quinta-feira, 16 de junho de 2011

16.- Strauss-Kahn: uma metáfora das práticas do FMI

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1778

A Polícia Civil do Pará investiga a morte do trabalhador rural Obede Loyola Souza, 31 anos, ocorrida na quinta-feira da semana passada, no acampamento Esperança, em Pacajá (PA). Em menos de um mês, é a quinto assassinato no campo.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o corpo da vítima foi localizado no sábado. Souza não fazia parte de grupo organizado de trabalhadores rurais e não recebia apoio da pastoral. A vítima foi executada com um tiro de espingarda no ouvido, a cerca de 500 metros de casa. Ele era casado e tinha três filhos.

De acordo com a CPT, o trabalhador rural teria discutido com um representante de madeireiros na região. Souza teria se colocado contra a extração ilegal de madeira, principalmente de castanheiras, na região de Pacajá e Tucuruí. Segundo a CPT, ele alegava que o trabalho dos madeireiros deixava as estradas de acesso ao acampamento Esperança e aos assentamentos da região intrafegáveis, principalmente no período chuvoso. Segundo relatos de testemunhas aos integrantes da pastoral, no dia do crime, quatro homens foram vistos em uma picape e entraram no acampamento.

Mais uma vez uma produção de Leonardo Boff é editada por este blogue. Dada a alta densidade do texto que hoje é trazido, apresento algo da vida do autor, para que – mesmo sendo talvez um dos brasileiros mais lido – vale conhecer um pouco mais deste que o “Santo Oficio” fez assentar na mesma cadeira inquisitorial onde Galileu Galilei foi julgado e condenado.

Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).

Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro

"Igreja: Carisma e Poder", foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa das Fé, ex-Santo Ofício, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades.

Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se auto-promoveu ao estado leigo. "Mudou de trincheira para continuar a mesma luta": continua como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do estrangeiros, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos Sem Terra e as comunidades eclesiais de base (CEB's), entre outros.

Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim ‘pai por afinidade’ de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e re-cria o desabrochar da vida nos "netos" Marina , Eduardo, Maira, Luca e Yuri.

É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Ecologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos. Mais detalhes em http://www.leonardoboff.com/

A seguir o texto que está em amaivos.uol.com.br Com ele os votos de uma muito boa quinta-feira.

Strauss-Kahn: uma metáfora das práticas do FMI O leitor ou leitora pensará que foi uma tragédia o fato de o Diretor-gerente do FMI, Strauss-Kahn, ter dado asas ao seu vício, a obsessiva busca por sexo perverso, nu, correndo atrás de uma camareira negra na suíte 2806 do hotel Sofitel em Nova York, até agarrá-la e forçá-la a praticar sexo, com detalhes que a Promotoria de Nova York, descreve em detalhes e que, por decência, me dispenso de dizer. Para ele não era uma tragédia. Era uma vítima a mais, entre outras, que fez pelo mundo afora. Vestiu-se e foi direto para o aeroporto. O cômico foi que, imbecil, esqueceu o celular na suíte e assim pôde ser preso pela polícia ainda dentro do avião.

A tragédia ocorreu não com ele, mas com a vítima que ninguém se interessa em saber. Seu nome é Nifissatou Diallo, da Guiné, africana, muçulmana, viúva e mãe de uma filha de 15 anos. A polícia encontrou-a escondida atrás de um armário, chorando e vomitando, traumatizada pela violência sofrida pelo hóspede da suíte, cujo nome sequer conhecia. A maior parte da imprensa francesa, com cinismo e indisfarçável machismo, procurou esconder o fato, alegando até uma possível armadilha contra o futuro candidato socialista à Presidência da República. O ex-ministro da cultura e educação, Jacques Lang, de quem se poderia esperar algum esprit de finesse, com desprezo, afirmou: "Afinal não morreu ninguém”. Que deixe uma mulher psicologicamente destruída pela brutalidade do Mr. Strauss-Kahn não conta muito. Finalmente, para essa gente, se trata apenas de uma mulher e africana. Mulher conta alguma coisa para este tipo de mentalidade atrasada, senão para ser mero "objeto de cama e mesa”?

