quarta-feira, 2 de novembro de 2011

02.- A MORTE E O MORRER

Ano 6

DIA DE FINADOS

Edição 1916

Este texto é uma coprodução, que circula simultaneamente em nossos dois blogues. Temos convergências e divergências. Um de nós é teólogo e outro não professa religião. As convergências estão na primeira pessoa do plural. Quando o texto reflete uma opinião pessoal, usamos a primeira pessoa do singular, sem que necessariamente seja identificado o autor.

Hoje é um feriado nacional. Talvez, seja aquele que tenha a celebração mais plural. Os sentimentos com que celebramos, por exemplo, o ‘Sete de Setembro’ são muito singulares. Hoje somos convidados a recordar nossos mortos.

Não só é plural a maneira que celebramos a data (ir ao cemitério, levar flor aos túmulos, ir rezar nas igrejas, somente ouvir música ‘clássica’, guardar o silêncio, seguir as rotinas de um dia qualquer...), mas são pluralíssimas as relações que temos com nossos mortos.

Celebro meus mortos contando suas histórias. Esta é maneira que eles se fazem presentes/eternos para mim.

Mas a data quer que falemos da morte. O pensamento ocidental tem sido marcado pela tradição de religiões de origens abraâmicas que concebem a morte a partir do pensamento realista sobre a finitude do ser humano ao afirmar que ele é temporário: “porquanto és pó e em pó te tornarás.” (Gn 3.19). Assim, a nossa trajetória é limitada e da morte não escapamos. Entretanto, a forma de encontrá-la é distinta para cada pessoa.

Podemos ser, em nossas ações, mais tanatófobos (aversão à morte) que tanatófilos. Mesmo sendo ela uma das poucas certezas que temos, historicamente a negamos. Por isto o tema é, usualmente, obliterado.

Tânatos, o deus da Morte, como um jovem alado, em escultura em mármore do templo de Artemisa em Éfeso (cerca de 2300 A.P.).

Vale lembra que Tânatos (do grego θάνατος Thánatos) émorte. Dai provêm as palavras eutanásia, ortotanásia ou tanatologia. Tanatório (substantivo já dicionarizado) Conjunto de instalações destinadas a diversos tipos de cerimônias fúnebres e preparação de cadáveres. Capela funerária.

Não temos a pretensão de fazer, aqui e agora, uma tanatologia, primeiro porque não temos competência e depois porque este assunto não deverá ter muita atração. Mas, na tradição de fazer evocações, damo-nos conta de que, mais recentemente, mudamos a maneira de ‘nosso’ morrer e, também, de despedirmo-nos de nossos mortos.

Se perguntássemos aos nossos leitores de mais de 50 anos onde morreram cada um de seus quatro avós, muito provavelmente, a resposta seria de que morreram em casa. De nossos 16 bisavós, a resposta, de maneira quase certa, seria a mesma. Acerca de nossos pais e de nós mesmos, o local de morrer foi/será um hospital.

Costume antigo, hoje praticamente abandonado, o de colocar vela na mão do doente quando este estava já demonstrando sinais de fraqueza e de debilidade do corpo, os familiares já deixavam do lado dele uma vela e fósforo. Assim que se percebia que o moribundo estava dando os últimos suspiros, alguém colocava uma vela na mão do agonizante e a acendia, para que ele morresse com a vela já acesa, talvez na esperança de que a luz da vela lhe iluminasse o caminho para o além. Assim, o povo dizia: "esse aí já está com a vela na mão..." para as pessoas que estavam bem doentes e que, aparentemente, logo, estariam segurando a tal vela, e passando desta para outra dimensão.

Esta vela era, em algumas tradições, com na tradição católica romana, a mesma usada pelo moribundo quando de seu batismo, depois na primeira comunhão e na crisma e devia acompanhá-lo na última viagem.

Dessa forma podemos dizer que o direito a ortotanásia – morte natural e sem sofrimento – tão violado nos dias atuais, era naturalmente aceita sem discussões.

Também somos testemunhas de significativas mudanças havidas nas despedidas. Lembramos de velórios domésticos. A mesa de refeição era naturalmente transformada em catafalco. Depois vieram as capelas mortuárias e agora os crematórios. Neste, em boa parte das vezes, ao invés dos rituais de despedidas presididos por um ministro religioso, temos um ato social onde as falas se sucedem sobre as paixões clubísticas do finado, seus gostos musicais e suas relações familiares onde se destaca o avô dedicado ou sogra conciliadora. Depois o corpo desaparece assim como um mago esconde um coelho dentro da cartola.

