sábado, 6 de fevereiro de 2010

06* ‘Manual da paixão solitária’ na dica sabatina

Porto Alegre Ano 4 # 1283

Uma madrugada de sábado na qual os prognósticos são mais um dia de altas temperaturas. Ontem Porto Alegre teve mais uma vez sensação valores de 44ºC. A chuva de fim de tarde não foi generosa como aquela da quinta-feira tão festejada por leitores aqui. A chuva catalisou memorável evocação da infância a muitos.

Como em todas as dicas de leitura deste 2010, esta sexta é resultado da leitura de livro lido na última semana. É a primeira de autor brasileiro – abandonado o orgulho gaúcho que me desagrada – a dica de hoje é de um porto-alegrense. Agora, dando asas ao tal gauchismo talvez se possa dizer que Porto Alegre é a terra natal de dois dos mais produtivos escritores brasileiros: Luís Fernando Veríssimo e Moacyr Scliar. É deste o “Manual da Paixão Solitária" a sugestão sabatina.

A sugestão de hoje foi escolhida como o Livro do Ano de Ficção no Prêmio Jabuti de 2009, talvez a mais importante premiação literária brasileira. A obra rendeu ao escritor também o prêmio na categoria romance. O escritor gaúcho já havia recebido o Jabuti na categoria contos, com "O Olho Enigmático", em 1988, e na categoria melhor romance em 1993, por "Sonhos Tropicais". A vitória de 2009 é dividida por Moacyr com a mulher Judith ("Um escritor sempre necessita da presença feminina por perto"), motivou o escritor de 72 anos que, para justificar a fama de profícuo, já prepara um novo romance. Segundo ele, vai se chamar Eu Vos Abraço Milhões. "Trata-se de uma história de um jovem em busca de seus ideais, ambientada nos anos 1930, no Rio de Janeiro, durante a era de Getúlio Vargas."

Assim, como é usual, desta recomendação sabatina, a ficha bibliográfica, algo do autor e do livro.

SCLIAR, Moacyr Manual da paixão solitária. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, 21 x 14 cm. 215 p. ISBN 978-85-359-1355-2



Moacyr Jaime Scliar nasceu em Porto Alegre (RS), no Bom Fim, bairro que até hoje reúne a comunidade judaica, a 23 de março de 1937, filho de José e Sara Scliar. Sua mãe, professora primária, foi quem o alfabetizou. Cursou, a partir de 1943, a Escola de Educação e Cultura, daquela cidade, conhecida como Colégio Iídiche. Transferiu-se, em 1948, para o Colégio Rosário, uma escola católica.
Em 1955, passou a cursar a faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), onde se formou em 1962. Em 1963, inicia sua vida como médico, fazendo residência em clínica médica. Trabalhou junto ao Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), daquela capital.
Publica seu primeiro livro, “Histórias de um Médico em Formação”, em 1962. A partir daí, não parou mais. São mais de 67 livros abrangendo o romance, a crônica, o conto, a literatura infantil, o ensaio, pelos quais recebeu inúmeros prêmios literários. Sua obra é marcada pelo flerte com o imaginário fantástico e pela investigação da tradição judaico-cristã. Algumas delas foram publicadas na Inglaterra, Rússia, República Tcheca, Eslováquia, Suécia, Noruega, França, Alemanha, Israel, Estados Unidos, Holanda e Espanha e em Portugal, entre outros países.

Colabora com diversos dos principais meios de comunicação da mídia impressa (Folha de São Paulo e Zero Hora). Alguns de seus textos foram adaptados para o cinema, teatro e tevê.
Nos anos de 1993 e 1997, vai aos EUA como professor visitante no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University.
Em 31 de julho de 2003 foi eleito, por 35 dos 36 acadêmicos com direito a voto, para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31, ocupada até março de 2003 por Geraldo França de Lima. Tomou posse em 22 de outubro daquele ano, sendo recebido pelo poeta gaúcho Carlos Nejar.

A facilidade narrativa, Scliar credita aos pais e à tradição do Rio Grande do Sul, onde nasceu, de incentivar a leitura. "Meu pai era um grande contador de histórias enquanto minha mãe criava condições para que eu pudesse ler."

Em Manual da Paixão Solitária Scliar nos leva a um congresso de estudos bíblicos, aonde um famoso professor e uma sua ex-aluna e eterna rival evocam, em momentos diferentes, duas figuras singulares, presente em uma curta passagem do Livro do Gênesis que os dois expertos biblistas fazem extensa exegese. Scliar volta ao tema no qual fez sucesso com “A mulher que escreveu a Bíblia”.

Uma, o jovem Shelá e outra Tamar, a mulher por quem ele está apaixonado. Os dois vão narrar, de pontos de vista distintos, uma intriga passional que mostra quatro homens e uma mulher às voltas com costumes ancestrais que até hoje governam boa parte da população de nosso mundo e que são fonte de conflitos e tragédias.

