quarta-feira, 14 de abril de 2010

14* Um vaticanólogo em três tempos

Porto Alegre Ano 4 # 1350

Abro esta blogada, com o registro de uma terça-feira onde, uma vez, tive 100% dos alunos da turma de Filosofia em classe à noite. À tarde, me encantei com uma fala para cerca de 50 botânicos (mestrandos, doutorandos e doutores). Em minha coletânea de experiências inéditas recentes que já relatei aqui: começando por aquela babélica em Ålborg, depois foram as duas palestras ‘A Ciência é Masculina? É, sim senhora!’ uma muito exótica no Bar Farofa e outra também fora da academia, na Fundação CEEE e depois, uma aula-magna ‘abençoada’ pelo pastor e traduzida para LIBRAS e para encerrar uma palestra na Fundação Getúlio Vargas em fino hotel paulista, entremeada entre um café e um almoço. Pois ontem tive como nunca uma plateia formada exclusivamente por botânicos: e não pensam que deixei de falar de flores. Propor posturas indisciplinares a especialistas é desafiante. Foi muito agradável ter por quase duas horas um auditório atento e admiravelmente simpático. Sou grato a cada uma e cada um e de uma maneira especial à Prof. Dra. Ilsi Iob Boldrini, que indicou meu nome, depois de ouvir-me na UFSM, à Prof. Dra. Rosa Mara Borges da Silveira, Coordenadora do PPG em Botânica da UFRGS, que não apenas fez as honras da casa, mas participou das atividades, ao Prof. Dr. Jorge Waechter, Coordenador da disciplina queme acolheu e ao Prof. Dr. Fernando Rocha, coordenador dos Seminários e que fidalgamente me levou e me trouxe ao/do Campus do Vale.

Mas há nos últimos dias assuntos palpitantes. John Cornwell, um dos principais especialistas em Vaticano diz que escândalo de pedofilia ameaça se transformar na mais grave crise da Igreja Católica na história moderna, prevendo repercussões semelhantes ao cisma luterano em 1517. Por outro lado, contei ontem aqui que Richard Dawkin, um dos mais conceituados darwinistas, planeja uma emboscada legal para que o Papa Bento XVI seja detido por “crimes contra a Humanidade” durante a sua visita ao Reino Unido. Essa visita ao Reino Unido tem lances que merecem ser entendidos.

Como o brilhante texto de John Cornwell – professor no Centro de Estudos Avançados em Teologia e Religião do Jesus College, da Universidade de Cambridge – é extenso, vou oferecê-lo em três edições. A íntegra deste texto saiu na "New Statesman" e foi publicado na quarta capa do caderno Mais da Folha de S. Paulo do último domingo. Assim agora, a primeira parte. Amanhã e sexta-feira as outras duas partes.

