quinta-feira, 15 de setembro de 2011

15.- A Ciência que se parece com o Golem

Ano 6

NITERÓI

Edição 1869

Os gregos eram precavidos em suas relações com os seus deuses, se agradavam a uns, cuidava de não desagradar outros. Ontem não fui atento a isto. Cultuei os deuses que cuidam das neblinas em aeroportos e terminei chegando ao Rio de Janeiro com cinco minutos de antecipação, pois a manhã de 10ºC tinha céu limpo em Porto Alegre. Porém, esquecera-me dos deuses das chuvas e estes se vingaram. Atrasaram a chegada da Profa. Deia ao aeroporto para buscar-me e, também nossa viagem a Niterói. Chegamos ao Instituto de Química, da UFF, às 10h15min, para uma fala marcada para as 10h30min.

Falei por mais de duas horas para um muito atento auditório de cerca de 150 lugares, numa especial evocação de Marie Curie, dentro do 2011-Ano internacional da Química. Ao final fui homenageado pelos acadêmicos do Curso de Química pela minha participação na XXII semana de Química, com um cartão de prata. Fui solicitado a muitas fotos e autografei dezenas de meus livros.

Participei depois de um almoço com colegas professores do Instituto de Química quando fui presenteado com uma produção do grupo: “Casa da Descoberta”. Num sábado poderá ser uma dica de leitura.

À noite, mesmo com continuada chuva, fui com meu amigo Josemar a Região Oceânica de Niterói. Primeiro, conheci a escola de idiomas da Edna e Patrícia (esposa e filha do Josemar) em Piratininga. Surpreendi-me como, com novas tecnologias, aliadas a um forte envolvimento pessoal, possibilitam o ensino inovador de línguas estrangeiras. Fomos a Itaipu e depois a praia de Itacoatiara, onde eles têm uma casa muito acolhedora. Os quatro vivemos ‘um matar saudades’ muito fraterno em um restaurante.

Hoje, às 5h deixo o hotel é atravesso mais uma vez a baia da Guanabara, para partir para Uberlândia, onde tenho duas falas (uma a tarde e outra a noite de hoje) e a partir de amanhã até domingo, participo de um evento promovido pelo Grupo de Pesquisa em Educação e Culturas Populares, onde tenho uma fala no sábado.

Queria em alguns parágrafos continuar os comentários trazidos ontem, a propósito da aula inaugural dos Mestrados do Centro Universitário Metodista, do IPA proferida pelo Prof. Dr. Guido Lenz (UFRGS) – que me encaminhou mensagem: “Concordo contigo que o autor de vírus usa o método científico e informações desenvolvidas pela ciência, mas não foi ‘batizado, primeira comunhão etc.’ da ciência”. O interrogante trazido na palestra “Como anda a Ciência?” tem uma resposta que parece natural: anda muito bem e com significativos sucessos.

Houve / há um aparente triunfo da Ciência. Os homens e as mulheres, com a Ciência têm resolvido problemas significativos em termos da diminuição do trabalho físico, aumento da longevidade com novos remédios e alimentos e próteses de parte do corpo, estas começam a ser possível até por clonagem. Parece muito provável – e não se quer passar a ideia de que a Ciência seja uma fada benfazeja, até porque ela também se assemelha muito a um ogro –, que ela melhorou/melhora/melhorará, por um lado, a qualidade de vida dos humanos.

A respeito deste binarismo, há um tempo dicotomizava a Ciência como sendo ora uma fada benfazeja ou ora uma bruxa; ao fazer outras leituras acerca da bruxaria, que estão no livro Educação conSciência[i] revisitados vários conceitos acerca das bruxas, tendo-as como polo das disputas pelo conhecimento, entre homens e mulheres passei a falar que a Ciência era ora uma fada benfazeja ou ora um ogro maligno, ficando no eterno duelo entre o Bem e o Mal, que diferia da anterior apenas na personificação do Mal.

Mais recentemente, abandonei essa dicotomia, e adiro à outra metáfora para Ciência, que aprendi com Colins & Pinch[ii], mesmo que seja mais polêmica, me parece mais adequada, dizendo a Ciência se parece mais ao Golem (Goilem), aquele ente da mitologia judaica que é descrito com um gigante de barro que desconhece sua verdadeira força e se assemelha muito a um bobão, mas que tem ações, às vezes, de sábio e outras de sabido.

Parece indiscutível que não tenhamos sabido administrar as conquistas da Ciência. Lamenta-se que, em 11 de Setembro de 2001, tenha havido cerca de 3.000 mortes inocente no ataque às torres gêmeas do WTC, atualmente, a cada dia, morrem dez vezes mais pessoas devido à falta de água potável.

