segunda-feira, 27 de junho de 2011

27.- Como encerramento na UAM

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1789

Primeiro algo do domingo. Ontem ressuscitei priscas eras. A Gelsa e eu fomos a uma ‘matinê’. Ação que não fazia talvez há meio século. Matinê: espetáculo, representação, sessão de cinema, reunião durante o dia, especialmente, na parte da tarde; vesperal. Na minha adolescência, ir à matiné aos domingos era o máximo.

O excelente filme que assistimos, em uma sessão que se iniciou às 12h50min e que lamentamos seu término, está muito bem apresentado por Martha Medeiros no Donna de ZH dominical de ontem:

Tenho uma tendência a acreditar que tudo era mais intenso antes, tanto o amor quanto a arte e também a rebeldia. A vida era melhor antes ou é melhor hoje? Quem faz parte do time dos nostálgicos não pode perder Meia-Noite em Paris, em que Woody Allen faz não só uma homenagem à mais linda cidade do mundo como também uma reverência aos efervescentes anos 20, quando grandes autores, músicos e pintores foram protagonistas da Era de Ouro do cenário artístico europeu.

Tenho uma tendência a acreditar que tudo era mais intenso antes, tanto o amor, quanto a arte e também a rebeldia. Ao mesmo tempo, sei que houve um antes desse antes, igualmente reverenciado. O personagem Gil (Owen Wilson), homem do século 21, não se conforma com a sociedade vazia e consumista de hoje, da mesma forma que a personagem Adriana (Marion Cotillard), musa dos anos 20, sonha em voltar para a Belle Époque, que teve seu auge em 1890. Por sua vez, os artistas da Belle Époque não se davam conta da revolução que estavam promovendo naquele final do século 19 e afirmavam que prefeririam ter vivido durante a Renascença: o passado sempre parece mais consistente do que o presente. [...]

Se até hoje reverenciamos Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrude Stein, Cole Porter, Dalí e Buñuel (entre muitos outros retratados no filme), é porque a genialidade deles ultrapassou o tempo, tornando-os eternos. É comum enaltecer a significância de pessoas que inauguraram um novo mundo através de seu olhar criativo e inquieto, mas esses homens e mulheres fascinantes existem e existirão em todas as épocas.

Ainda, uma auspiciosa notícia do domingo: Brasileiro é eleito diretor da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. José Graziano da Silva, nascido em Ilinois, em 1949, filho de pais brasileiros. No primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva, foi Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome. É o primeiro latino-americano a presidir a FAO.

Junho já vai para o ocaso. Termina o primeiro semestre. Um semestre que para mim é muito significativo: marca o meu 50tenário de professor. Muito já reparti aqui minhas emoções com meus leitores.

Desde que tivemos a semestralização do ano letivo (parece que isto foi consequência da lei 5540/68, que fixou normas de organização e funcionamento do ensino superior) temos ‘encerramentos de turmas’ bianualmente. Pois hoje encerro a turma de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa da Licenciatura em Música e amanhã o grupo que tem alunos das licenciaturas em Educação Física e Filosofia.

Na tarde de hoje, há um momento de despedidas muito especial: encerro a minha terceira turma na Universidade do Adulto Maior onde leciono – melhor dizendo: procuro viajar por conhecimentos que pretendem ‘iluminar’ uma disciplina nominada de Processo histórico e antropológico do envelhecimento.

Em março de 2010 iniciei aquela que reputo como minha atividade acadêmica mais importante. Em cada um destes três semestres tive turmas de cerca 50 alunas e alunos (estes sempre menos que 5%) com mais de 65 anos, em uma atividade de extensão do Centro Universitário Metodista do IPA que tenho como a das mais significativas. Já vivo a expectativa de começar o semestre com mais uma turma em 8 de agosto.

Mesmo que houvesse sempre um assunto pautado, dentro de uma proposta que busca ‘acompanhar e entender a dimensão do envelhecimento a partir dos eventos históricos e culturais ao longo dos tempos, principais movimentos sociais artísticos, culturais e compreensão do processo de envelhecimento como decorrente da interação deste contexto’ cada aula abre com um ‘momento da rodinha’ onde se faz uma rápida repassada da semana e os alunos trazem suas leituras de realidade acerca aspectos que lhe pareceram significativos e julgam válidos compartir com o grupo.

Um texto – Idosos: uma geração em conflitode autoria Dercy Furtado, professora de História e ex-deputada estadual, publicado neste junho em Zero Hora, traz um pouco algumas das discussões que estiveram muito presente em cada de nossas aulas este semestre. Antecipo-me em uma crítica ao texto. Não vejo – é claro que minha observação é fugaz em sala de aula apenas – esta dificuldade em aceitar as mudanças expressas ao final pela autora.

