época que escrevi o texto.
Vale considerarmos o quanto os recursos médicos, hoje, são diferentes daqueles disponibilizados aos nossos pais ou aos nossos avós. Talvez fosse importante recordar que, entre os nossos ancestrais que viveram a outra virada do milênio, os homens tinham uma expectativa de vida de 40 anos e as mulheres, de 30, e na metade desta curta existência, elas estavam envolvidas em 10 ou 12 gravidezes, que, se não as vitimavam mortalmente, as deixavam precocemente envelhecidas.
Aos que imaginam que propus um recuo muito distante, falando de 1000 anos atrás, trago outra situação, temporalmente bem mais próxima e muito mais dolorosa, que mostra modificações na medicina. Em meados do século 19, Ignác Fülöp Semmelweis clinicava na maternidade do Hospital Geral de Viena e percebeu que as parturientes, quando assistidas por parteiras, morriam quatro vezes menos de febre puerperal do que quando examinadas por professores e estudantes de medicina. Intuindo que estes eram os vetores de infecção, pois saíam das salas de autópsia de cadáveres para as mesas de parto, supôs que, se lavassem bem as mãos, a taxa de mortalidade cairia.
Na verdade, esta se reduziu de 18% para 1,2%. Essa profilaxia de indiscutível bom senso (simplesmente lavar as mãos) revoltou os colegas e superiores, e Semmelweis foi expulso do hospital e teve que deixar Viena. Vítima da hostilidade e da zombaria, ele morreu, demente, aos 47 anos segundo biografia escrita por Céline*. Quando se olha um caso como esse, numa Europa que já havia vivido o Século das Luzes, temos por que ficar atentos a propostas que nos são oferecidas, mesmo que pareçam óbvias ou exóticas.
Lembro o filósofo e iluminista escocês David Hume (1711-1776) que de seu muito significativo livro Historia natural da religião empresta a uma citação lapidar: Se acreditamos que fogo esquenta e a água refresca, é somente porque nos causa imensa angústia pensar diferente!” da qual já fiz a epígrafe de textos e de falas. É mais fácil, ao invés de aceitar a continuar acreditando no que sempre acreditávamos.
É preciso recordar que, há pouco mais de 100 anos, antes de Pasteur** elucidar as ações dos microorganismos e terminar com a crença da existência da geração espontânea, pelo menos nove entre dez cirurgias terminavam com morte ou com infecção grave, que era apenas uma morte mais lenta e bem mais cruel (Céline, p. 74).
Mas não precisamos ficar apenas em miradas históricas. Hoje, por exemplo, se houvesse uma campanha que incentivasse a necessidade de que as mães lavarem as mãos com água e sabão antes de cuidar de seus bebês, estaríamos diminuindo significativamente a mortalidade infantil por diarreia. A diarreia, que ainda mata a muitos neste terceiro milênio, é causa de nossos altos índices de mortalidade infantil.
* CÉLINE, Louis-Ferdinand. A vida e a obra de Semmelweis. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
**Louis PASTEUR (1822-1895), químico e biologista francês, responsável por importantes descobertas da Ciência. Depois de 1870, desenvolveu a parte mais frutífera de sua obra, fazendo muitas descobertas, entre outras a causa dos furúnculos e da osteomielite (micróbio denominado hoje de estafilococo); reconheceu que a infecção puerperal é causada por um micróbio denominado atualmente de estreptococo. Durante anos lutou para demonstrar que os micro-organismos são, em medicina, agentes das moléstias contagiosas e, em cirurgia, os propagadores da infecção.

2 comentários:

  1. Caro Chassot,
    ainda que muitos insistam em sustentar que a ciência se move pelos trilhos da demonstração rigorosa, suspeito que boa parte das pesquisas são movidas por crenças arraigadas em seus respectivos 'cientistas', bem como nos sistemas de pesquisa (Feyerabend?).

    Um abraço,

    Garin

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  2. Caro Chassot,
    Devo dizer que você mandou bem. No livro "Sangue e Entranhas" de Richard Hollingham, existe uma referência ao fato que médicos matavam mais seus pacientes que doenças e acidentes somados. Nos primórdios da medicina dava "status" atender os doentes com um avental cheio de marcas de sangues e outros fluidos, quanto mais velhos e abundantes melhor. Provavelmente era um espetáculo dantesco, além de ser mortal. Não conhecia nada sobre Semmelweise, mas dá para inferir que o homem foi um pioneiro em sanitarismo ou coisa equivalente e, por isso, injustiçado. Abraços medicinais, JAIR.

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