sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

20.- Uma cruzada transandina & Crônica do Prof. Guy



Ano 6 *** Mendoza *** Edição 1997
Às sextas-feiras, já há quatro semanas, os leitores deste blogue têm aqui um correspondente internacional privilegiado. Depois de julho termos crônicas das Ilhas Mauritius, no inverno do hemisfério Norte o Prof. Guy B. Barcelos tem-nos brindado semanalmente com suas memórias estadunidenses.
Hoje, antecipo-me ao texto que nos chega desde Atlanta para aditar algo do meu diário de viagem, que desde domingo venho contando aqui. Como anunciei ontem, nesta quinta-feira fizemos a viagem de Santiago a Mendoza.
Deixamos emocionados a capital chilena ouvindo, por mais de meia hora, o Abraão, motorista que nos levou do hotel ao terminal rodoviário, contando como o golpe militar destruiu física e psicologicamente seu pai e por extensão sua família. Parece que no Chile quase cada família, ainda, sabe dor daquele trágico 11 de setembro de 1973.
A viagem de Santiago a Mendoza durou sete horas para percorrer 370 quilômetros. Quase uma hora foi gasta na Aduana integrada, próximo ao imponente Aconcágua, que nas aulas de geografia nos diziam ser o teto do mundo. Na aduana, primeiro se formaliza a saída do Chile e depois se registra o ingresso na Argentina.
Teria muito a contar. O cenário é impactante. Mostro algumas fotos. Tiramos 86, todas com ônibus em movimento e através do vidro. Estávamos no andar superior, nas poltronas da primeira fila. Como a paisagem é impactante pela esterilidade das montanhas, tivemos dificuldades em fazer uma seleção. Uma delas demonstra um dos muitos caracóis que passamos em íngreme ascensão com imensos caminhas circulando nos dois sentidos em pistas quase sempre sem acostamento. Outra foto mostra a armação de chuva de granizo, que chegou a trincar o vidro do ônibus.

Um registro muito especial: tivemos o privilégio de ter nesta viagem a parceria da Loreto, uma cientista chilena, de família de professores universitários exilados na Venezuela, que pesquisa a Química atmosférica no Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas em Caracas. Foram papos muito agradáveis que deverão continuar na visita a vindimas que faremos hoje.
Agora com a palavra o professor Guy, com uma crônica em dois tempos.
No Reino de Netuno 2 + Passeio com Euterpe
Nesta quarta-feira tive o prazer e o privilégio de nadar no Georgia Aquarium no programa Swiming/Diving with the Gentle Giants, disponível aos visitantes interessados mediante marcação com antecedência. Nas duas primeiras vezes em que visitei o aquário (2010 e 2011) não tive coragem de atirar-me aos tubarões, desta vez, depois de algumas mergulhadas no Índico tomei coragem. No meu caso sempre mergulho com snorquel, não utilizo garrafa nem vou ao fundo, para isto é necessário possuir uma habilitação.
Antes do mergulho fui levado à casa de máquinas do aquário, um espaço com de quase 1000m2 onde ficam 60 imensas bombas. O coração do gigante não poderia ser pequeno. Também estive no hospital veterinário, onde são tratados animais feridos e doentes, possui emergência e salas de cirurgia. No caminho passei pelo centro de análises de água, onde químicos fazem pesquisas sobre a qualidade da água das piscinas buscando produzi-la cada vez mais semelhante à do mar. Recebi uma breve instrução de dois mergulhadores, fui para o a piscina central, na parte superior do aquário e no vestiário coloquei (com certa dificuldade) a roupa de mergulho. O divemaster me aguardava junto de dois mergulhadores-cinegrafistas, que produziram um ótimo vídeo do mergulho (usarei em minhas aulas!) e a mergulhadora de segurança, que felizmente não precisou fazer nada. Até a aproximação, a ponto de encostar a cauda, de um tubarão-baleia, conhecido por sua simpatia à mergulhadores, em nós não inspirou nenhum sentimento que não admiração e fascínio.

