sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

05* Para falar em morte, e também em Carnaval

Porto Alegre Ano 4 # 1282

Na tarde de ontem cometi uma desobediência a uma das normas mais rígidas de minha mãe: Não podem tomar banho de chuva. Com pedidos de desculpas, mãezinha, encontro uma justificativa para a violação cometida. Se diz, que no dia anterior houve um recorde impensável: a mais alta temperatura de todo o Planeta. A tarde de ontem era quente. Vi uma desejada chuva se aproximar. Resolvi fruí-la e por mais de meia hora ‘sorvi ‘cerca de 13 ml/m2. Foi magnífico. Claro que não corri riscos que minha mãe temia: que uma enxurrada pudesse nos arrastar para um bueiro ou que algum dejeto (caco de vidro, pedaço de lata...) pudesse nos ferir ou ainda adquirir um resfriado.

Dois assuntos antípodas nessa blogada que marca a expectativa do primeiro fim de semana de fevereiro: a morte de ex-professor que, mesmo não tendo noticias há mais de meio século, faz evocações. Outro assunto carnaval, algo em que sou um alienígena. Um e outro fazem essa edição que tem como horizonte a chegada do shabath.

In memoriam: João Baptista Cecchin Netto, Irmão Luís Benício (1924 Santa Maria – 2010 Porto Alegre). Hoje é sétimo dia de falecimento do irmão marista Luís Benício. Foi meu professor no Ginásio São João Batista em Montenegro. Era diretor quando me formei em 08 de dezembro de 1957 e quando me mostrou o diploma que receberíamos à noite eu o desfiz, pois imaginava que seria um pergaminho ou assemelhado. Ele tomou duas notas (não recordo a moeda de então) digamos um de cruzeiro e outra de 50 cruzeiros; disse ambas têm o mesmo valor em papel e tem a mesma massa. Mas uma vale 50 vezes mais que a outra. Esse diploma vale pelo que está escrito nele. Aprendi uma lição inesquecível e que recordei, uma vez mais, nesta terça-feira quando li no jornal seu obituário. O Irmão Luís Benício morreu no sábado, no Hospital São Lucas da PUCRS, em Porto Alegre, aos 86 anos, vítima de câncer e insuficiência respiratória. Licenciado em Letras Clássicas pela PUCRS foi professor nos colégios Rosário, Assunção e Champagnat, na Capital e em escolas maristas em Bento Gonçalves, Santa Cruz do Sul, Rio Grande, Novo Hamburgo, Veranópolis, Camaquã, Montenegro, Estrela, Viamão e Caxias do Sul. Cursou Pedagogia Religiosa em Estrasburgo, na França, em 1967. Durante 13 anos, permaneceu na sede provincial, em Porto Alegre. Desde janeiro, estava na Casa São José, em Viamão, em tratamento de saúde. Na recordação da lição recebida minha singela homenagem.

Em uma semana o Brasil (e vários outros países), para expressar-me numa linguagem adequada: estará sob o Império do Rei Momo. Isso me sonha tão exótico que não parece crível que tenha escrito a última sentença. Mas, como esse é um blogue editado no Brasil onde exageradamente se diz que a população se entrega ao samba, hoje trago um mote carnavalesco.

Valho-me da crônica Ordem na folia de Ruy Castro para que a marca maior de fevereiro não fique obliterada nesse blogue. O texto foi publicado no sábado, 23 de janeiro de 2010 na p. A2 da Folha de S. Paulo.

Uma cervejaria vai patrocinar o Carnaval carioca de rua deste ano. Na prática, isso consiste em fornecer 4.000 banheiros químicos para os 641 desfiles de 465 blocos já autorizados pela prefeitura, reunindo 2,5 milhões de foliões. Significa um banheiro para cada 622 pessoas. Vai depender do grau do aperto de cada uma.

Mesmo assim, já não era sem tempo. Como as cervejarias são as produtoras da matéria-prima, não era justo que se fartassem à gorda e deixassem para a cidade a absorção do resíduo, os milhões de litros despejados a céu aberto, em canteiros, paredes e pneus. A cervejaria não faz mais que sua obrigação ao reabsorver esses resíduos e promover uma vasta campanha exortando o povo a usar os banheiros.

O patrocinador deverá ainda ajudar a operar o trânsito e monitorar os desfiles com 60 ambulâncias UTI equipadas com médicos e enfermeiros. Também justo, já que 90% dos atendidos por essas ambulâncias serão pessoas intoxicadas pelo produto do patrocinador.
A ideia de um patrocínio particular precisou vencer forte resistência dos blocos. Desde sua introdução pelos portugueses, em 1641, o Carnaval de rua do Rio nunca mudou certas características: não cobra ingresso dos participantes, não exige que comprem mortalhas para distingui-los dos sem mortalha, não os segrega em cercados de corda e dispensa os grandes nomes da música para produzir a animação – são os próprios foliões que a produzem, com seus sambas e marchas. Um patrocinador poderia tentar minar essa espontaneidade.
Por outro lado, o excesso de informalidade, a perdurar por mais tempo, acabaria tornando a folia inviável. A cidade não sobreviveria aos novos blocos que, a cada Carnaval, se formavam às dezenas, estrangulavam o trânsito e a irrigavam sem compaixão.