Segundo o Censo 2010 do IBGE, temos no Brasil mais de 21 milhões de idosos. Ótimo! A média de vida aumentou muito graças às descobertas da ciência. Tudo estaria bem para nós, os idosos, se as “certezas” com as quais fomos educados também nos acompanhassem. Mas como conviver, aos 83 anos, com tantas mudanças?

O casamento era indissolúvel. “Até que a morte vos separe.” O que dizem as estatísticas hoje? No Brasil, há mais de 135 mil divórcios por ano.

Devíamos ter tantos filhos quantos Deus mandasse. Eu sentia vergonha de dizer que “só” tinha seis. Não podíamos usar anticonceptivos, proibidos pela Igreja Católica, e a virgindade era um valor sagrado. Hoje o que vemos? O Ministério da Saúde distribui milhares de camisinhas durante o Carnaval e tem gente que defende a legalização do aborto.

Minha mãe me ensinou que os sacerdotes eram homens sagrados, prediletos de Deus. No entanto, o que nos informam os meios de comunicação? Aumenta o número de padres pedófilos.

Para nós, as drogas eram totalmente proibidas. Hoje, quem não tem um parente dependente? Basta ligar a televisão para vermos a destruição que as drogas causam nas famílias, mas há passeatas pela descriminalização da maconha! Até o FHC acha que pode.

A homossexualidade era assunto vetado. Hoje, foi aprovado o casamento homoafetivo. Nossos valores foram varridos pelos tsunamis. As chuvas arrancaram nossas raízes. O temporal está lá fora e aqui dentro. Tudo era linear. Quando nascíamos, a estrada a trilhar estava pronta, sem curvas. A moldura na parede, à espera de um lindo retrato de casamento. E, agora, que atitude devemos tomar? Não sei.

Gosto de ver as pessoas felizes com suas escolhas, mas é falso dizer que nós, idosos, não nos chocamos com essas mudanças. Com 83 anos, tenho o direito da dúvida, e é preciso perceber que existe algo novo no mundo: a presença de tantas pessoas com 80 e até 90 anos tentando conviver neste cenário.

Por um lado, é difícil aceitar o que é novo, mas não é bom parar no tempo. Podemos não concordar com os outros, mas devemos amá-los de qualquer maneira. Confesso que nunca amei tantas pessoas com pontos de vista tão diferentes do meu. Buscar o diálogo é sempre possível. E o amor é o sentimento mais poderoso que existe.

Mas repito, não é fácil para um idoso aceitar tudo com naturalidade. Ao menos respeitem nosso conflito. E olha que já somos mais de 21 milhões.

Os melhores votos de uma segunda-feira, que nas geografias onde é editada este blogue promete ser fria, na continuação da neve, que já houve na serra gaúcha, este fim de semana. Aos colegas que, como eu, esta semana estiverem envolvidos em avaliações de discentes, desejo aquilo que mais almejo: sermos justos.

12 comentários:

  1. Caro Chassot,

    o comentário sobre o filme de Woody Allen é pródigo no simbolismo do que sempre acontece com nossa construção de memórias. Parece que o ser humano será sempre devedor do passado como 'o melhor tempo' de sua existência. Deve ter alguma conexão com os bons tempos da infância (a percepção de paraíso perdido) que nos acompanha no existir.

    Votos de uma boa semana!

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Caro Chassot,
    Blogada bem ancha essa! Sobre o filme do Woody Allen, só vou comentá-lo quando o assistir, o que deve acontecer esta semana. Sobre o texto de Dercy Furtado, concordo quando ela diz que "podemos não concordar com os outros, mas devemos amá-los de qualquer maneira", acho que aí está a MENSAGEM. Não é uma mensagem nova nem original, mas é uma verdade inescapável. Abraços, JAIR.

    ResponderExcluir
  3. Meu caro Garin,
    parece – no teu comentário – que mesmo sedentos de uma imortalidade fundada na esperança de uma vida futura, buscamos no passado o nosso paraíso perdido. O recorrente ‘no meu tempo’ é a espera da carruagem que volte para o ontem. Nesse filme Woody Allen é magistral, pois há sempre retornos.
    Uma segunda-fria (Não houve erro de digitação!)

    attico chassot

    ResponderExcluir
  4. Muito estimado Jair,
    tu enquanto escritor também de evocações vais curtir “Meia noite em Paris”. Desejo-te um bom espetáculo.
    Realmente, a medida que acumulamos anos, vamos aprendendo a não fácil ‘arte da aceitação1<
    Orgulhoso de te ter como comentarista aqui
    attico chassot

    ResponderExcluir
  5. Gostei do texto, e confesso estar exercitando como um mantra" ela esta com 80 anos, ela esta com 80 anos" antes de responder daquele jeito a alguns comentários de minha avó, Mas não resisti a responder a oferta de um jogo de panelas, "para quando tu casar", dizendo que iria plantar flores e usá-las como penico. affff

    boa semana, mestre!!

