sexta-feira, 19 de novembro de 2010

19. Por que o Lego é o jogo mais genial do mundo?

Porto Alegre Ano 5 # 1569

Manhã ensolarada esta que se recorda o dia da bandeira. Lembro que em meu tempo de Escola cantávamos:

Salve, lindo pendão da esperança,

Salve, símbolo augusto da paz

Tua nobre presença à lembrança

A grandeza da Pátria nos traz.

Não sei se os jovens hoje aprendem esse hino composto por Olavo Bilac.

Hoje também a celebração litúrgica de que muito cultuávamos em minha casa como ‘os beatos mártires rio-grandenses’. Eles foram canonizados mais recentemente. Ainda neste domingo fotografei uma estátua de São Roque Gonzáles na catedral de Buenos Aires, chamando-me atenção a algo difícil de ver na minha foto: tem uma cuia de chimarrão (modelo argentino) na mão direita. Para mim isso pareceu muito exótico.

A blogada de ontem recebeu significativo comentário da Prof. Thaiza Montine de Goiânia. Ela é editora do um dos blogues voltados ao ensino de Química mais conceituado: http://quimilokos.blogspot.com/. O assunto continua hoje. É em homenagem a querida colega Thaiza e a cada uma e cada um dos leitores que se envolvem alfabetização científica o texto que segue.

Na instigante novela de Jostein Gaarder acerca da história da filosofia, O Mundo de Sofia (São Paulo: Companhia das Letras, 1995), numa das primeiras cartas que Sofia recebe de um misterioso filósofo há apenas uma interrogação: Por que o Lego é o jogo mais genial do mundo? Nas páginas seguintes o autor faz uma admirável analogia entre as variadas peças de Lego e as propostas de explicações da natureza de Demócrito (460-370 a. C). Assim, alguns poucos átomos formam milhares de substâncias diferentes, também as variadas peças de Lego servem para construir diferentes objetos, pois como os átomos de Demócrito são de diferentes formas e tamanho, maciças e impenetráveis. Por serem resistentes podem ser usadas para construir diferentes brinquedos por várias gerações de crianças. Da mesma maneira, quando um corpopor exemplo, uma árvore ou um animal – morre e se desintegra, os átomos do mesmo são reutilizados novamente em outros corpos. Os átomos são constantes no universoexcetuado apenas os que se transmutam nos processos radioativos – e são sempre os mesmos usados na formação de novas substâncias.

É importante observar quanta adequação há, hoje, no modelo de Demócrito para explicarmos a maioria das nossas necessidades sobre átomos. É claro que, por desconhecer maneiras mais apropriadas e aprofundadas de investigar a natureza da matéria, Demócrito não fala de elétrons, prótons, nêutrons. É preciso sublinhar que esta aparente limitação do modelo de Demócrito não fazia falta para se explicar, então, aquilo que se desejava para entender a natureza. Estas partículas, tidas como fundamentais, foram descobertas recentemente. Os nêutrons, por exemplo, foram descobertos em 1932 e então foram incorporados ao modelo, porque houve necessidade de se explicar, por exemplo, a grande concentração de massa no núcleo. Mas estas partículas também não são mais consideradas indivisíveis. Há modelos (confirmados experimentalmente em abril de 1994) onde se consideram os quarks e os léptons como partículas formadoras dos prótons. Há não muito tempo (fevereiro de 1996) cientistas anunciaram a possibilidade dos quarks serem divisíveis. Se isto for confirmado, teremos a reedição do feito de Rutherford (1871-1937), quando anunciou que átomos tinham núcleo. Vemos que podemos pensar em um não limite de novos modelos para o átomo. Esta é uma razão para que não ignoremos como nossos modelos são prováveis e também como modelos, às vezes rotulados de obsoletos, podem ser considerados adequados para muitas situações onde não se exige maiores detalhamentos.

Quando falamos que os modelos de átomos são prováveis temos que ter presente que as moléculas que construímos com estes modelos são também modelos prováveis. Isso implica considerar que com estes modelos prováveis de moléculas fazemos modelos prováveis de reações. Há, aqui, a necessidade de considerar como, usualmente, falamos de modelos de átomos e não falamos de modelos de moléculas ou de modelos de reações químicas. Se observarmos a maioria dos livros didáticos, encontramos descrições de modelos de átomos, porém quando se discute as moléculas e as reações químicas, se fala destas como se falássemos de realidades corpóreas e não, de objetos modelados. É como se usássemos objetos simbólicos para representar casas, edifícios, ruas, automóveis e depois, ao invés de dizer: isso é a maquete de uma cidade, disséssemos isso é uma cidade.