São as novas maneiras de morrer com as máfias das UTI, prologando interesseiramente vidas que já não comportam esta classificação de processos de distanásia – morte prolongada e dolorosa – e o ‘desaparecer’ com um corpo que, ao invés de ir a um forno de cremação, fica aguardando em uma câmara frigorífica, para ser incinerado (às vezes até em outro município).

A contemporaneidade, tão badalada por seus avanços nanotecnológicos, não fez merecedor de descarte tudo que é de antigamente. Pelo menos não no tocante ao como morrer e ao como sepultar os mortos.

Se por um lado a morte é a mais absoluta certeza, também podemos confiar que ela nos conduzirá à eternidade. Esta, para os crentes será sempre a eternidade com Deus. Para os não crentes poderá ser uma narrativa que passará pelos corações e mentes de familiares, amigos e outras pessoas às quais aquele que partiu marcou, mas será eterna posto que se unirá ao pó, do qual foi feito.

Norberto Garin [http://norberto-garin.blogspot.com/] & Attico Chassot

15 comentários:

  1. Caro Chassot,

    fico feliz de podermos, mais uma vez, fazer postagens conjuntas nesses nossos indisciplinares virtuais. É sinal que, entre um teólogo e um sem religião há mais pontos em comum do que distâncias. Aqui o ecumenismo também se faz presente.

    Um bom feriado para ti!

    Garin

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  2. Meu caro Garin,
    se nossas divergências de crenças podem ser expressas em um texto com tantas convergências, poderíamos prognosticar que o ecumenismo é possível em dimensões maiores.
    Foi muito bom termos feito este texto juntos.
    Um bom dia para ter fruídas recordações daqueles que estão aqui na evocação de suas histórias.

    attico chassot

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  3. Caros professores
    Nos despedimos de tantas pessoas queridas ao longo de nossas vidas, sabemos bem, como muitos, que este dia em especial, é um dia melancólico. Normalmente dia de finados é triste, pois a emoção aparece quando nos lembramos de pessoas que eram muito importantes em nossas vidas, parentes ou não. Com isso, volta-se a sofrer a dor da perda, pela saudade sentida, e é também quando pensamos que somos finitos, é pensar num futuro onde nós não estaremos. É o dia da celebração da vida eterna das pessoas queridas que já faleceram, enfim como disse é um dia melancólico. Acredito que também seja um dia para reflexão, é um dia para pensar em viver bem com os que aqui estão, retirando de seus corações toda magoa que exista, e seja principalmente um dia para as pessoas pensarem no perdão, como disse nosso Mestre, é perdoando que seremos perdoados, é perdoando que nossas vidas terão colorido, é perdoando que poderemos respirar com o alivio de ter deixado para trás coisas inúteis que pesam em nossos ombros.
    Forte abraço aos professores e amigos.

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  4. Caro Chassot,
    Em consonância com tua blogada, transcrevo abaixo trecho de publicação que fiz sobre a morte:
    "A morte é o único evento absolutamente inevitável e que alcança a totalidade dos seres vivos, mas nós, ocidentais de cultura judaico-cristã, não temos familiaridade com ela; não consta no curso do dia-a-dia de nossas vidas quaisquer práticas, cultos ou ritos que visem enquadrá-la num entendimento racional. Temos pavor dela e tentamos ignorá-la como se não existisse, como se fôssemos viver para sempre. Claro que essa atitude pode ser explicada pelo terror que alguma coisa tão definitiva e irrefragável causa a mentes pensantes, cujo funcionamento só é possível enquanto vida houver. Exatamente por essa inevitabilidade e perenidade, a nossa cultura criou mecanismo para, pelo menos, torná-la menos funesta, menos fatal, por assim dizer: a vida eterna".

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  5. Muito estimado Adão,
    quando leio teu comentário, amealho duas emoções: uma, conheço tuas crenças em relação a vida post-mortem e sei como tu vives estes rituais de passagem; outra, tu és dos poucos que lês esta edição de hoje podendo dizer: ‘os autores foram meus professores e sei do que estão falando’. É provável que num outro 2 de novembro – que o Garin e eu esperamos seja muito distante – tu vais nos fazer presente para teus netos contando de nossas aulas e do respeito intelectual que um e outro tínhamos por ti.
    Com amizade e admiração
    attico chassot