    Marília Luísa (problmeas na postagemm)

    ResponderExcluir
  6. Estimada Marília Luiza,
    lamento que não tenha teu endereço. Ao invés da menção do uso (pouco glorioso) que darias a um jogo de panela que tua avó te deseja presentear tu te imaginaste fazendo uma entrevista com a mesma acerca de como eram as panelas quando ela tina a tua idade ou como foi seu enxoval de noiva.
    Seriam removidos alguns óbices no dialogo inter-geracional.
    Apareça aqui de vez em vez
    attico chassot

    ResponderExcluir
  7. Muuuuito interessante! Leitura mais que agradável! Como sempre, todas as suas blogadas sao inesquecíveis e especiais!!!
    Sempre quero comentar aqui, mas nunca sei o que escrever nem de que maneira começar...
    Entao ... deixo meu carinho registrado e votos de uma linda terça-feira!
    Graaande Abraço
    Com toda a admiração possível do mundo!
    Chiara Corsatto

    ResponderExcluir
  8. Muito querida Chiara,
    muito obrigado por teu comentário aqui e no Facebook.
    Saudades e é muito bom reapareceres.
    Afagos

    attico chassot

    ResponderExcluir
  9. Marli Merker Moreira escreveu

    Oi, Chassot!
    Ainda nesse domingo de frio, ao passearmos por nossa decadente Rua Grande, na qual cinemas(Brasil e Independência ) transformaram-se em lojas apelativas a um consumo desnecessário, Marco e eu relembrávamos daqueles tempos "idos e vividos"(M.de Assis). Tudo parecia tão simples, fácil e seguro. A casa de minha avó estaria ali para sempre, com seu calor e seus perfumes de temperos; meu avô tinha seu emprego garantido; minhas irmãs e eu teríamos, cada uma, seu namoro às quartas e finais-de-semana. E, claro, o cinema, domingos à tarde, nas famosas matinês, regadas a pipocas, balas e mãos dadas. Para nós, gurias ainda, essas mãos continuariam juntas ad infinitum. Reviravoltou-se o tempo, no entanto, permanece viva a possibilidade daquela matinê de domingo. Agora, porém, num cinema qualquer de um centro de compras sofisticado--globalizado até no cheiro da pipoca de máquina, que é a mesma em Tóquio, NYC, Londres, Cacimbinhas. Que vivam as matinês, pois acendem em nós o calor de lembranças! Um abração, marli

    ResponderExcluir
  10. Estimada Marli,
    obrigado pelo teu comentário. Pareceu-me tão poética tua evocação das matinês que a Gelsa e eu reinventamos no domingo, que permiti-me trazer do Facebook como comentário a edição do blogue onde trago o assunto.
    Há dias no blogue houve comentário daquela piromania que fomos acometidos há quase meio século no pico do Itacolomy.
    Obrigado, pelas evocações capilés
    attico chassot

    ResponderExcluir
  11. Eloisa Silva Moura Moura escreveu desde Ile-Ife / Nigeria
    Ola professor / amigo Attico e Gelsa,
    eu tambem curti muitas matines, nos mesmos cinemas mencionados pela amada professora Marli! Era muito charmoso e divertido...parecia um sonho descobrir naquelas fitas o mundo e tantas e tantas historias, estorias e enredos...hoje os cinemas de shopping e os inumeros lancamentos em DVD e outras midias retiraram o 'glamour' daquelas antigas e espacosas salas...e a pos-modernidade. Um abraco alem Mar...Eloisa Silva Moura

    ResponderExcluir
  12. Estimada Eloisa,
    transfiro tua participação do Facebook para o blogue, desta segunda-feira por duas razões:
    a primeira amealhar ali as emoções dos que curtiram matinês, especialmente as das Capilés da Rua Grande.
    a segunda, não tenho condições de gerir dois lócus de interações, privilegiando assim o blogue.
    Fico muito orgulhoso em receber estas evocações de minha ex-aluna de mestrado, agora doutora atuando em Universidade em Ile-Ife / Nigéria,
    Renovo meu convite para bridares os leitores deste blogue com agora desta realidade que ora habitas que para nós é tão ignota.
    Com expectativa.
    attico chassot

    ResponderExcluir