segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

13: Da favela à Esplanada

Porto Alegre Ano 5 # 1593

Esta segunda-feira que, às vésperas do verão, se tinta invernosa. Temperaturas em torno de 10ºC e sensação de frio aumentada por vento gélido. Algo muito propicio para uma gripe que se despedia receber um up grade. É, praticamente, a última semana completa do ano.

No dia 25 de novembro contei aqui a comovente história de Ana, a menina que ascendeu da miséria a uma destacada posição acadêmica, que conheci fazendo seu primeiro voo internacional, para em Montevidéu apresentar uma comunicação sobre Direitos Humanos e Pobreza. Ela comoveu-me nos voos Cuiabá/Campo Grande/Guarulhos.

Hoje trago a história de Marivaldo de Castro Pereira, 31 anos, cresceu em um barraco de madeira numa favela de São Paulo, catou resto de comida no fim da feira, trabalhou desde os nove anos de idade, conseguiu entrar na Faculdade de Direito da USP após estudar apenas em escolas públicas, fez mestrado também na USP e, desde o dia 2 de setembro deste ano, é o secretário nacional da Reforma do Judiciário.

O texto é um depoimento de Marivaldo a Uirá Machado e está publicado na Folha de S. Paulo deste sábado. Há muitas semelhanças com a História de Ana. Vale ler.

Às vezes, voltando da escola com os colegas, eu encontrava meu pai caído no caminho de casa, bêbado. Isso dava muita vergonha.
Meu pai tinha problema com álcool, batia na minha mãe. Ele torrava tudo com bebida e não deixava minha mãe trabalhar. Às vezes a gente tinha que pegar resto de comida no fim da feira.
Tudo isso aconteceu já em São Paulo, mas eu nasci em Brasília. Meus pais são de uma cidade chamada Correntina, no interior da Bahia.
Eles vieram para Brasília em 1977 em busca de emprego, e eu nasci dois anos depois. Meu pai começou a trabalhar como pedreiro. Quando tiveram o quarto filho, a vida ficou difícil, então eles decidiram tentar São Paulo. Eu tinha quatro anos.
Meu pai conseguiu um barraco num terreno em Pirituba [periferia de São Paulo]. Era um barraco mesmo, de madeira, precário. Eu só fui morar numa casa de alvenaria depois que meus pais se separaram e me mudei com a minha mãe para o Jaraguá [também na periferia de SP].
Eu tinha oito anos. Minha mãe começou a trabalhar de diarista para sustentar os quatro filhos. Ela sempre foi trabalhadora e colocava a gente em primeiro lugar.
Trabalho: Comecei a trabalhar com nove anos, na feira. Foi um período bacana, porque eu tinha autonomia para comprar alguma coisinha.
Eu trabalhava e estudava. Minha mãe nunca admitiu que a gente não estudasse. Todos os meus irmãos conseguiram concluir o ensino superior. Minha mãe é bem orgulhosa - ela só completou ensino básico e médio quando eu já estava na faculdade.
Como eu estudava em escola pública, não tinha perspectiva de entrar em uma universidade. Tinha professor que dizia: "Vai tentar a USP? Esquece, compra um jeans que é mais vantajoso".
Antes da faculdade, trabalhei numa fábrica de acendedor de fogão, depois como ajudante de pedreiro, como contínuo em uma farmácia, como "boy" interno numa concessionária de veículos.
Foi na concessionária que ouvi falar do Cursinho da Poli [pré-vestibular voltado para alunos carentes]. Trabalhava das 8h à 18h e depois ia para o cursinho. No segundo semestre de 1997, comecei a trabalhar das 6h às 15h. Chegava mais cedo na aula e cochilava um pouco.
Quando veio o vestibular, tomei uma porrada. Não passei, fiquei muito mal. O que me ajudou foi o rap, sobretudo os Racionais MC's. A música que mais me marcou foi "Negro limitado".
Para levantar a cabeça, ouvi rap e prometi não dormir mais antes da aula. Eu acordava às 5h30, trabalhava das 6h às 15h, estudava e chegava em casa depois da meia-noite. Foi assim o ano inteiro, mas valeu a pena.
Universidade: Entrar na USP mudou minha vida. Ninguém imagina o que é entrar na universidade pública quando você vem da periferia. É um outro mundo, muitas portas se abrem.
A escolha pelo direito eu fiz no cursinho. Estava em dúvida, porque gostava muito de engenharia mecânica, mas a militância política direcionou minha opção. Busquei o direito porque achava que poderia ajudar a transformar a sociedade.
Na faculdade, eu me sentia um estranho no ninho, eu tinha preconceito e também sofria preconceito, mas aos poucos fui me enturmando.
A minha turma quis se dar um nome. A gente formou o "100% Favela", com camiseta e tudo. Não eram todos da favela, só alguns, mas aquilo era legal, era uma provocação para a galera mais esnobe da faculdade. Minha ideia era politizar todo mundo.
Na vida acadêmica, me envolvi com política estudantil e trabalhei assessorando movimento de moradia. Trabalhei com José Eduardo Cardozo, que era vereador [pelo PT] naquela época [agora escolhido para ser ministro da Justiça no governo Dilma].
Ao sair da faculdade, tentei advogar, mas foi um desastre. Eu só advogava para gente pobre e acabava pagando para trabalhar.
Em 2005, voltei para Brasília, onde tudo começou. Quem me chamou foi o Pierpaolo [Bottini], quando virou secretário da Reforma do Judiciário. A gente se conheceu na faculdade, atuando no movimento de moradia.
Assumi o Departamento de Política Judiciária, depois a sub-chefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e, agora, a Secretaria Nacional da Reforma o Judiciário.
O grande objetivo é aproveitar a experiência que eu tive na Casa Civil e aproximar a política de acesso à Justiça das demais políticas sociais.
A minha história me permite entender o sofrimento das pessoas com pouco dinheiro e compreender que toda política pública precisa levar os mais pobres em consideração. A vida de quem está na pobreza é muito difícil. Quem nasceu com dinheiro nem imagina quanto é difícil.