Para sermos justos, temos que ver este fato a partir do olhar da vítima. Ai dimensionamos seu sofrimento e a humilhação de tantas mulheres no mundo que são sequestradas, violadas e vendidas como escravas do sexo. Só uma sociedade que perdeu todo o sentido de dignidade e se brutalizou pela predominância de uma concepção materialista de vida que faz tudo ser objeto e mercadoria, pode possibilitar tal prática. Hoje, tudo virou mercadoria e ocasião de ganho desde o bens comuns da humanidade, privatizados (commons como água, solos, sementes), até órgãos humanos, crianças e mulheres prostituídas. Se Marx visse esta situação ficaria seguramente escandalizado, pois para ele o capital vive da exploração da força de trabalho, mas não da venda de vidas. No entanto, já em 1847 na Miséria da Filosofia intuía: "Chegou, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico e podia alienar-se. O tempo em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas jamais trocadas, dadas, mas jamais vendidas: adquiridas mas jamais compradas como a virtude, o amor, a opinião, a ciência e a consciência, em que tudo passou para o comércio. Reina o tempo da corrupção geral e da venalidade universal....em que tudo é levado ao mercado”.

Strauss-Kahn é uma metáfora do atual sistema neoliberal. Suga o sangue dos países em crise como a Islândia, a Irlanda, a Grécia, Portugal e agora a Espanha como fizera antes com o Brasil e os países da América Latina e da Ásia. Para salvar os bancos e obrigar a saldar as dívidas, arrasam a sociedade, desempregam, privatizam bens públicos, diminuem salários, aumentam os anos para as aposentadorias, fazem trabalhar mais horas. Só por causa do capital. O articulador destas políticas mundiais, entre outros, é o FMI, do qual Strauss-Kahn era a figura central.

O que ele fez com Nafissatou Diallo é uma metáfora daquilo que estava fazendo com os países em dificuldades financeiras. Mereceria cadeia não só pela violência sexual contra a camareira, mas muito mais pelo estupro econômico ao povo, que ele articulava a partir do FMI. Estamos desolados.

16 comentários:

  1. Caro Chassot,

    um texto riquíssimo pela metáfora bem posicionada, aliás, como sempre são os escritos do L. Boff.

    Mas esse texto me fez lembrar uma notícia que ouvi ontem, en passant, narrando o fato de que mulheres libanesas estariam sendo sacrificadas porque foram vítimas de estupro por parte dos soldados de Muamar Kadafi. Por questão de honra, essas mulheres estariam sendo mortas (imposição religiosa - certamente distorcida) para não sujar a honra de suas famílias. Até quando o mundo cobrará o preço da honra, injustamente das mulheres? Até quando a honra irá custar mais do que uma vida?

    Um abraço,

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.com

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  2. Caro Chassot,
    Essa blogada está supimpa! Além de trazer uma breve biografia de Leonardo Boff, reproduz o texto no qual ele dá uma paulada na moleira do FMI e, de quebra, no capitalismo selvagem e na conduta de homens como Strauss-Kahn que enxergam nas mulheres apenas objetos a serem usados e descartados, como, aliás, o mercantilismo capitalista se comporta a respeito de tudo. Lembremos que alguns dias atrás este blog abordou a educação como simples mercadoria, o que corrobora a assertiva de Boff. Abraços fraternos e parabéns pela densa blogada, JAIR.

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  3. Caro Professor Chassot,
    Sou imensamente orgulhoso te tê-lo como meu professor.
    O Leonardo Boff já fazia parte de minhas leituras quando ainda era "bixo" no Instituto de Química da UFRGS. Excelente blog.
    Também convido o mestre para ler http://manifestobonsensista.blogspot.com/
    Grande abraço, John.

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  4. Meu caro Garin,
    ouvi esta notícia que referes. Pune-se a vítima. Lembrei-me de quando se proibia cemitério cristão a mulheres que morriam de parto, pois não haviam sido purificadas terminada a quarentena.
    Grato pela tua apreciação acerca do ártico do super-Boff

    attico chassot

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  5. Muito estimado John,
    obrigado por tua estreia aqui. Vale a tua merecida apreciação do texto ‘doloroso’ do Boff.
    Visitei o http://manifestobonsensista.blogspot.com/ e li alguns excelentes textos produzido a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
    Preciso voltar com mais vagar ali, mas esta semana assoberbam-me as exigências de produzir textos acadêmicos.
    Mais uma vez agradeço tua prestigiosa presença neste blogue
    attico chassot

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  6. Muito caro Jair,
    obrigado pela adjetivação que dás a blogada de hoje. Que bom que valorizaste a trazida de alguns detalhes da vida daquele que – te plagio – dá uma cacetada (bem dada) no FMI.
    Este texto é realmente muito importante
    attico chassot

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  7. Estimado Chassot, permita-me algumas ironias.

