terça-feira, 13 de julho de 2010

13.- Coltan: o precioso ouro azul, manchado de sangue

Porto Alegre Ano 4 # 1440

Vou contar nesta madrugada fria, cerca de 5ºC (com temperaturas negativas em diferentes regiões do Rio Grande do Sul) – uma pequena – mas importante e dolorosa – história. Meus leitores que me acompanharam aqui nas últimas duas semanas conhecem os passos que vou fazer, mas como eu – e, talvez por minha causa – foram menos atentos.

No dia 28 de junho escrevi aqui acerca do Denis Mukwege. Disse então que ele é médico, formado no Burundi. Este é um pequeno país de África, que foi colônia belga, encravado entre o Ruanda a norte, a Tanzânia a leste e a sul e a República Democrática do Congo a oeste. É o país mais pobre do continente africano mesmo tendo um solo muito rico em riquezas minerais, como coltan [Coltan é um mistura de dois minerais: Columbita e Tantalita. Em português essa mistura recebe o nome columbita-tantalita. Da columbita se extrai o nióbio e da tantalita, o tântalo], ouro e outros minerais.

Pois hoje quero falar acerca do que está entre os colchetes, que eu, de maneira ingênua, enxertei no texto acima, por não saber o que era coltan. Dias depois (quinta-feira, dia 8 deste mês) quando trouxe correspondências trocadas com o Dr. Milton Paulo de Oliveira, o cirurgião plástico gaúcho, que em 2008 foi à República Democrática do Congo e operou junto com o Dr. Denis Mukwege, escrevi, que no endereço do grupo Task Force há possibilidade de preciosos (e, às vezes dolorosos) aprendizados sobre África, como por exemplo: A alta tecnologia está ligada à guerra e à barbárie não apenas por meio da indústria de armas. Computadores, celulares e outros equipamentos eletrônicos podem ser parte de uma trágica conexão entre tecnologias avançadas e o sofrimento humano, o trabalho escravo e guerras intermináveis. Mais uma vez, fui ingênuo.

Ontem o Dr. Milton Paulo postou um comentário neste blogue do qual trago um excerto: a Espanha me surpreendeu por dois motivos. O primeiro, a conquista da Copa do Mundo, mas o segundo creia, professor, foi o mais impactante. Soube da publicação de um livro chamado “Coltan" do jornalista espanhol Alberto Vázques-Figueroa, através de matéria na TV espanhola, que adicionei em meu blog Task Force. Como um problema dessa magnitude permanece quase desconhecido em nosso país? Figueroa, muito bem dá a resposta.

Este comentário deixou-me instigado. A agenda era extensa na segunda-feira chuvosa e fria. Cavei tempo. Primeiro conheci Alberto Vázques-Figueroa. Ele

nasceu o 11 de novembro de 1936 na capital de Tenrife. Pouco depois, vê-se exilado com sua família a África por motivos políticos, onde passou toda sua infância e adolescência. Aos vinte anos converteu-se em professor de submarinismo num navio-escola. Cursou jornalismo em Madri e a partir de 1962 começou a trabalhar como enviado especial de jornais e revistas e, posteriormente, da Televisão Espanhola. Depois de quinze anos de jornalismo, centrou sua trajetória literária, com mais de quarenta livros publicados e traduzidos aos mais diversos idiomas. Nove de suas novelas foram levadas ao cinema e nos dias atuais, é um dos autores mais lidos do panorama literário espanhol.

Li alguns excertos do livro que refere o Dr. Milton Paulo no Google.Books e vi os vídeos da Televisão Espanhola, com entrevistas muito didáticas de Alberto Vázques-Figueroa a partir amanipucrs.blogspot.com/ e então convenci-me que devia explicações a meus leitores sobre o ‘Coltan’.

Retomem o meu entre colchetes do dia 28. Coltan é um mistura de dois minerais: Columbita e Tantalita. A columbita não tem valor significativo. O coltan é o ouro azul, no qual o valor está na tantalita, minério de onde se extrai o tântalo. É devido ao tântalo que os telefones celulares, televisores, computadores, os satélites, os GPS... diminuíram de tamanho, de maneira tão significativa nos últimos anos. Mas isso é muito pouco.

O tântalo é um metal cinzento, pesado, dúctil, muito duro, resistente a corrosão por ácidos e um bom condutor de calor e eletricidade (talvez 80 vezes maior que o cobre). Em temperaturas abaixo de 150°C o tântalo é quase completamente imune ao ataque químico, mesmo pela agressiva água régia. Somente é atacado pelo ácido fluorídrico ou mediante fusão alcalina. O elemento tem um ponto de fusão apenas menor que o do tungstênio e o rênio. O tântalo tem a maior capacitância por volume entre todas as substâncias.