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  6. Meu caro Jair,
    quando li teu texto, aflorou uma vez mais uma cena que está marcada em mim: 1997, minha mulher e eu jantávamos em restaurante em Singapura, onde a comida era servida sobre folhas de bananeira. Acompanhávamos o movimento e de repente somos surpreendidos por movimento insólito na praça junto a janela da mesa em que estávamos. Era uma festa familiar, tipo um piquenique. Mas havia também um caixão com um morto de quem as pessoas se despediam antes do sepultamento.
    Como dizes, numa relação muito diferente com a morte do que nossa tradição judaico-cristã.
    Que bom que neste dia possamos fazer existir nossos mortos por contamos suas histórias. Ter falado na blogada de ontem de um dos meus irmãos e de minha mãe traz ainda mais densidade para este dia de finados e o texto da blogada de hoje.
    Obrigado por enriquece-la,

    attico chassot

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  7. Olá!!!!
    Professor,
    Em um dia de intensa reflexão, mesmo sem fazermos força, emergimos num estado reflexivo. Cada uma de nossas crenças nos conforta segundo seus princípios, da mesma forma que sentimos, percebemos mais ou menos a presença e a existência de nossos "caros" distanciados de nós fisicamente.
    O texto que nos oferecem é tempero, aconchego para este estado que o dia, a atmosfera, a natureza nos propõe...
    Obrigada!!!!!
    Forte abraço!!!!
    Sandra

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  8. Muito querida Sandra,
    meu amigo Garin e eu chegarmos na querida Rio do Sul, numa data tão prenhe de evocações, é muito importante. Somos gratos pela acolhida.
    Obrigado por adensares nosso texto.
    Afagos para ti e para a querida Anelise,
    attico chassot

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  9. Ser narrativa na mente e corações daqules que nos amam é uma linda maneira de fazer-se eterno, e de certa forma, estar com Deus.
    Ontem pedi às minhas crinças que fizessmos algumos minutos de silêncio em homenagem aqueles que amamos e já morreram. O sentimento que inundou a sala foi arrepiante.

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  10. Muito querida Marília,
    tu dizes a essência: recordar é fazer eternos aqueles que amamos e dizem que já foram. Não: eles está aqui pela evocação que fizemos.
    Teus professores, Garin e eu, temos orgulho da filósofo que pretensiosamente julgamos ter ajudado a formar.
    Um afago com muita admiração pela professora/filósofa – uma (quase) Hipácia do século 21 – que és

    attico chassot

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  11. Professor...adorei... ainda mais por ser tão difícil falar, pensar e, por fim, escrever sobre a morte, já que ela mexe diretamente com a nossa maior ferida:a narcísica. Não sei se já comentei com o sr. ou se o sr. já conhece, mas tem um livro chamado "Sobre a morte e o morrer" da médica Elisabeth Kübler-Ross, que trabalhou com pacientes terminais. Usa-se muito na psicologia hospitalar e eu acho bem interessante a forma como ela coloca esse assunto.
    Um beijo com saudades

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  12. Muito querida Thaiza,
    é bom saber que em Goiânia o texto escrito com o Prof. Garin teve ressonância.
    Obrigado pela dica de leitura. Este não conheço. Tenho algo do geênero, mas não este.
    Um afago contente com teu retorno.

    attico chassot

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  13. Caro Chassot,

    a Dra. Elisabeth Kubler-Ross foi uma psiquiatra suíça, uma das maiores autoridades sobre o acompanhamento de quem está encerrando seus dias. A sugestão do tema da nossa postagem foi inspirada no livro dela. Ela criou um paradigma sobre a aceitação da enfermidade terminal: 1) revolta; 2) a negação; 3) a negociação; 4) a depressão e 5) a aceitação.


    Um abraço,


    Garin

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  14. Obrigado Garin,
    pelo aditamento que fazes ao comentário da Thaiza à nosso texto.
    Com estima

    attico chassot

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  15. Thaíssa muito querida,
    tens como não ter entendido. Cometi um engano. Respondi como se fosse a Thaiza (uma amiga muito querida de Goiânia, que recebe cópia pois também não deve ter entendido). Perdoa minha orientanda número UM do Centro Universitário Metodista, do IPA.

    Pois, hoje me escreves: Li no blogue a sua saída do IPA. Feliz de mim que aproveitei seus dias lá! Mais sucesso ainda no seu novo caminho.
    Acredito que tenha convivido contigo, dando melhores asas ao nosso Ícaro, tempos muito significativos de tua história. Agora, tu também curtes a maternidade.
    Um afago carinhoso e a continuada admiração do

    attico chassot

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