Em uma tarde de verão no final da década de 1990, minha mulher e eu estávamos à beira de uma piscina nos montes Albano, ao sul de Roma. Observávamos um grupo de meninos de 10 a 13 anos que brincavam na água. Faziam parte de um coral britânico em turnê e haviam cantado em uma missa na basílica de São Pedro, no Vaticano.
Divertindo-se com eles, estava um seminarista, Joe Jordan, que os acompanhou, sem ser convidado, de Roma. Após observar seu comportamento ruidoso, que envolvia fazer cócegas e outras brincadeiras de mão, minha mulher, que lecionou em escolas de Londres por 14 anos, disse: "Aquele rapaz tem um problema: eu não o deixaria perto de uma criança sem supervisão".
No ano seguinte, Jordan foi ordenado padre e indicado para uma paróquia no País de Gales, no Reino Unido. Em 2000, foi condenado no Tribunal da Coroa, em Cardiff (capital do País de Gales), a oito anos de prisão por abuso sexual de menores em Doncaster e Barry, perto de Cardiff.
Quando perguntei ao reitor do seminário de Jordan por que minha mulher tinha levado apenas alguns minutos para identificar o que ele e seus colegas não conseguiram reconhecer em um período de cinco anos, ele disse: "Ora, Joe era um homem devoto. Não havia qualquer indício de problema".
O problema oculto de Jordan não era apenas dele e dos meninos de quem abusou, mas um problema de recrutamento, triagem e formação de padres católicos em todo o mundo. Hoje é um problema do papa. O escândalo dos padres católicos pedófilos pode se tornar a maior catástrofe a afligir a igreja de Roma desde a Reforma [no século 16].
A visita de Bento 16 ao Reino Unido em setembro o levará a Holyrood, onde será recebido pela rainha Elizabeth 2ª, cujo ancestral Henrique 8º fundou o protestantismo anglicano. Em uma missa ao ar livre no aeroporto de Coventry, ele irá abençoar as poucas relíquias de um inglês notável -o cardeal John Henry Newman [1801-90], líder espiritual da era vitoriana. Bento 16 deverá beatificar o mais célebre inglês convertido ao catolicismo.
É improvável que o papa busque nos extensos escritos do cardeal respostas para as questões urgentes sobre o sacerdócio católico disfuncional. Mas talvez devesse fazer isso.
O legado de Newman Em 1845, aos 44 anos, Newman deixou o ministério anglicano por Roma. Sua conversão abalou o país. Foi acusado de mentiroso, um apóstata que havia traído a família, a religião e a nação para adotar a "prostituta da Babilônia".
Somente quando ele se explicou, em sua "Apologia pro Vita Sua" (Em Defesa da Própria Vida), conseguiu afastar as alegações sobre sua honestidade. A reputação de Newman como um grande literato e teólogo continuou crescendo após sua morte. Porém seu maior legado para o sacerdócio católico hoje foi seu exemplo de vida celibatária enquanto desfrutava um companheirismo permanente e afetuoso.
Sua amizade íntima com o padre Ambrose St. John, com quem foi enterrado, muitas vezes foi interpretada como um relacionamento homossexual. Seja qual for o caso, a importância dessa intimidade foi sua maturidade -o apoio mútuo de amigos unidos em uma intensa vida pastoral e literária.
Quando o papa Bento 16 ainda era um jovem professor, conhecido como padre Joseph Ratzinger, ele, como muitos jovens teólogos do pós-guerra na Alemanha, escolheu Newman como seu herói intelectual.
Inspirado pelos textos de Newman, o padre Ratzinger foi um defensor entusiástico e explicador das iniciativas reformistas do Concílio Vaticano 2º. O papa João 23, que iniciou o Vaticano 2º, o comparou com abrir as janelas de um quarto abafado. Tudo, assim, ecoava a ideia de igreja de Newman.
"Aqui embaixo, viver é mudar", escreveu Newman, "e ser perfeito é ter mudado bastante". Newman insistiu, também, em que a consciência individual de uma pessoa é mais crucial que a autoridade da igreja. Os textos teológicos do jovem Ratzinger ecoam a influência de Newman.
Então algo traumático e nunca totalmente explicado aconteceu com o professor Ratzinger. Coincidiu com o período de rebeliões em 1968, quando um bando de estudantes blasfemos invadiu a Universidade de Tübingen, onde Ratzinger ensinava. Ele sentiu que havia vislumbrado o abismo de uma nova idade das trevas.

Que a chegada ao meio da semana enseje uma quarta-feira muito boa. Que vivamos as possibilidades de podermos fruir de textos sem censura, anuncio para amanhã a continuação, para que entendamos os sinais de nosso tempo.

4 comentários:

  1. Meu querido e estimado Mestre! Vibro com tuas atuaçoes e o sucesso que delas redunda, certamente por tua competencia, da qual sou testemunha. Quanto à Igreja Católica, creio que tens toda a razão quando dizes que a época atual para o catolicismo pode se assemelhar ao cisma luterano de 1517. Prevejo dias de Sodoma e Gomorra para a Santa Sé, principalmente para um Papa Burocrático e que dá mostras de recusar discutir polemicas em seu mandato. Abraços do JB e uma boa semana.

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  2. Muito querido (ex-)orientando Jairo,
    obrigado por vibrares com meus êxitos. Entrar de carona nos sucessos de outro – virtude que não te falta – não é usual na Academia.
    Quanto a Bento 16, tu como historiador e episcopaliano sabes o quanto o Papa ir ao Reino Unido e beatificar o Cardeal Neumann é – segundo minha despreparada ótica – (quase) uma afronta do Catolicismo Romana ao Anglicanismo, pois na verdade – s.m.j. – Neumann foi desertor
    Uma muito boa quarta-feira
    attico chassot

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  3. Mestre Chassot, auqe bom que tem passado por diferentes e instigantes situações ao apresentar suas palestras. É sempre bom renovar os ares.

    Quanto ao fragmento de hoje do texto, nada me chama mais aa atenção do que a velha expressão "prostituta da Babilônia". Os reformistas a usaram com uma frequência enorme para se referir a Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana. Fico no aguardo da continuação do texto do professor John Cornwell.

    Ótimo dia.

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  4. Marcos meu caro,
    obrigado por teu comentário. Penso Cornwell nos traz muitas reflexões para atender ‘a prostituta da Babilônia’, como tu e os reformadores chamaram a Igreja Romana. Aguarde amanhã.
    Uma boa noite
    attico chassot

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