O principal uso do tântalo é como óxido, um material dielétrico, para a produção de componentes eletrônicos, principalmente capacitores, que são muito pequenos em relação a sua capacidade. Por causa desta vantagem do tamanho e do peso os principais usos para os capacitores de tântalo incluem uma ampla gama de aparelhos que assistimos miniaturizar-se nos últimos anos.

O tântalo também é usado para produzir uma série de ligas que possuem altos pontos de fusão, alta resistência e boa ductilidade. O tântalo de carbono, um tipo de carbeto muito duro, é usado para produzir ferramentas de cortes, furadeiras e máquinas trefiladoras. O tântalo em superligas é usado para produzir componentes de motores de jatos, equipamentos para processos químicos, peças de mísseis e reatores nucleares. Filamentos de tântalo são usados para a evaporação de outros metais como o alumínio.

Por ser não-irritante e totalmente imune à ação dos fluidos corporais, é usado extensivamente para produzir equipamentos e implantes cirúrgicos em medicina e odontologia. O óxido de tântalo é usado para elevar o índice de refração de vidros especiais para lentes de câmera. O metal também é usado para produzir peças eletrolíticas de fornalhas de vácuo.

As maiores reservas de tantalita (na forma coltan, ou seja, junto com a columbita) estão na República do Congo (cerca de 80%; a Austrália, Brasil e Tailândia tem cerca de 20%). Ocorre que essa riqueza mineral do século 21, cujo valor era desconhecido a cerca de 20 anos, catalisa uma guerra civil há anos em torno da posse das minas, entre outras complicações étnicas, territoriais e políticas. Quem domina o coltan... dominará todas as comunicações. Não é sem razão que as guerras locais, nos é apresentado como guerras tribais. É negócio sujo. É crime. Se continuam os massacres que houve quando da colonização da África.

A ONU apresenta estimativas desconcertantes: talvez, já morreram mais 4 milhões de pessoas na disputa pelo "ouro azul", além do impressionante faturamento de mais de US$250 milhões que teve o Exército de Ruanda com o comércio do caro mineral, mesmo que não haja mineração de coltan neste país vizinho do Congo.

A mineração do ‘ouro azul’ emprega crianças em condições subumanas e provoca grandes impactos no meio-ambiente tropical do Congo, uma vez que não se tomam as devidas medidas de mitigação ambiental (fato óbvio no meio de uma região em guerra) além das minas se estarem próximas e algumas dentro de parques nacionais.

Trouxe muito pouco. Talvez o mitológico ‘suplício de ‘Tântalo’ seja um prenúncio desta tragédia do Século 21. Vou voltar com esse assunto. Por hoje, votos de uma muito boa terça-feira.

19 comentários:

  1. Inesquecível Chassot,
    Desconhecia sobre a história(definição,importância, avanços,guerra e sofrimento) do coltan. Pretendo aprender mais. Até a amanhã.
    Saudades!!!

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  2. Muito querida colega Joélia,
    recebo teu comentário numa noite gélida.
    Acredito que essa blogada que recebe tua manifestação acerca de sua importância é talvez dos assuntos mais desconhecidos e importantes que postei.
    Um afago com saudades recíprocas.
    attico chassot

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  3. Caríssimo Professor Chassot, ao ler o seu último texto, com sua imensa generosidade, sensibilidade e interesse volto a pensar numa frase que o Dr. Mukwege deixou em Porto Alegre. Qual a saída para isso?, perguntei a Mukwege.
    - Voz, minha voz, tua voz....a esperança na multiplicação de todas vozes, de todas pessoas que ainda conseguem ouvir! Assim, ainda nessa madrugada fria, enviarei uma mensagem ao Dr. Mukwege. Direi que, para minha alegria, ouvi muitas vozes depois de sua visita. O professor Chassot é uma dessas vozes, mas não contetando com a própria ,intuitivamente,esforça-se em multiplicá-la. Esse homem não ouviu o que tu dissestes Dr.Mukwege,mas certamente ouve o seu imenso coração!

    Um grande abraço, professor!

    Milton Paulo

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  4. Meu muito estimado amigo Milton Paulo,
    tenho muito orgulho em poder, com palidez, associar-me a ressonância que trazes ao trabalho do Dr. Mukwege.
    Com cada vez maior admiração e continuada disponibilidade.
    attico chassot

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  5. Attico, obrigada pela aula! bjs
    Carla

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  6. Carla querida,
    não sei se nestes quase quatro anos, essa blogada que agradeces, teve assunto mais significativo.
    Obrigado por teu apoio a essa denúncia.
    Um afago do
    attico

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  7. Oi Professor,

    Andei lendo as postagens antigas e descobri que sua cópia de Madame Curie está comprometida...Vc sabe que não podes ficar sem ela .Portanto confirme seu endereço que te mandarei duas cópias para garantir. (gnmoura@gmail.com).A propósito como está a variação da entalpia aí?