Esses comentários fazem aflorar uma citação – inspirada na Bíblia e no Alcorãoque menciono no livro Alfabetização científica: Questões e desafios para a Educação (Chassot, 2000; 5ª ed. 2010), ao discutir a dificuldade de se fazer modelos adequados para os átomos: “... e d’Ele não farás imagens!” recordando que de Deus não se deve fazer representações. Aliás, sabemos como entre os islâmicos esse preceito é cumprido com rigor, não havendo nas mesquitas nenhuma imagem que possa ser uma representação divina ou que os judeus, em seus textos sagrados, e entre os mais ortodoxos, em qualquer texto, nem sequer escrevem o nome de Deus por extenso.

A necessidade de se usar modelos é consequência de duas limitações: (1) os modelos se destinam a descrições de situações com as quais dificilmente interagimos diretamente, e das quais conhecemos apenas os efeitos; e (2) os modelos são simplificações de situações muito diversificadas, para as quais haveria necessidade de milhares de descrições diferentes. Essass duas limitações concorrem muito, ainda que diferentemente, para que determinemos as nossas exigências sobre o modelo que vamos elaborar.

Quando consideramos os dois modelos seguintes: (A) o modelo atômico; e (B) a descrição de um gás ideal, vemos como os modelos propostos comportam-se em função das limitações antes apresentadas.

Não obstante, se é solicitado a um grupo de pessoas que elaborem um modelo de um objeto, este será o produto do que elas conhecem do objeto em questão. Emum mesmo grupo, poderemos ter modelos (do mesmo objeto) muito diferentes entre eles, como decorrência dos diferentes conhecimentos que as pessoas têm do objeto que modelaram. Um surfista tem condições de fazer (e certamente o faz) modelos de ondas do mar mais próximas da realidade de que o banhista, que fica na areia da praia, ou ainda, daquele que nunca viu o mar. O conhecimento que nós temos de algo é produto de nossa experiência vivencial. Esta é uma característica da construção de um modelo. Somente conseguimos falar do modelado a partir de nossa vivência com o mesmo. Quem nunca assistiu a uma corrida de touro pode fazer algum modelo a partir de uma ilustração ou de cenas de um filme ou um noticioso. Todaviaexpertos que escrevem, em tratados de centenas de páginas, os conhecimentos a respeito de movimentos, roupagem, tipos de touro.

Ainda continuo este assunto. Não amanhã que dia de dica de leitura. Por hora meus votos de uma muito boa sexta-feira a cada uma e cada um. A manhã linda que já vivemos não é símbolo de tempo bom. Sonhamos com chuva. Ela faz falta.

2 comentários:

  1. Boa noite, Professor!
    Aaaaaah, que fofo da parte do senhor citar-me nesta postagem de hoje!
    ^^!
    Fico lisonjeada, o senhor sabe diso!
    =]
    Sabe que talvez usar o próprio lego em sala de aula possa auxiliar os meninos a associarem sobre modelos atômicos?!
    Se tem algo que acho difícil é ensinar esse conteúdo a meninos[as] de 9º ano do fundamental ou do 1º do Médio!!
    Na verdade, é como se fosse sacanagem com eles, pois exige um nível de abstração que a maioria ainda não possui! E o coitado do professor tem que virar do avesso para tentar enfiar na cabeça deles o assunto...acho que começa láááá no 9º ano a grande repúdia que os alunos tem da Química! E muitas vezes a culpa nem é da Química em si, mas do professor, que não soube como levar determinado conteúdo a eles!
    E aí a bola de neve só vai aumentando, pois são 'n' fatores que levaram esse professor às dificuldades que tem!
    .
    Quanto ao hino no início da postagem, por várias vezes me lembro de ouvir meu pai cantando!
    Rssss!
    Uma ótima noite de sexta ao senhor!!
    =D

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  2. Muito querida Thaiza,
    a citação foi merecida pela sintonia continuada nesta blogada. O assunto acerca de modelos é algo envolvente e se não cuidarmos ~~ como referes ~~ faremos verdadeiros estupros químicos nas crianças.
    Desejo que este penúltimo sábado de novembro seja parte saborosas deste advento que prepara a chegada da esperada Ellen,
    afagos agradecidos do

    attico chassot

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