quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

05.- Sobre ferramentais para o escrever

Porto Alegre Ano 5 # 1616

E já chegamos à metade da primeira semana de 2011. Certamente mais um dia para pedir que as nuvens que se adensam sobre nós, abram-se e se façam chuva, Aui no Rio Grande do Sul temos precisão disto.

Tenho nestes dias, no preparo dos últimos capítulos do livro de celebração de meu cinquentenário de professor, mexido naqueles baús que têm o rótulo: ‘saudade’. Algo que surpreende é a evolução ocorrida nos ferramentais do escrever desde a minha alfabetização.

Trago aos meus leitores um excerto do posfácio do Para que(m) é útil o ensino? [Canoas: EdULBRA, 1995] quando encerrava meus agradecimentos. Este livro originou-se de parte de minha tese de doutoramento. O texto trazido aqui, 15 anos após a sua primeira edição, parece ainda mais velho, pois então o uso do computador era ainda de uso mais restrito. Hoje ele é presença quase universal nas escritas de muitos profissionais como naquelas de nosso cotidiano.

Assim a trazida aqui deste texto quer oferecer uma mirada em ações do ato de escrever. Transcrevo parte do agradecimento, aqui, com alguns cortes, para que a leitora ou o leitor, 15 anos depois, observe, de uma maneira muito panorâmica, quanto são recentes as modificações que muitos de nós, que fomos alfabetizados no final da primeira metade do século passado, vivemos.

Agora, e por último, um agradecimento prosaico. Ele vai para o meu computador. Sem dúvida eu não teria feito este livro se não fosse ele. Para que não seja julgado imerecido este agradecimento, que adjetivei de prosaico, eu devo contar, que hoje ter uma dependência tão grande de um tão fabuloso processo de escrita, tem para mim uma dimensão significativa, quando evoco que, comecei minha alfabetização numa lousa1, depois escrevi com pena de aço2, — que também era usada como arma em alguns duelos escolares e eu ainda tenho evocações menos boas por uma machucadura que provoquei na coxa de um colega no quarto ano primário — .

Aqui, vale recordar a ritualística que havia no levar a caneta ao tinteiro e na volta para o papel (quanto tempo de reflexão havia no escrever de então, se comparado com leve teclar de agora), e neste tempo de reflexão sobre o que se escrevia tinha o secar a página com um mata-borrão3 ou com farinha de mandioca, (esta era um dos meus materiais escolares). O grande sucesso posterior foram as canetas-tinteiros, com seus depósitos de borracha que enchíamos com uma pequena alavanca metálica e que causavam muitos borrões, que acarretavam fazer novamente os temas ou lembrados castigos.

A revolução na tecnologia de escrever para mim aconteceu em 1954, quando ganhei a minha primeira caneta esferográfica, invento ainda tão presente em nossas escritas, quarenta anos depois. Mesmo tendo comprado uma Remington com um dos meus primeiros salários de professor, em 1961, nunca fui um aficionado da máquina de escrever, e quando fiz mestrado em 1977, fiz datilografar por outros minha dissertação.

Uso o computador desde 1989, e nestes cinco anos devo creditar muito de minha produção escrita a este meio de registro, que, para mim, só não desbancou ainda a caneta esferográfica, na elaboração de meu diário, talvez porque para isto o suporte papel, seja mais passível de receber as emoções de um dia de vida. Este registro, não muito acadêmico, aqui, sobre minha história com o ferramental de escrever está aqui, pois esta é uma das investigações que tenho agendado para futura deleitação intelectual .

[1] Lâmina de ardósia enquadrada em madeira para nela se escrever ou desenhar com ponteiros da mesma pedra (ardósia).

2 Pequena lâmina de metal, terminada em ponta, que, adaptada a uma caneta, serve para escrever ou desenhar. [Pena XII]

3 O mata-borrão é usualmente um papel não encolado, que serve para absorver tinta ou qualquer outro líquido; papel mata-borrão, papel-chupão, chupão, papel de chupar. Chama-se também mata-borrão ao conjunto constituído por esse papel adaptado a um berço (buvar) de madeira ou de metal para a facilitação do uso do papel.

Se olharmos a nossa história no uso de computadores – e, provavelmente, para maioria de meus leitores ela não é muito maior que 20 anos – mereceria que considerássemos quando ela evolui neste período tanto em termos de softwares como em hardwares. Nestes basta lembrar como eram nossas primeiras pesadas e lentas máquinas, hoje transmutadas em delgados e velozes notebooks. Quanto aos softwares, um mirar na facilitação de nossa atividade de compor o texto através de editores de textos, cada vez mais aprimorados, que permitem que façamos um trabalho muito mais organizado e com grande simplificação nas atividades.

Para que se avalie o que significam, hoje, estes editores, vale que se recorde aquilo que – talvez há não muito mais de 20 anos –, representava o preparo de um texto onde a tesoura (ou a gilete) e um tubo de cola (falo em cola para fazer uma atualização, pois as chamadas colas plásticas são muito recentes, e antes se usava goma arábica4 ou, domesticamente, grude5) eram acessórios indispensáveis na produção de um original para ser submetido posteriormente a datilografia. Estes materiais agora são substituídos pela ação fácil e limpa de ícones que fazem no vídeo estas operações de recortar, copiar, transportar e colar. Aqui é oportuno recordar o que significava antes a tarefa de preparar uma lista de referências bibliográficas e como isto é facilitado agora com a adoção de um estilo que ordena e formata as sucessivas alterações que vamos fazendo à medida que ocorrem as citações bibliográficas no corpo do texto. Facilidade maior ocorre com o uso de notas de rodapé ou com o preparo de extensas referências bibliográficas.

4 Goma-arábica: Resina produzida por diversas árvores do gênero Acácia e usada para colar papéis.

5 Grude: Massa feita com farinha de trigo, dextrina, ou polvilho de mandioca e água, usada para colar papel, cartão.

Esta é apenas uma amostra de modificações no ferramental de escrita que queria trazer para meus leitores nesta primeira quarta-feira de 2011. Junto a estas evocações meus votos de um bom dia e um convite para um novo encontro amanhã, para qual anuncio na mesma vertente de hoje: a escrita sinistra.

2 comentários:

  1. Sempre tive vontade de escrever numa caneta de penas viu? Minha letra que é feia, acho que ficaria até melhorzinha hahahaha Mas então Chassot, a evolução da escrita chega a ser instigante, mas sei lá viu? Quanto mais vai surgindo essa modernidade, parece que as pessoas vão escrevendo "pior" e esses trabalhos nem são mais valorizados como antes. Juro que se eu pudesse eu voltaria a 150 anos atrás, mesmo não tendo microondas, internet ou carro. As pessoas tinham alma mais artística, hoje tudo viraram robô.
    Olha, estou mandando um pouco de chuva ai pro Sul. Vi uma reportagem ontem no jornal e logo me liguei a vc. Nao sabia que existia possibilidade de secas no R.S. Viu como tá tudo danado? E as pessoas ainda brincam jogando papelzinho de balas no chão. Bom diaaaa!!!

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  2. Muito atenta leitora Gabriella,
    primeiro celebro o privilégio de te ter com leitora. Nem precisaríamos retroceder 150 anos. O celular tem 20 anos, o Google foi criado em 1998. Um mundo sem internet seria fantasticamente diferente. Dizes que teríamos almas mais artísticas, mas eu não leria teu blogue tão esmerado.
    Agradeço a torcida por chuvas. Ver os agricultores perderem a plantação dói-me a alma.
    Um afago com admiração
    attico chassot

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