sábado, 11 de junho de 2011

11.- Uma educadora nota 10

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1773

Uma blogada sabatina, que mesmo sendo a penúltima do outono 2011, já sabe a inverno. Ela se faz em dias em que o sul do Brasil vive um caos inédito no tráfego aéreo provocado por um até ontem um desconhecido vulcão chileno, distante a mais de 2000 quilômetros.

Abro com a menção de dois pontos de agenda deste sábado: Um, esta manhã tenho mais uma edição de “Diálogos de Aprendentes” com alunas e alunos do Professor José Fernando Cánovas de Moura, da FACOS em Osório. Outro, um querido estar de filhos, filhas, noras, genros, netos e netas. Será uma sabatina junina, que substitui este mês as usuais domingueiras na Morada dos Afagos. A Gelsa e eu estamos curtindo muito este encontro.

Esta edição tem uma chamada capital: Uma educadora nota 10. Professor é habituado dar nota, e a Liba, que anunciei ontem aqui recebeu linda homenagem da Associação dos Ex-alunos do Instituto de Educação. Foi uma cerimônia emocionante. Com ela, receberam a distinção as professoras Nair Guimarães e Odayr Perugine de Castro. Dentre as muitas falas, destaco aquela em que a professora Ivani D’Avila homenageou sua ex-professora. Um relato imagético do evento, por razões técnicas, fica postergada para amanhã.

Divido esta blogada em três movimentos. O primeiro traz pequenos retalhos extraídos de uma extensa biografia, que ensaiei, de uma mulher extraordinária. Teria texto para várias blogadas. Aqui ele é a minha homenagem, prenhe de admiração. No segundo, trago uma micro-resenha de uma das obras da Liba: “Apostando no aluno”. O terceiro movimento é a sobremesa da blogada: a densa fala da Liba na tarde de ontem.

1º MOVIMENTO: Liba Juta Knijnik nasceu em 01 de setembro de 1921, em Rawa-Ruska uma aldeia da Galícia, hoje território da Ucrânia, que, então, era parte da Polônia. Seu pai era Moses Mendel Weissblüth e a mãe Margula Perla Weissblüth. Ele havia sido um guarda florestal, mas a crise que se abatera na Europa nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) o fizera um desempregado, que permitiu que se dedicasse aquilo que muito gostava: estudar o talmude, já que o judaísmo, para ele, não era apenas uma etnia; a fé nas revelações mosaicas o impregnava. A mãe, quando jovem, tinha vivido 10 anos como ajudante nas lides domésticas em casa de uma tia, nos Estados Unidos, onde, entre outros aprendizados, se tornou fluente em inglês. Viera visitar a família na Polônia e a conflagração mundial a impediu de voltar. Torna-se uma competente vendedora de vinhos para armazéns atacadistas da Europa Central.

Moses resolve vir “fazer a América”. Deixa na Polônia a esposa Perla com três meninas: Liba, Teresa e Reisla, das quais Liba, a mais velha, tem menos de cinco anos. O estudioso dos livros sagrados vem para o Brasil, primeiro para o Rio de Janeiro e Belo Horizonte e depois para Porto Alegre. Ganha a vida como mascate na Barra do Ribeiro e envia dinheiro para a esposa e filhas na Polônia, para realizar um sonho: reunir novamente a família na terra que ele já adotara. Quando Liba tinha nove anos, surge a oportunidade de imigrarem para o Brasil, onde o pai conseguira uma licença para fazer vir a família.

Em 1930, Perla e as três meninas deixam a Europa pelo porto de Genova, na Itália e durante 18 dias cruzam o Atlântico no Principessa Maria, em meio a imigrantes italianos. A viagem à América dos sonhos foi sofrida. Perla, por saber inglês, faz mediações entre a tripulação e os imigrantes. Nozes, frutas e batatas eram as únicas comidas permitidas, pois a bordo não havia comida kasher e as severas prescrições mosaicas eram observadas pela família. Liba recorda que foram dias difíceis, mas permeados de sonhos com uma nova Pátria. Chegam ao Rio de Janeiro, depois de uma quarentena de 8 dias na ilha das Flores, vêm para Porto Alegre, onde Moses já estava estabelecido e recebe a mulher e as três filhas. E a capital do Rio Grande do Sul se torna a cidade do coração da menina polonesa.