Er, o primeiro filho do Patriarca Judá – um dos irmãs de José, então consultor do Faraó –, casa-se com Tamar. Como não a engravida, é castigado por Deus com a morte. De acordo com a tradição, compete ao segundo filho, Onan, assumir o papel do falecido. Onan se recusa a cumprir sua missão por considerá-la humilhante, quando casado com Tamar, prefere durante o ato conjugal, praticar o coito interrompido e derramar seu sêmen sobre a terra para que a esposa não cumprir o desejo de descendência do Patriarca, Deus também o pune com a morte. O onanismo [Automasturbação masculina; interrupção do coito antes da ejaculação: quiromania] passa a figurar no rol dos pecados.

Resta o terceiro Shelá – ele e Tamar, há muito mutuamente apaixonados –, que Judá não quer entregar a sua nora (e duas vezes viúva), por temer que o rapaz tenha o mesmo destino dos irmãos. A negação de Judá tem uma consequência importante. Tamar, na saudade do proibido Shelá inventa, com muito sucesso, a versão feminina do onanismo.

Desqualificada e privada de filhos, Tamar recorre a um ardil que se tornaria lendário e que, recontado aqui na chave do humor, torna-se inesquecível. Contar aqui pode tirar a graça de um dos momentos alto do livro. Numa homenagem aos meus leitores, silencio.

O final feliz é que 6 mil anos depois do relato que o Professor e a Aluna esmiúçam em meio ao desejo de cada um vencer, selam gloriosamente um pacto, tendo como cenário uma alcova do luxuoso hotel onde iniciaram o congresso como dois grandes rivais. Um interlúdio, onde se conhecem no sentido do Genesis, sela a paz.

O livro mereceu o prêmio Jaboti. Aliás, essa minha ratificação é vazia de significado. Escrever mais de duzentas páginas sobre uma curta passagem da Bíblia é uma aventura. Assim como Saramago e Amós Oz – e coloco o imortal gaúcho em excelente companhia – há muitas (consentidas repetições). Se tivesse lendo um trabalho acadêmico. Mais de uma dezena de vezes para a mesma afirmação colocaria: ‘isso já foi dito!’. Mas sejam esses os ‘vícios’ desta tríade de recentes resenhados aqui. Vale ler Manual da Paixão Solitária de Moacyr Scliar;

Votos de um muito bom sábado e aos gaúchos a esperança que uma chuvarada amenize esse calor equatorial. Um convite: amanhã uma descontraída blogada dominical.

6 comentários:

  1. Tentativa nº 6.

    Mestre Chassot, antes de qualquer coisa, quero informar que o blogspot ainda recusa-se a repassar meus comentários. Acho que terei de começar a eniar cópia por e-mail, para que o senhor mesmo os poste por mim, já que não é a primeira vez que isso acontece.

    Quanto à diaca de leitura, tive o prazer de já ter lido "A mulher que escreveu a bíblia", e o complemento a esta obra, trazido na sua blogada de hoje ("Manual da Paixão Solitária"), parece-me por demais apetitoso para uma leitura de final de semana.

    Ainda na espera de temperaturas menos inclementes, os votos de um ótimo dia.

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  2. Meu caro Marcos,
    Não consigo imaginar que tenhas que te envolver em tantas tentativas para postar um comentário.
    Peçamos aos deuses que cuidam destas interações internéticas que se apiedem de ti.
    Penso que Scliar é muito capaz em temas bíblicos e nisso parece que supera Saramago pois é mais comedido se bem que rivalizam nas repetições.
    Obrigado pela presença, mesmo que custosa,
    attico chassot

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  3. Inesquecível Chassot,
    Apreciei a dica da leitura.
    A Joana está linda na foto. Beijocas para ela.
    Saudades.

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  4. Muito querida Joélia,
    leitora como tu que acessa o blogue na praia e ainda brinda com comentário merece 10 com estrelinha.
    Obrigados pelos afagos para a Joana.
    Com saudades e votos de boas férias
    attico chassot

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  5. Muy querido Profesor Chassot,
    Una sugerencia para Marcos, ya que también tengo dificultad para postar los comentarios. Cuando eso sucede, clickeo en la alternativa "visualizar". Ahí sale la alternativa de cuenta que abrí en Google para ello. Nuevamente clickeo en "postar comentario" y generalmente da. Ojalá que Marcos tenga suerte con esta recomendación.
    Un abrazo, uno para cada uno,

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  6. Muy atenta Matilde,
    gracias por tus atenciones con Marcos, que recibe copia de este mensaje.
    Estimo que el y los demás lectores que no tienen suceso en postar comentarios fruán de tu sugestión.
    Con estima
    attico chassot

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