Estar durante 40 minutos nadando com quatro tubarões baleia, quatro raias-manta e inúmeros cardumes chegando aos milhares foi uma das experiências mais fantásticas que já tive. Talvez se assemelhe à sensação de conhecer outro planeta. O nadar leve, lembrando um vôo, das raias-manta; a flutuação serena e majestática dos tubarões-baleia; a coreografia dos Trevallies dourados; a intimidade da garoupa e do peixe-limpador (Labroides dimidiatus), que removia restos de comida de seus dentes, entrando pela boca e saindo pelo opérculo e a magia de cores que se converte em música na mente de quem olha serão visões que irei carregar em minha memória por muito tempo. Foi assistir de camarote à sinfonia de formas que os genes compuseram para se eternizarem neste planeta, ao longo de bilhões de anos de evolução.
Nesta linda aventura lembrei-me do musical da Disney que assisti em minha infância “Bedknobs and Broomsticks”, quando Angela Lansbury e David Thomlinson cantam e dançam em um baile nas profundezas do mar: Bobbing along on the bottom of the beautiful briny sea!
Vale um comentário sobre as proezas musicais de Atlanta, daí o passeio com a musa da música Euterpe. Na quinta passada fui ao concerto da sonora Atlanta Symphony Orchestra, sempre muito afinada nos metais e com som homogêneo, alto volume e muita afinação. Tocaram a inspirada abertura da ópera Fidelio, de Beethoven. Mesmo sendo espetacular me frustro com aberturas de óperas, fico com vontade de ouvir a ópera inteira... Fui surpreendido pela presença de um imenso coro formado somente por cantores afro-americanos (Spelman and Morehouse Glee Clubs). Cantaram a música tradicional “Elijah Rock” a capella, especial elogio às sopranos, que produziram lindos vocalizes com muita brilho no registro agudo. Vi muitas pessoas emocionadas ao fim desta música cantada com alma pelas excelentes vozes. Seguido desta cantaram uma parte (movimento IV) do Réquiem Alemão de Brahms.
O concerto deste dia era chamado de “King Celebration Concert” em homenagem ao pastor protestante e líder do movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA, nascido em Atlanta em 15 de janeiro de 1929 e assassinado em Memphis em 4 de abril de 1968. Por esta razão a orquestra tocou a obra “New Morning of the World” de Joseph Scwantner, com a narração de trechos importantes dos discursos do Dr. King pelo prefeito de Atlanta Sr. Kasim Reed. Discursos muito bonitos e significativos e música, na minha opinião, chata, pesada e monótona. Me desagrada a música incidental, o único momento que me agradou foi o final quando a orquestra tocou um trecho muito heroico em fortíssimo e culminou com a fala “I have a dream”. Opiniões à parte, foi uma linda homenagem à quem tentou e perdeu a vida lutando por um mundo mais justo e com igualdade entre etnias.
O grande momento foi o segundo ato quando o violoncelista popstar Yo-Yo Ma – razão da casa lotada – entrou ao palco e tocou sorrindo e com grande virtuosismo o “Concerto em lá menor para Cello e orquestra, Opus 104 (1895)” do tcheco Antonín Dvorák. Muito melódico e emocionante, o tema do movimento Finale: Allegro moderato lembra, em alguns momentos, a fúria incendiária do movimento Allegro con fuoco da nona sinfonia do mesmo Dvorák. O solista foi aplaudido de pé por dez minutos. Euterpe mais uma vez alimentou nossos ouvidos e nossas almas com a música e provou o que disse Nietzsche: “Sem música a vida seria um erro”.
Ver mais no link: http://www.youtube.com/watch?v=IZFqlQhAMuw&feature=related
Votos de uma muito boa sexta-feira desde Mendoza que passa ser a 25ª cidade dos 15 países de onde este blogue foi editado. Amanhã conto um pouco sobre esta terra do vinho.

2 comentários:

  1. Caro Chassot,
    essas crônicas de viajores sempre enriquecem a cultura do leitor. É bom "ver" coisas e experiências com olhes de outros, seus olhares sempre serão diferentes do nosso. Abraços, JAIR.

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  2. Caro Chassot,

    ontem li o teu blog, mas o computador através do qual acessei não me permitiu comentar. Faço destaque às belíssimas paisagens que compartilhaste conosco imaginando as outras tantas que capturaste do céu da América, a verdadeira.

    Um abraço. Garin

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