Sim, como se houvesse a cada dia algo 10 vezes os mortos tão pranteados, mais uma vez, no último domingo. É quem chora por aqueles que morrem todos os dias?

Mesmo que os apregoadores dos transgênicos apresentem soluções para a produção de alimentos por menor custo, assistimos o aumento da miséria, com mais homens e mulheres, e especialmente crianças, morrendo de fome. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman[iii] refere-se à existência de “resíduos de humanos” e fala no crucial dilema que vive o Planeta diante de um fenômeno novo e sem precedentes que representa uma crise aguda, aonde a “indústria do tratamento de resíduos humanos” se encontra sem condições de “efetuar as descargas e sem instrumentos de reciclagem, ao mesmo tempo em que a produção desses resíduos não diminui e aumenta rapidamente em volume.” Esse é outro doloroso e cruento lado da moeda desta Ciência – tal qual Golem – aparentemente triunfadora.

Com votos de uma boa quinta-feira, adito uma promessa: trazer algo mais da metáfora do Golem. Amanhã, nos lemos, provavelmente, de Uberlândia. Até lá.


[i] CHASSOT, Attico. Educação conSciência. Santa Cruz do Sul: EdUNISC. (2ª Ed.2007 e Reimpressão, 2010) 2003

[ii] COLLINS, Harry & PINCH, Trevor. O golem: o que você deveria saber sobre Ciência. São Paulo: Editora da UNESP, 2003. ISBN 85-7139-497-0

[iii] BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, ISBN 85-7110-873-0.

9 comentários:

  1. Caro Chassot,
    O ciência pura não se propõe a dirimir todos os males do mundo, ela não é a panaceia universal que alguns julgam. Nem boa nem ruim, a ciência simplesmente É. Abraços, JAIR.

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  2. ELOISA escreveu desde a NIGÈRIA:
    Prof. Attico,

    Parabens pela homenagem e pelo seu trabalho na UFF, e na vida profissional...conjunto da obra, dedicacao e competencia!

    Abracos,

    Eloisa

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  3. Caro Chassot,

    percebo que a tua fala em Niterói, mais uma vez foi um secesso: parabéns.

    O entendimento sobre o locus da ciência tem recebido uma atenção muito competente de tua parte. Aliás, como seria diferente, para um historiador-filósofo dessa paróquia? Ficou muito bem colocada a tua comparação do 11 de setembro com milhares de mortes diárias sem mesmo levantar o tapete para olhar as outras tantas que acontecem por má distribuição de alimentos.

    Meus votos de uma continuada viagem acadêmica repleta de realizações!

    Garin

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  4. Meu caro Jair,
    realmente que é ‘bom ou mau’ é o cientista e não a Ciência.
    Obrigado por tua presença aqui
    attico chassot

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  5. Muito querida Eloisa,
    obrigado por entrares de carona no meu sucesso.
    Um afago

    attico chassot

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  6. Meu caro colega Garin,
    obrigado pelas parcerias.
    Tua torcida (pensamento mágico) me encanta.
    Com amizade

    attico chassot

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  7. Mestre, boa noite!
    Dizem que quem procura acha, nem sempre aquilo o que está procurando, mas acha alguma coisa, e as vezes, coisas inusitadas.
    Da ciência vem o conhecimento, e esse conhecimento pode ser usado por pessoas diversas, para fins diversos, sejam eles chamados de "bons" ou "maus".
    Mas assim é com tudo. O mesmo automóvel que pode nos dar tanto prazer passeando com a família em lugares bonitos também pode subir na calçada e esmagar o carrinho de um bebê, se for mal conduzido ou sofrer um acidente!
    Mas, achei infeliz comparar o volume de pessoas mortas no intervalo de minutos em uma grande tragédia com um número de perdas dispersas por todo o mundo!
    Principalmente quando foi tudo decorrência de um abominável ato criminoso de vingança contra pessoas não engajadas em nenhuma atividade bélica! Erros jamais serão corrigidos com outros erros! E é isto o que choca!
    Abraços!

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  8. Leonel,
    muito estimado parceiro de blogares,
    concordo contigo. Uma faca não é boa (por corta o pão ou pode fazer uma cirurgia) ou má (porque pode matar) mas é bom ou mau quem lhe dá usos distintos.

    attico chassot

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  9. Ave Chassot,

    alfabetizando cientificamente os jovens creio que veremos um Goilem mais jeitoso.

    Bela blogada! Parabéns pelo sucesso em Niterói.

    Abraços,
    Guy.

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