Liba estudara na Polônia até a quarta série. Iniciou seus estudos em uma escola de freiras católicas e depois estudou em uma escola pública. Chegada a Porto Alegre, Liba é matriculada na Escola de Educação e Cultura, na hoje Avenida Oswaldo Aranha, no Bom Fim, que originaria o Colégio Israelita Brasileiro. Ingressa na terceira série sem saber uma palavra em português, que aprende junto com o hebraico e a escrita do iídiche, sua língua materna. Nos cálculos havia maiores facilidades, pois os realizava em polonês, a língua na qual fora escolarizada antes de vir ao Brasil. Os pais, não sem sacrifícios, conseguem uma professora para ensinar português às três meninas. Em 1931 e 1932, Liba faz a 3ª e a 4ª séries no Colégio Israelita e em 1933 e 1934 a 5ª e a 6ª séries no Grupo Escolar Paula Soares.

Em 1935 realiza um sonho: ser normalista, para tornar-se professora primária. Ingressa, por seleção pública, na Escola Normal General Flores da Cunha, o Instituto de Educação. Em 1937 concluí o curso. Com 16 anos a menina que há 7 anos chegava a Porto Alegre sem saber uma palavra em português era uma professora destacada.

Agora Liba é uma profissional. Inicia suas atividades de magistério, em 1938, na escola onde começara como aluna no Brasil: o Colégio Israelita Brasileiro. Um ano depois, começa trabalhar no Colégio Batista. Primeiro, como auxiliar da Escola Infantil para, logo em seguida, tornar-se professora de português, à noite, em um curso de jovens e adultos. Porém, agora era a Segunda Guerra Mundial que interferia na vida da jovem professora. Uma estrangeira não podia lecionar Português, História e Geografia do Brasil. A Inspetora que vem ao Colégio Batista, ao ver seu entusiasmo pela profissão, assume o risco de fazer um termo assumindo a responsabilidade e autorizando Liba a lecionar. Aos 18 anos, em 1940, naturaliza-se brasileira e em 1943, mesmo já sendo professora há seis anos, presta os exames do Artigo 100 no Ginásio Anchieta, para regularizar sua situação escolar pertinente ao Ensino Fundamental. Integra-se fortemente no País que o seu pai escolhera como a nova Pátria.

Teria ainda muito a contar. No meu roteiro gostaria de narrar alguns segmentos que já tenho alinhavados como: Esposa e mãe conjugados com Educadora/ Uma Professora de professoras/ Novos desafios: escrever é preciso/ Uma avó muito arteira que se faz bisavó/ Artes: paixão forte em mulher muito dinâmica/ Na política uma outra paixão : o PT / Os tempos de maturidade ainda são tempos de produzir.

KNIJNIK, Liba (Org). Apostando no Aluno: Uma Experiência Pedagógica no Instituto de Educação Gen. Flores da Cunha, Porto Alegre. Editora Movimento Porto Alegre 184 p 15 X 22 cm. 1984: Apresentação por Maria Luísa Mascarenhas. Inclui testemunho de professores, pais e alunos.

SEGUNDO MOVIMENTO Apostando no Aluno é o relato de uma realidade vivida por alunos pais e professores de uma inovadora experiência educacional realizada no Instituto de Educação Gen. Flores da Cunha de Porto Alegre: Classes-Laboratório. Esta corajosa realização abria uma ‘brecha’ na escolaridade compreendida entre a 5ª e a 8ª séries do então Ensino Fundamental.

A apresentadora do livro diz: “A aplicação da reforma de 1971 que eliminava o antidemocrático Exame de Admissão, não havia atingido ainda seus objetivos mais importantes nesta faixa da educação fundamental; a escola não sabia superar os vestígios do antigo ginásio: muitas disciplinas, muitos professores, aulas acadêmicas, alunos frustradas e muitas reprovações. [...] O livro ao contar a experiência realizada não incorre num pedagogismo. Antes, resulta de uma opção lúcida que evidencia uma educação humanizadora que pode ajudar um mundo social melhor.

Talvez valesse recordar que Maria Luiza Mascarenhas escreve este texto em julho de 1983, quando a redemocratização era apenas um horizonte e a autora deseja que ‘a leitura e a análise da experiência [Classe-laboratório] suscite no leitor reflexões e provoque questionamentos sobre a significação do ato de educar numa época de mudanças aceleradas e imprevisíveis.

O livro traz experiências de enriquecimento do currículo com teatro, cinema, artes plásticas, fatos contemporâneos [Viagem de Rosalyn Carter à América Latina, Visita do Presidente da Alemanha Ocidental, ligação entre os rios Ibicuí e Jacuí, tragédia ecológica no Rio Grande do Sul, Porto Seco, entroncamento hidro-rodo-ferroviário de Estrela] excursões [a uma feira de Ciências, Zoológico de Sapucaia, Morro Sant’Ana, Acantonamento]. Há ainda relatos de atividades de geografia e estudos climáticos, com a variável temperatura, fusos horários, latitude e longitude, o mar, terremotos e vulcões. Há um destaque especial para depoimentos de professores, de pais e de alunos.