    Forte abraço

    Geziel

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  8. Meu querido Geziel,
    que alegria receber tu mensagem desde a calorosa Belém neste sul friorento. Há um tempo te fazias ausente neste blogue. Saúdo vibrante tua volta.
    Lembro muitas manifestações de carinho que já recebi de ti: no ano passado me levaste em madrugado ao aeroporto e em janeiro de 2007 me presenteaste com o filme “Madame Curie’. Realmente tua visitação a este blogue te fez constatar que minha cópia, talvez pelo muito uso. Obrigado se me repuseres.
    Meu endereço: Rua Mariante, 322/701 Porto Alegre CEP 90430-180.
    Como vão tuas atividades? Estás trabalhando aonde? Gostarria de saber de ti.
    Obrigado pelo filme, pelas tantas provas de amizade e também pelo teu retorno,
    attico chassot

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  9. Prezado Professor,

    Estive entre o dia 5 e 15 deste mês em São Paulo, entrevistando 09 professores que participaram dos projetos educacionais de ciências, realizados pelo antigo IBBEC, FUNBEC e CECISP, provavelmente o maior movimento para melhoria do ensino científico verificados no Brasil entre os anos 60 e 70, Pós-Sputnik.Tive a grande oportunidade de conversar com professores que participaram da tradução dos famosos livros estadunidenses de química (Chems e CBA).Entrevistei ainda a Professora Mirian Krasilchik e o Dr. Isaias Raw que orquestraram tais projetos cientifícos.Gostaria de saber se o amigo teve acesso ao Nuffield de química (projeto inglês)que não foi traduzido, para o portugûes, por este grupo que está ligado a USP ou UNICAMP.Continuo militando na educação básica aqui em Belém e preparando-me para o doutoramente.Quanto ao vídeo te mando nesta semana que entra.

    Forte abraço,

    Geziel

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  10. Meu caro Geziel,
    tu és o madrugador belenita que já visitou hoje o meu blogue. Sobre o assunto que pesquisas, escrevi um capítulo: CHASSOT, A. I. Ensino de Ciências no começo da segunda metade do século da tecnologia. In: Alice Casimiro Lopes; Elizabeth Macedo. (Org.). Currículo de Ciências em debate. 1 ed. São Paulo: Papirus, 2004, p. 13-44
    Caso não conheças posso e enviar. Participei de algumas aplicações do Projeto Nuffield no Colégio de Aplicação da UFRGS e já vi artigo de Todesco e Sartori publicado sobre essa experiência.
    Um muito bom domingo
    attico chassot

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  11. Professor,

    Não só conheço o seu texto como ele é citado em minha dissertação de mestrado que conclui em 2008, agora quanto ao projeto inglês NUFFIELD, o grupo da USP só traduziu o de Biologia,parece-me que pela sua fala ele foi trabalhado aí no sul, será que tal projeto não foi traduzido pelo CECIRS?Gostaria de conhecê-lo, assim como tenho estudado o CBA e CHEMS.Assim, se o senhor souber o nome dos artigos de Todesco e Sartoni, por gentileza confirmar.Lembnrando, como bem sabes, que agora estamos no verão amazõnida, ou seja, o período da diminuição das ocorrências da chuvas.

    Abraço!!

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  12. Em Tempo:

    Em minha pesquisa de campo na cidade de São Paulo, fui até o museu do CTA (Centro tecnológico aeroespacial)em São José dos Campos, cidade que conversei com o professor Antônio Texeira, atual vice-reitor da UNIVAP e ex-presidente da FUNBEC,em tal museu tive a grata surpresa de ver uma réplica do original Sputinik 1,disse para a funcionária pelo museu:"Você não imagina a transformação no ensino das ciências que esta esfera e suas quatro antenas motivaram nos EUA e seus aliados, como o Brasil.

