domingo, 31 de janeiro de 2010

31* Mais uma anunciada blogada dominical

Porto Alegre Ano 4 # 1277

A abertura desta edição poderia ser igual à de ontem. Escrevo quando ainda me encanta com o plenilúnio que por mais de nove horas dá aos céus uma claridade excepcional em decorrência da Lua em sua transição estar nesses dias mais próxima da terra.

Num fim de semana que sabe a feriadão (para quem cabular a segunda-feira) – algo de sabor diferente nas férias –, o curtir a Morada dos Afagos ofereceu uma surpresa. Uma passarinha (um pouco exótico esse feminino), talvez uma rolinha – uma ave da família da família das columbinas –, resolveu ser-nos companhia. Fez um ninho em meio à ramagem da parreira que nos protege do sol que se faz inclemente. Tenho fotos da promessa de vida. E uma vista externa do ninho. A mãe zelosa – que nos cobra silêncio – não se deixou fotografar.







Convicto que muitos leitores não lêem os comentários postados, eis uma resposta que aditei à blogada de ontem: Senhor João Martins, obrigado por sua visitação a esse blogue. Permito-me, respeitosamente, alertá-lo que aqui não é espaço para proselitismo religioso. Admiro e respeito pessoas religiosas. Todavia quero sempre defender – sem fazer nisso militância – o direto de usar a ateologia como um dos óculos para ler o mundo. Cumprimento-o com muito respeito, AC

Já disse que domingos é dia de falar aqui de algo leve. As blogadas dominicais de 2010 falaram de sagu, de pinturas do Educador matemático Ole Skovsmose e de desvantagens da beleza e da fama de Angelina Jolie. No último domingo anunciei que teríamos 4 sessões com desenhos obtidos de seleção de desenhos de uma coleção que me enviou minha ex-aluna e leitora deste blogue Mauriane Pacheco. A primeira foi então (dia 24). Hoje trago a segunda e 07 e 14 de fevereiro serão as próximas. Lamentavelmente não identifico os autores dos desenhos. Também no vou expedir comentários. As obras são geniais e merecem ser admirada,

Votos de um muito bom domingo a cada uma e cada um, na expectativa de um fevereiro com menos tragédias de que mês que se esvai.

sábado, 30 de janeiro de 2010

30* Amós Oz é a dica sabatina

Porto Alegre Ano 4 # 1276

A lua ainda soberana nos céus invade recônditas alcovas. Vivemos o ocaso de um mês que além de ter iniciado com feriado nos brinda com cinco fins de semana. Para os porto-alegrenses, com a próxima terça-feira feriado (também em outros municípios brasileiros) há uma possibilidade de um feriadão, invisível para quem está de férias.

Hoje se diz ser o dia nacional da literatura em quadrinhos. Quantas lembranças da infância. Quantas curtidas ainda hoje de uma tira diária nos jornais. Dou-me conta que aí está um assunto para remexer em baús e tentar responder por que na casa meus pais esse artefato cultural esteve sempres no índex das leituras proibidas.

Neste quinto sábado a dica de leitura é uma vez mais o livro lido na semana, assim como ocorreu nas três primeiros sábados com a tríade de Maximo Górki, que ainda está dentro de mim: dia 2, Infância e no dia 9, Ganhando Meu Pão e 16, Minhas Universidades. No sábado passado, Indignação de Philip Roth. O autor de hoje, como Roth, tem estado sempre em listas de cotado para o Nobel de literatura. Se eu fosse eleitor, Amós Oz teria meu voto com louvor e com muita precedência a Roth.

Assim, desta recomendação sabatina, a ficha bibliográfica, algo do autor e do livro.


OZ, Amós. Cenas da vida na Aldeia. [Original hebraico: Tmunot mechaiei hakfar (Scenes from village life. Tradução do hebraico: e notas Paulo Geiger] São Paulo: Companhia das Letras, 2009, 181p. ISBN 978-85-359-1541-9

FOTO Amós Klausner nasceu em Jerusalém em 1939. Como menino judeu acompanhou as dores de seu povo no Holocausto, particularmente na Polônia, terra natal de sua mãe; depois o cerco de Jerusalém em 1948, antes de o exército britânico se retirar da região para surgir o Estado de Israel. Aos doze anos perdeu a mãe, numa situação dolorosa que permeia, repetidamente por centenas de páginas e, na radicalidade da perda, troca de sobrenome Klusner para Oz (que em hebraico significa ‘coragem’). Viveu em um kibutz, onde descobre o amor, primeiro com uma professora de quem podia ser filho – já havia sido perdidamente apaixonado por sua professora da segunda série do ensino fundamental –, e depois com a filha do bibliotecário – profissão de seu pai – que se tornará sua esposa e mãe de seus filhos.