Há possibilidade de encontrar o livro em vários sebos internéticos. Vale ver uma experiência que mesmo já tendo um quarto de século, parece nova.

Depois desta mirada panorâmica de ‘Apostando no Aluno, convido cada uma e cada um de meus leitores ao terceiro movimento, que dá a dimensão da memorável tarde de sexta-feira, 10 de junho de 2011.

TERCEIRO MOVIMENTO: Fiquei realmente emocionada quando recebi a comunicação de que seria homenageada como Professora do Instituto de Educação. Essa casa passou a ser, durante anos da minha vida, meu segundo lar. Aqui minhas filhas se desenvolveram desde a creche, a escola primária, o ginásio e uma foi ser professora, laureada da sua turma.

Entrei nesta casa na rua Duque de Caxias; era o chamado Curso Normal Eram imensas salas como quase cem alunos. As aulas se constituíam em preleções, explicações em quadro negro e a fala do professor tentava conseguir manter a atenção dos alunos.

Quando fiz o exame de admissão para o Curso Normal, eu ainda não falava bem o português e deixava de entendê-lo, quando ficava, por algum motivo, nervosa. Tive a sorte em ter excelentes professoras de Português e de Pedagogia.

O que eu desejava na vida era ser professora e realizei meu sonho de vida. (Minha mãe contava que, ainda na Polônia, aos 5 anos, eu brincava de ser professora).

Volto ao Instituto de Educação como bolsista, para fazer o Curso de Supervisão Escolar e só saí do Instituto quando me aposentei. Tenho consciência clara que não “brinquei no serviço”.

Fiz parte da Equipe que “inventou” Escola Anexa; fui coordenadora pedagógica da nossa Escola Primária; lutei contra o exame de admissão (que era um tipo de vestibular); lutei contra a “gramatiquice” em que se resumia o ensino da língua na escola primária; participei da luta para o ensino da matemática significativa; colaborei com o Laboratório de Matemática, criada pela Professora Odila Barros Xavier.

Fiz vestibular para a Pedagogia e recebi bolsa para fazer o curso ganhando como professora primária do Instituto. Três dias depois, recebo um telefonema da diretora do Instituto, convidando-me para assumir a cadeira de Didática do Curso Normal. Confesso que, da minha casa até o Instituto, eu não caminhava, eu corria; era o meu maior sonho da vida. Desisti da bolsa, aceitei o convite e cursei a faculdade, onde tive a sorte de ter como professora de Didática a Professora Graciema Pacheco.

Dedico minha Dissertação de Mestrado ao Rubem, meu companheiro, que foi um exemplo de humanismo e à Laura, minha neta, que era uma esperança de vida plena. O título da dissertação é: “Criatividade no Ensino”. Cito, em referência ao título, a artista, gravadora , escritora e professora Fayga Perla Ostrover. Essa artista-professora encara a criatividade como um potencial de todo ser humano. Tenho algumas coincidência com essa artista. Ela também nasceu na Polônia. É de família judia; veio ao Brasil nos anos 30 e se naturalizou brasileira.

Em seu livro “Criatividade e Processos de Criação”, relata uma experiência fascinante. Ela ministrou um Curso de Arte para operários de uma fábrica e o resultado foi além da expectativa. Ela acreditou no potencial criador dos operários; ela acreditou que esse potencial criativo não é propriedade de alguns raríssimos eleitos – mas é da própria condição do ser humano.

Eu, também, como professora, acredito nesse potencial criativo. Tive o privilégio de poder, além de acreditar, realizar junto com uma equipe extraordinária, uma prática pedagógica que lhe correspondesse – criamos a Classe Laboratório. Apostamos sem restrições no nosso aluno; confiamos na sua sensibilidade, em sua inteligência, respeitamos suas ideias e suas iniciativas – os alunos foram nossa fonte e nossa inspiração. A riqueza dessa experiência está relatada no “Apostando no Aluno”, prefaciado pela professora Maria Luiza Mascarenhas, a quem presto, neste momento, minha homenagem.

Ao terminar minha fala, gostaria de dizer o que disse Iberê Camargo, nosso artista maior: “Tudo que fiz na vida, fiz com paixão. Não sou de tocar nas coisas com a ponta dos dedos”. Obrigada.

12 comentários:

  1. Caro Chassot,

    como havia comentado ontem, imaginava que a fala da Profa. Liba guardava surpresas e se confirmou na forma carinhosa e comprometida de como falou do seu fazer educação: com paixão!