    Realmente, é lamentável o que o Capitalismo fez com o mundo, introduzindo, entre outras chagas, a prática do estupro, inexistente na história da humanidade antes do império do capital.

    Consta, inclusive, que os estupros e os MILHÕES de assassinatos cometidos pelos soldados e oficiais soviéticos, apesar de se darem em solo Comunista, ocorreram em função de uma nuvem de contaminação Capitalista que, sordidamente, atravessara a Cortina de Ferro a mando do maléfico EUA (país de cujos laboratórios a praga do estupro foi disseminada mundo afora).

    Em tempo: Marx não ficaria escandalizado, não, prezado Chassot. Pois, o maior teórico do Trabalho em todos os tempos (que jamais pisou em uma fábrica) teve um único real contato com o proletariado: engravidou uma empregadinha sua - e, grande homem que era, desvincilhou-se da responsabilidade e não assumiu o rebento.

    Cordialmente, Mateus Colombo Mendes.

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  8. Prezado Mateus Colombo Mendes,
    se tenho acurado o significado da ironia na retórica: – figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender; uso de palavra ou frase de sentido diverso ou oposto ao que deveria ser empregado, para definir ou denominar algo – devo supor que ao ler teu comentário – atendendo tua sugestão – considerar sentido oposto daquilo que trazes em tuas considerações,
    Deve ter sido bom – sem ironia – tu leres um texto que provocou tão irônico comentário.
    Apareça de vez em vez
    attico chassot

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  9. "Amigo Chassot,
    A UFRGS me recompensou quando fui designado - lá pelos anos 90 a ir - num Encontro de Extensão em Vitória-ES.Num passeio da programação - fomos colocados num ônibus para ida a um local que não lembro qual, mas lembrou que sentei ao lado do Leonardo Boff.
    Ah! isto não vou esquecer jamais!Conversamos sobre muitas coisas. Mais ouvi do que falei, pois precisava aproveitar esta oportunidade. Quem ouve Boff, lê Boff, comunga com o Boff . . . o que mais precisa na vida ?
    Reli o Boff agora pelo Chassot e tenho a felicidade de comungar com ambos (Boff e Chassot). Isto é muito bom!"

    Bom "conversarmos" !
    Até.

    E d n i

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  10. Meu caro Edni,
    abençoada coincidência recebo teu comentário (que eu postei aqui) quando chegava do Morro Milenar no qual muitos anos tinhas teu bastião. Quando o subo invariavelmente recordo de ti.
    Que privilégio teres sentado do lado do Boff. Certamente desejaste que aquela vagem não acabasse.
    Obrigado pelo tua leitura em fonte chassot.
    Saudades de um papo.
    Afagos metodistas
    attico chassot

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  11. Mestre,
    após ler o artigo, veio-me a ideia de que a humilhação está sendo feita com os professores brasileiros: tiram-lhes a dignidade, o salário, o respeito...

    Abraço, querido.

    Simone

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  12. Querida Simone,
    esta orquestrada destruição do magistério tem um maestro: o capitalismo.
    Afagos com estima
    attico chassot

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  13. Caríssimo Chassot, a acepção que deste à ironia é apenas uma entre tantas. Para permanecermos no campo filosófico, há a socrática, segundo a qual trata-se da disposição fingida de aprender com outrem, que pouco ou nada tem a ensinar de fato. Mas se queres um termo que não lhe reste dúvidas, prefira "deboche". Exceto na última parte, em que falo de Marx - ali a leitura deve ser literal.
    Mateus Colombo Mendes.

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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  15. Meu caro Henrique,
    mesmo que tenhas trazido este comentário no entardecer de sexta-feira, só no ocaso de domingo venho:
    Primeiro agradecer tua participação acerca da ‘ironia’.
    Segundo, dizer que concordo contigo que não podemos aderir ao pensar bofffiano de que o capitalismo é raiz de todos os males.
    Com admiração por tuas sempre bem postas críticas,
    attico chassot

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  16. Prezado Mateus,
    obrigado pelo teus esclarecimentos e pelas leituras que fazes de ‘ironia’. Onde se incluí o deboche,
    Obrigado por leres este blogue.

    attico chassot

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