Na literatura, porém, seu engajamento político assume outra forma – mais essencial. Oz trata os conflitos do país por meio de momentos triviais e cotidianos. Consegue, assim, retratar a psicologia da guerra pelas características de seus personagens. Isso faz dele um escritor extraordinário. Não há, em seus relatos, menção aos “grandes problemas”. Mas eles estão lá, traduzidos como um ruído de fundo que impregna a vida de todos. Oz é um pacifista. Foi um dos fundadores do Movimento Paz Agora. Sempre defendeu uma solução negociada para o conflito do Oriente Médio.

Quando me encantei com De amor e trevas um romance autobiográfico, contei aqui, antes de termos as resenhas sabatinas como Amós Oz nos leva a conviver por cerca de 60 anos em Jerusalém para acompanharmos sua infância de menino pobre, a juventude como kibutzinik e a maturidade como um dos mais renomados escritores em hebraico. Para mim, que nasci no mesmo ano que ele, a leitura foi extremamente facilitada nas tomadas cronológicas.

Agora algo de “Cenas da vida na Aldeia. Trata-se de um conjunto de sete crônicas independentes seguidas de um pequeno encerramento. Todos os sete relatos ocorrem em Tel Ilan, uma aldeia centenária - o que em Israel significa quase pré-histórica -, entre o fim do verão e o início do inverno, histórias diferentes se desenrolam paralelas, enquanto seus protagonistas se cruzam transversalmente como figurantes em histórias alheias. No cenário, recorrentes ciprestes esguios e escuros, a beleza campestre de uma Toscana israelense, o tórrido calor das tardes de verão, as primeiras chuvas e tempestades do inverno, chacais e cães em duelo orfeônico nas noites, as mesmas ruas, as mesmas praças, os mesmos pontos de referência, plácidos em sua imobilidade de guardiães de rotinas cotidianas, de doces e amargas reminiscências, do amor e do desespero, de mistérios, de personagens que surgem do nada e nele desaparecem, ou de pessoas com raízes firmes que somem sem deixar rastro.

O trivial e o insólito se cruzam tal como os personagens, eles mesmos testemunhas da aventura do viver. Em 'Cenas da vida na aldeia', Amós Oz se atém à simplicidade das pessoas, dos acontecimentos, das paisagens corriqueiras que se repetem e se cruzam para, a partir deles, abrir diante do leitor a cortina de outro mundo possível.

Minha sensação a cada uma das sete histórias. Remetia-me talvez a maior impacto cultural que tive há muito em Florença. Muito me impactaram as estátuas ditas inacabadas de Michelangelo, onde parece que vemos aflorar a estátua que o mármore escondia. Aqui nãocomo não imaginar - e o verbo é prenhe no seu significado: fazer imagens - Sócrates, ao nos propor a maiêutica, inspirado na mãe parteira e no pai escultor. Pois ao terminar cada uma das sete crônicas me quedava estático imaginando um (desejado) final.

Um comentário de cada das sete crônicas, sem a pretensão de contar histórias. Talvez um bom exercício seria escrever um dois parágrafos acerca dos prováveis finais. Tirar assim um pouco mais do excesso de mármore para exercitar a profissão da mãe de Sócrates.

Em “Os que herdam” acompanhamos o (não) diálogo do advogado Wolf Maftzir com Arie Tslnik que não são tão estranhos e nos pusemos imaginar as razões da visita que este recebe.

Na segunda crônica: “Os que são próximos” torcemos para que doutora Guili Steiner, médica da aldeia, receba a esperada visita de um sobrinho adoentado, o soldado Guid’on Gat, que nunca chega.

Em “Os que cavam”, talvez o texto bem elaborado temos gana do ex-deputado Pessach Kedem, viúvo e rabugento, que vive com a filha Rachel. Está sempre às turras com Adel, estudante palestino para quem a filha aluga um quarto, nas montanhas de Menashé.

Na narrativa que se constrói em “Os que se perdem” torcemos para que a sedutora Iardena, filha de famoso falecido escritor de Tel Ilan que mostra a velha casa a Beni Avni, possível comprador se envolva com possível comprador.

Na crônica “Os que esperam” acompanhamos o desespero de Beni Avni que procura a esposa em uma tarde de sexta-feira; a professora mandou apenas um recado: “Não se preocupe comigo”.

“Os que são estranhos” é, a meu juízo, a crônica mais bonita, não há como não se encantar com a paixão de Kobi Ezra, que nos seus 17 anos se apaixona por Ada Davsha, funcionária da agência de correio e bibliotecária da aldeia de Tel Ilan, que tem o dobro de sua idade do menino. Numa cena da biblioteca, uma das usuárias reclama de um escritor que faz sucesso, mas que ‘repete muito’, no provável auto-crítica de Amós Oz, pois ele repete muitas informações em seus livros.

