sábado, 12 de março de 2011

12. – Um prelúdio: segundo movimento

Impactado como o universo dos humanos pelos continuados estertores do Planeta, não avalio o significado da solidariedade que votamos aos milhares de homens, mulheres e crianças vitimados.

Porto Alegre * Ano 5 # 1682

Sábado sempre foi dia de falar em dicas de leitura neste blogue. Não fujo a regra hoje, mas falo se um livro que nesta segunda-feira será entregue a seleção para possível editoração. Hoje, com o desejo que sábado seja agradável, apresento o segundo movimento do prelúdio, do qual trouxe ontem a ouverture.

Isso traz dilemas. Um deles: um nome para este livro. Batizar livros não é trivial. Ele não deve agradar apenas ao autor. Ele precisa seduzir leitores. Marcado por minhas origens ferroviárias, cheguei a pensar chama-lo “Trem misto” evocando um dos trens de carga que deixou Jacuí e chegou a Montenegro na Semana da Pátria de 1947. Este trem – que a toda hora aflora em minhas evocações – trazia no útero de um dos vagões ‘uma carga muito especial’. Este não era rigorosamente que ‘um trem misto’, formado por vagões de carga e vagões de passageiros. Aquele singular e único trem tinha um vagão de carga mudou toda uma história. Rompeu paradigma. Ele estava prenhe em seu amplo ventre de um casal com quatro filhos e todos os bens móveis do casal, inclusive com o fogão a lenha em uso durante a viagem, com a chaminé emanando fumaça por uma fresta de um dos portões mantidos semi-aberto. Esse trem não está apenas no capítulo 1982. Ele é um trem-fantasma que já roda há mais de 60 anos enfumaçando as histórias do primogênito que ensaiava, então, as primeiras letras.

Mas continuava a buscar título para este livro. Depois, me ocorreu em fazer uma exótica adição de algo que sempre me encantou: essas vendas interioranas de ‘armarinhos, secos & molhados’. Essa combinação me seduz. Afinal este livro tem de tudo.

Titulo palatável para mim, não é necessariamente o apetecível para leitor e ainda mais para o editor. Dei tratos a bolas. Resolvi batizar com aquilo que livro realmente é. Não há que fazer propaganda enganosa: Memórias de um mestre-escola. Afinal este Brasil já teve um imperador – Dom Pedro II – que demonstrava sua preocupação com a educação no país e valorizava o magistério e declarava que, se não fosse o rei, queria ser "mestre-escola". É isto que sou há 50 anos... e se outra vida houver e puder escolher... serei professor.

Há os que me contestarão que nunca fui mestre escola. Concordo com esses críticos rigorosos. Nunca fui mestre de primeiras letras. Aliás, tenho uma veneração pelos alfabetizadores. Tenho um sentimento não ter ensinado ninguém a ler e recordo de cada um dos meus quatro filhos e agora com os netos, meus encantamentos neste processo quase mágico da decodificação de signos.

Minha mãe foi literalmente mestre escola. Remonto-me com frequência, vendo-a percorrer trecho Santa Terezinha/Piedade, que hoje se faz de carro, por asfalto, em cerca de 15 minutos, mas que no começo do segundo quartel do século 20, ela deveria levar quase um hora no lombo de seu cavalo. Recordo de seus relatos acerca dos dias chuvosos e frios. Então, ela era a mestre-escola severa em uma classe multiseriada.

Mas persisto na busca de apropriar-me do título: Memórias de um mestre-escola. Há algo que fiz missão nestes 50 anos: alfabetização científica. O que mais realizei nas aulas que ministrei, nos livros e artigos que escrevi, nas blogadas que editei, nas palestras que proferi foi ensinar a linguagem da Ciência, essa linguagem que considero necessária para ler o mundo natural. Tenho a convicção que isso eu fiz de maneira continuada e também dedicada.

Parece que, por esses fazeres caberia o título. Essas reflexões acerca de minha trajetória me gratificam, mesmo que vejo darem margem a exageros. Neste março de 2011 que tento compor este prelúdio, conversava com o Professor Edgar Timm, Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação do Centro Universitário Metodista do IPA acerca da importância de escrevermos nossas histórias. Lembrávamos Hobsbawm, talvez o mais significativo historiador vivo, que diz que dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século 20 é que quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. O Pró-reitor perguntou-me, para argumentar acerca da validade deste texto, se eu me recordava como ele havia me apresentado na noite anterior ao novo reitor. Respondi-lhe que então, e como agora devo ter corado, pois não me considero ‘uma lenda viva da Educação brasileira.’

Quando parecia fazer ancoragem no título Memórias de um mestre-escola sou advertido por leitora de meu blogue, que se avizinha dos 90 anos, que o título tem ranço de algo velho. As memórias, e nisto ela adere a Hatoum, são algo novo. Há espaços para radicalidades: Transmutar Memórias de um mestre-escola para Memórias de um mestre-bloguista. Realmente talvez este título fale mais do que/como escrevi. Vejo também narizes franzidos.

E isso se confirma, quando outro leitor do blogue, dentro das novas conformações espaço-tempo escreve distante quase 4 mil quilômetros: “estou honrado com a deferência de participar do batismo de um livro ainda pagão. Não ouso ‘triscar’ em nada do belo texto, mas ensaio dar ‘pitaco’ no titulo. Adorei o ‘Memórias de um mestre-escola’, com o qual você não só sintetiza sua trajetória como - e ai vem a sutil importância - relembra e homenageia sua mãe. Vou tanto lutar por este titulo quanto atacar o ‘mestre-bloguista’, que, sinceramente, detestei!”

2 comentários:

  1. Ola Mestre Chassot.
    Concordo de certa forma com os dois leitores em relação ao título da obra. Por isso, pensei em mesclar o nome, de uma forma que se faça chamada para o antigo e para o novo. Sem qualquer pretensão de fazer uma mediação, estou sugerindo como título: MEMÓRIAS DE UM MESTRE-ESCOLA, DA LOUSA AO BLOGUE.
    Abraços JB

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  2. Meu caro Jairo,
    essa transição poderia ser mais radical: Da lousa ao I-Pad.
    Amanhã anuncio o nome, como presente pela data.
    Muito obrigado pelas imensas ajudas.
    Com gratidão

    attico chassot

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