Com essa crônica, aliada ao calor, até da vontade de tomar uma cerveja. Desejo uma muito boa sexta-feira e convite para no fim de semana conhecer aqui uma boa dica de leitura, amanhã e no domingo a terceira obra de arte que junta, com maestria: fotografia e desenho. Ler-nos-emos (uma mesóclise sempre parece pedante, mas uma próclise: ‘nos leremos’ e uma ênclise: ‘leremo-nos’, parecem sem poesia) no fim de semana.

8 comentários:

  1. dizem que sombrinha "espanta a chuva", por isso ontem, após ter lido a previsão, sai de casa desprovida deste elemento protetor.
    E entreguei-me as gotas, e abracei o vento... E quase brinquei de saltar em poças d'água, quando o cheiro de esgoto e um ratinho que corria para um bueiro entupido me fizeram lembrar que estava caminhando nas ruas de Porto Alegre.

    À noite sonhei com o barro e o cheiro de terra molhada da minha infância.

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  2. Tambem me considero alienigena nesta festa da carne. Todavia, minha mãe quando eramos pequenos tinha habilidades de confeccionar fantasias para que pudessemos "pular" o carnaval infantil. Na Sociedade da Chacara Barreto em Canoas, nos idos da década de 1960, mães se esmeravam para o concurso de fantasias do carnaval. Me lembro de uma fantasia de índios que vestimos eu, meu irmão Joel e meus primos Celso e Silvio num desses eventos. Tinhamos aversão por aqueles uniformes indigenas, confeccionados de saco de alinhagem daquele bem grosseiro e penas coloridas das pobres galinhas e galos lá de casa. Passavamos um calor danado naquelas fantasias, tudo pela vaidade dos mais velhos. Hoje a saudade nos faz pensar que tantas coisas boas houveram naquela época. Abraço do JB.

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  3. Muito querida Marília,
    sempre me alegras com teus comentários aqui, quanta poesia e quanta realidade trazes hoje. Saltavas em poças e te assustava o rato.
    O cheiro de terra que recém recebe chuva é talvez o mais significativo cheiro que guardo de minha infância. Muito obrigado por tu reodorizá-lo hoje.
    Tomara que tenhas ido ao serviço sem sombrinha.
    Um afago com gratidão
    attico chassot

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  4. Meu caro Jairo,
    minha mais remota lembrança de Carnaval que eu tenho: era um menino, talvez 9 ou 10 anos, chorava para que meus pais me permitissem ir ver os blocos. Eles, marcados por preconceitos, eram radicalmente contra carnaval. Outra coisa que forte em meu imaginário: querer ver o ‘enterro dos ossos’ no sábado depois do Carnaval.
    Nunca me fantasiei e sempre detestei bailes de Carnaval. Para mim é algo chato e monótono ver na televisão desfile de escolas de samba.
    Todavia o texto de rui castro me encantou e por isso o editei.
    Um bom dia e grato por tudo
    attico chassot

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  5. Mestre Chassot. Ontem com aquela chuvarada não resisti também e saí do meu abafado apartamento para tomar um belo banho de chuva. Revivi um habito de infância, na quadra de esportes de onde moro passei cerca de 30 minutos jogando futebol enquanto me refrescava naquela aguaceira. Uma "chuvinha" tipo a de ontem, não seria nada mal daqui a pouco, mas pelo que observo acho que não virá.

    Forte abraço e bom fim de semana

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  6. Muito querido André,
    comoves-me ~~ como também fez a Marília (que recebe cópia desta adição) ~~ por junto amealharmos recordações da infância com aquela tão gostosa chuvarada de ontem (especialmente que por aqui não fez as destruições que ocorreram no entorno de Porto Alegre).
    Desejo que no fim de semana equatorial que se anuncia tenhas uma chuvarada abundante (mas calma) e tu, a Marília , eu e certamente outros leitores vamos voltar a ser criança e tomar banho de chuva e de sonhos.
    Com alegria jubilo-me com teu retorno aqui,
    attico chassot

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  7. Mestre Chassot, parece que o senhor, a Marília e o meu amigo e colega de graduação, André, temos boas lembranças de banhos de chuva. O calor escaldante dos últimos dias só faz aumentar as saudades desse hábito. Oxalá que sempre pudéssemos contar com uma chuva para aliviar o calor.

    Ótimo dia.

    PS: O uso e a justificativa de "ótimo dia" ou "bom dia", dos quais eu me valho aqui e me vali em meu discurso de formatura, devem-se a uma fala do técnico Felipão, em uma palestra para o curso de Educação Física do IPA. Ele queria dizer boa noite, mas acabou confundindo-se, e desejou um bom dia. Porém, rapidamente ele consertou seu engano, e esse "remendo" vem sendo usado por mim desde então.

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  8. Muito querido Marcos
    ~~ permito-me cópia à Marília e ao André ~~
    que bom que uma chuva de verão possa fazer tão bem para nós. Lembro de uma canção, de um desses padres cantores, acho que do padre Zezinho, que tinha algo como: “Para mim chuva é cantiga de ninar, mas para o pobre meu irmão ela inunda o barracão. ’
    A chuva que nos quatro curtimos ontem fez estragos a muitos, inclusive chamou a Marília a realidade (Menina, tu estás em Porto Alegre e não em Pasárgada!);
    Valeu a explicação na nota de rodapé,
    Um bom dia e um bom fim de semana

    attico chassot

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