    Destaco uma ligação interessante: ela mencionou que desde os cinco anos brincava de professora. Mais ou menos com essa idade eu reunia as bonecas da minha irmã para realizar um culto metodista - batizava, ministrava a comunhão, cantava e depois me postava à mesa para falar a um microfone imaginário como se estivesse transmitindo um programa evangélico de rádio.

    Bom Shabat

    Garin

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  2. Mestre Chassot! Realmente emociona a trajetória da LIBA, principalmente para quem se propõe a desafios em outra pátria, sem dominar o idioma local. Ainda mais para atuar na educação de seus habitantes. Imagino a dificuldade imposta pela arbitrariedade do Estado Novo. Parabéns à Liba. É desses personagens que se faz uma país grande e uma educação potencialmente transformadora. Adorei a história de vida da educadora. Relembrando a fala da Gelsa em minha banca de defesa de 2008: "Há muitas pintas da Liba nessa trajetória gélsica". Bom Findi - JB

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  3. Caro Chassot,
    Mais do que homenagear uma sogra querida, você destaca uma grande brasileira ainda que esta tenha nascido fora de nossas fronteiras. Parabéns a Liba pela fecunda vida e a você por prestar esse tributo tão profundo e emocional a essa pessoa extraordinária. Abraços, JAIR.

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  4. Muito querido colega e amigo Garin,
    agradeço o carinho como te referes à Liba e me comove a história de tua infância.
    Que o shabath seja abençoado

    attico chassot

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  5. Muito querido Jairo,
    obrigado pela referência querida à Liba.
    Inferistes bem ao veres na tua admiração gélsica as pintas da Liba.
    Que o vim de semana seja curtido,
    attico chassot

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  6. Muito estimado Jair,
    obrigado pela homenagem merecida que fazes a Liba. Comoves-me!
    Pensei nessa homenagem contrapor no meu texto aquilo que é senso comum e faz a sogra uma figura mal querida no imaginário de diferentes culturas. Estas marcas vão desde o filosofar dos caminhoneiros, aprendidos na sabedoria dos para-choques [Feliz foi Adão que não teve sogra] até um intelectual que escreveu: “Conscience is a mother-in-law whose visit never ends.” [A consciência é uma sogra cuja visita nunca termina." Frase atribuída a H. L. Mencken (1880-1956), escritor estadunidense].
    Há aqui uma palavra densa de preconceito que temos que superar.
    Um muito bom sábado e a admiração do


    attico chassot

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  7. Vândi Ribeiro Homenagem merecida!!!! Depois de ler a história de Liba, percebi que nunca te foi esforço tecer-lhe elogios. beijo

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  8. Daiane escreveu: "Adorei! Passei a admirar ainda mais a Dona Liba, pessoa e educadora maravilhosa. Abraços, Daiane."

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  9. Neusa Knijnik escreveu:

    Querido Attico Fiquei muito emocionada em ler a tuas carinhosa descrição sobre a professora Liba. Uma mulher que pegou/pega a vida com garra, inteligência, criatividade e consistência.
    Muito obrigada por teu carinho com a nossa mãe,
    neusa

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  10. Neusa querida,
    uma resposta a tua mensagem requer comentários em duas dimensões.
    Uma, a justa homenagem que tu, eu e dezenas de admiradores da Liba tributamos a uma mulher fora de série na memorável sexta-feira dia 10. Foi algo emocionante. As edições do blogue dos dias 10 e 11 (e ainda no dia 12) traduzem um pouco isto, na minha perspectiva de admirador da Liba há quase um quarto de século.
    Outra, a delicadeza de teu gesto em externar-me tuas emoções relativas aos meus textos. Por tal meus reconhecidos agradecimentos.
    Um afago com carinho e continuada admiração,
    attico

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  11. Áttico
    Faço minhas as palavras da Neusa, tanto em relação a ti, como à Professora Liba. Mas, o que tenho mesmo a ressaltar e a te agradecer, é o tanto que, sistematicamente, nos dás: a disponibilidade afetiva e dedicação que tens para com a nossa mãe, para com o nosso menino, Antônio, além, é claro, pelo belo companheiro que sabes ser para a minha irmã. Te abraço interneticamente, com muito carinho e gratidão. Sílvia

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  12. Silvia querida,
    obrigado por teu comentário tão prenhe de afeto. Sexta-feira passada foi dia de celebrações ímpares. A homenageada é D+ e é 10*;
    Agradeço as referências que trazes ao meu estar a quase um quarto de século no Kniclã.
    Um afago

    attico chassot

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