Concluo, num dia gélido com cálidos votos de uma boa quase última segunda-feira útil do ano. Hoje pela manhã encerro as aulas de Prática Pedagógica no curso de Filosofia. À tarde, tenho meu último encontro do ano na Universidade do Adulto Maior; sentirei saudades deste grupo, com o qual já convivi em duas edições. Em março terei uma nova turma. Deste meu já 7º semestre letivo no Centro Universitário Metodista do IPA restam as aulas de História e Filosofia da Ciência no Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão que encerro na sexta-feira e três bancas em janeiro. Realmente essa semana já sabe a fim de ano.

7 comentários:

  1. Olá.
    Achei muito linda a história de hoje e me identifiquei muito, sabes que tbm tive pai alcoolatra e já moramos em barracos tão pequenos que alguns dormiam embaixo da mesa.
    Mas é muito bom olharmos para trás e contemplarmos essas vitórias.
    Não cheguei tão longe como o da história de hoje, mas ainda estamos caminhando e desejo que o mesmo faça um excelente trabalho, implementando políticas públicas que
    possam simplificar o acesso à Justiça.
    Abçs.
    Ana

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  2. Muito querida Ana,
    lembrei-me muito da tua sofrida história que me emocionou e a meus leitores. Há muitos paralelismos.
    Obrigado por presentear a esta blogue tão densos comentários.
    Desejo que assim como o Marivaldo, ascendas cada vez mais em tuas conquistas.
    Que o mestrado que vais iniciar seja um degrau significativo nessa ascensão.
    Com continuada admiração um afago do


    attico chassot

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  3. Boa noite, Professor!
    Eu, acabei entrando de férias mais cedo!
    Rsssss!
    Ou não, não é mesmo?! Porque a labuta agora é maior!
    =]
    Enfim atualizei o QUIMILOKOS, depois da loucura que estava minha vida esses últimos dias, como o senhor bem sabe; e coloquei foto da minha Princesinha!
    Quando lhe sobrar um tempinho, passe por lá, ok?!
    O link direto da postagem é:
    http://quimilokos.blogspot.com/2010/12/noticias.html
    Um forte abraço, já recheado da alegria do Natal que se aproxima!

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  4. Muito querida Thaiza,
    ‘conheci’ a Ellen. É uma princesinha. É linda e em nada parece ser prematura. Ao contrário, achei-a desenvolvida para suas duas semanas de vida extrauterina.
    Foi gosto rever-te grávida e recordar nosso encontro ao vivo em Brasília no 22 de julho deste ano.
    Não preciso dizer o quanto torço para que tu e os teus tenham o melhor Natal, que para vocês começou dia 29.
    Um afago muito carinhoso do

    attico chassot

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  5. Aaaah Professor!
    Fico feliz que tenhas atendido meu pedido!
    =]
    É sempre bom recebê-lo!
    .
    "Pois num é?!"
    Ela nasceu com 47cm até, e 2,5Kg, também achei grandinha por ser prematura!
    Mesmo porque ela dividia UTI com bebês de 1,3Kg, 800g...Uma das pediatras plantonistas até brincava com os pais em horário de visita, dizendo que lá ficava dividido entre a ala das 'baleias' e a das 'tripinhas'.
    E, quem liderava as 'baleias' era a senhorita Ellen!Só perdia para outro de 2,7Kg.
    Rssssss!!
    Muito obrigada pelo carinho!

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  6. Olá, Mestre,
    que felicidade a chegada de um bebê, eu que tive o privilégio de ser mãe, sei como é maravilhoso! Parabéns à prof. Thaiza!
    Gostaria de lhe comunicar, mestre, que também nasceu a Clara, no dia 20 de novembro, filha da professora Izabel e do Glauco, ambos professores de Química!
    A Izabel o senhor conheceu aqui no CEEBJA.
    Abraços,
    Malu.

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  7. Maria Lúcia querida,
    a Thaiza vive as alegrias de um Natal que começo dia 29 de novembro. Jnto cópia de tua mensagem para que ela receba teus parabéns.
    Parabéns para a Izabel lembro dela) e para o Glauco. Clara é um nome denso de significados para mim, pois é o nome de minha mãe, de uma de minhas irmãs e de uma de minhas netas.
    Um afago aos amigos do CEBJA Paulo Freire,

    attico chassot

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