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  13. Meu caro Geziel,
    entrei no Lattes de Clarisse Maria Sartori Piatnicki e não encontrei o artigo Acerca do Nuffield. O outro autor Antonio B.J.B. Todesco é falecido. Amanhã vou telefonar ao Instituto de Química e vou ver se localizo a Clarisse.
    Mas quando leio os nomes que entrevistaste, penso que pouco há acrescentar com esse artigo, a menos que talvez refira a um pequeno (e quase único do Nuffield em Química no Brasil). ¿Essa pesquisa é para teu doutorado?
    Aqui segue chovendo.
    Saudades de Belém.
    Com amizade e admiração
    attico chassot

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  14. Meu caro Geziel,
    respondi essa mensagem no teu ‘Em tempo’ em outro comentário que postei.
    Aproveito para ratificar o que assunto nesse espaço que fizeste local de nosso reencontro, para colocar o tema Coltan como dos mais relevantes de minhas blogadas.
    Olha o que digo na blogada de hoje ao dar os destaques da semana.
    Eis um bom assunto para ser levado às salas de aula na Educação básica.
    Com estima e celebrando reencontros,
    attico chassot

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  15. Professor,

    Ressalto que os livros da nuffield foundation , exceto o de biologia,não foram traduzidos no Brasil pelo grupo da USP.A única referência que tenho sobre tal projeto (química) Inglês é a do senhor, que devo ter lido em algum texto seu que no momento não me recordo.A pesquisa que ando fazendo é visando o doutorado, estou no momento procurando as "lacunas" ainda não preenchidas desta temática.

    Geziel

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  16. Meu caro Geziel,
    ratifico minha promessa: vou tentar localizar a Clarisse, que foi co-autora, com Todesco, (no final dos 60s) de um texto acerca do uso do Nuffield em Química. Eu refiro que conheci isso vagamente enquanto aluno da Licenciatura em Química; graduei-me em 1965, ano em que por um mês fiquei em São Paulo sendo ‘treinado’ no Chemical Bond Aproach. Fizemos muitas práticas de laboratório, que não seguiam tão rigorosamente a proposta de um ensino pela descoberta, pois os experimentos eram mais demonstrativos. Tivemos acesso a muitos manuais, em geral ainda em versões experimentais, recém traduzidos para o português.
    Conto isso em artigo que conheces: CHASSOT, A. I. Ensino de Ciências no começo da segunda metade do século da tecnologia. In: Alice Casimiro Lopes; Elizabeth Macedo. (Org.). Currículo de Ciências em debate. 1 ed. São Paulo: Papirus, 2004, p. 13-44
    Vou ver o que consigo aditar a isso para colaborara com teu doutorado
    attico chassot

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  17. MILTON PAULO DE OLIVEIRA escreveu

    Carissímo, Professor Chassot. Tenho notado que estás muito ocupado com muitos eventos e rodeado de carinho e admiração de seus alunos. Isso é maravilhoso!
    Quero aproveitar para lhe dizer ,que a partir do reitor da UFRGS, inicia-se uma predisposição de formatar um projeto para os problemas levantados pelo Dr. Mukwege em Porto Alegre. Conto com sua amável interesse e sensibilidade neste futuro projeto.

    Um grande abraço!

    Milton Paulo

    [] ACHASSOT respondeu
    Muito estimado Milton Paulo,
    agora encerrado o evento que me trouxe aqui e retido até a tarde em Brasília, posso responder tua atenciosa mensagem. Numa fala na terça-feira feira em Chapecó e aqui em falas na quinta-feira e sexta-feira perguntei a numerosos auditórios, onde predominavam mestres e doutores: ¿O que é coltan? Em nenhuma situação houve alguém que soubesse. Na semana passada em um auditório de cerca de 70 professoras e professores universitários, no Centro Universitário Metodista - IPA, houve um que sabia. Além de explicar, então, o que é coltan conto das vítimas das disputas das grandes potências e falo também do trabalho do Dr. Mukwege.
    O Carlos Alexandre, reitor da UFRGS foi meu aluno e eu apreciara colaborar no projeto que te envolve. Não deixes de envolver.
    Um muito bom domingo

    attico chassot

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  18. Meu tão querido Chassot!!
    No início desta leitura, recordei-me do escritor Mia Couto, o qual muito embora em temática tanto quanto diferente da postada por ti, lança à África um olhar contemporâneo, retrando diversas temáticas inerentes ao local...
    Muito interessante as informações a respeito do tântalo!! Muito enriquecedoras!!! Principalmente para mim como gestora ambiental em formação!!!
    Aprecio muito o teu blog!
    Deixo aqui votos de uma excelente semana!
    Um super beijo de quem muito te gosta e admira..
    Chiara

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  19. Muito querida Chiara Francesca,
    estou muito orgulhoso que este blogue possa colaborar na formação de competente gestora ambiental.
    Também me alegra que terei em ti alguém que, de vez em vez, trará aqui comentários abalizados.
    Afagos com admiração
    attico chassot

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