A última crônica: “Os que cantam” é quase uma reunião da maioria dos personagens dos seis relatos anteriores em sarau de cantos populares israelenses e russos. Para mim o menos agradável dos sete.

O texto de encerramento “Longe dali, em outro tempo”, de meia dúzia de páginas parece tentar fazer uma síntese (psicológica) do texto. Para mim dispensável.

Cenas da vida na Aldeia tem no Brasil uma muito bem cuidada edição pela Companhia das Letras. Do autor já foram editados, pela mesma editora: Conhecer uma mulher (1992), Fima (1996) Não diga noite (1997), Pantera no porão (1999), O mesmo mar (2001), A caixa preta (2001), Meu Michel (2002) e De amor e trevas (2005).

Nada melhor que desejar um bom sábado com uma sumarenta dica de leitura. Um convite para amanhã conhecermos a segunda obra da série iniciada no domingo pretérito. Até então

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

29* Albert Camus, um ateu com espírito

Porto Alegre Ano 4 # 1275

Janeiro de 2010 já é quase agônico. Mas nele ainda devo uma blogada não prometida. Durante este mês, não sem justa razão a imprensa – especialmente os cadernos culturais dos grandes jornais – evocou um dos maiores nomes de nosso século (não preciso recordar, uma vez mais, que todos os leitores deste blogue são homens e mulheres do século passado): Alberto Camus.

Há sobejas razões para esta merecida recordação: no dia quatro de janeiro de 1960, há cinquenta anos, Albert Camus morria prematuramente aos 48 anos de acidente de automóvel. Lateralmente é preciso dizer que essa trazida de evocações ocorre, uma vez mais pela nossa capturação pelos assim chamados ‘números redondos’. Já comentei o quanto os números primos devem sentir-se rejeitados. Por que não celebrarmos o 17, 19, 37, 41, 53... Ontem um amigo me disse que essa preferência pelos números cheios é mais uma evidência do acerto das propostas do ‘design inteligente’ para se contrapor ao evolucionismo. Sugeri-lhe que o sistema sexagesimal seria ainda uma melhor explicação.

Mas depois desse insignificante derivativo volto à proposta para fazer desta blogada quase derradeira de janeiro (as duas próximas têm pauta definida; sábado: dica de leitura e domingo: a segunda da edição da série de desenhos instigantes). Ajudado pela Wikipédia, eis algo mais.

Albert Camus (Mondovi, 7 de novembro de 1913 – Villeblevin, 4 de janeiro de 1960) foi um escritor e filósofo francês nascido na Argélia. Laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Na sua terra natal viveu sob o signo da guerra, fome e miséria, elementos que, aliados ao sol, formam alguns dos pilares que orientaram o desenvolvimento do pensamento do escritor.

De pai francês e mãe de origem espanhola, cedo Camus conhece o gosto amargo da morte.

Seu pai morreu em 1914, na batalha do Marne durante Primeira Guerra Mundial. Sua mãe então foi obrigada a mudar-se para Argel, para a casa de sua avó materna, no famoso bairro operário de Belcourt onde, anos mais tarde, durante a guerra de descolonização da Argélia houve um massacre de árabes.

O período de sua infância, apesar de extremamente pobre é marcada por uma felicidade ligada à natureza,. Na casa, moravam além do próprio Camus, seu irmão que era um pouco mais velho, sua mãe, sua avó e um tio um pouco surdo, que era tanoeiro, profissão que Camus teria seguido se não fosse pelo apoio de um professor da escola primária Louis Germain, que viu naquele ‘negrinho’ um futuro promissor. A princípio, sua família não via com bons olhos o fato de Albert Camus seguir para a escola secundária, sendo pobre, e o próprio Camus diz que tomar essa decisão foi difícil para ele, pois sabia que a família precisava da renda do seu trabalho e, portanto, ele deveria ter uma profissão que logo trouxesse frutos - como a profissão do seu tio. No fundo, Camus também gostava do ambiente da oficina onde o tio trabalhava. Há um conto escrito por ele que tem como cenário a oficina, e no qual a camaradagem entre os trabalhadores é exaltada.

Sua mãe trabalhava lavando roupa para fora, a fim de ajudar no sustento da casa. Durante o segundo grau, ele quase abandonou os estudos devido aos problemas financeiros da família. Foi neste ponto que outro professor foi fundamental para que o futuro ganhador do prêmio Nobel seguisse estudando e se graduasse em filosofia: Jean Grenier. A tese de doutoramento de Albert Camus, assim como a de Hannah Arendt, foi sobre Santo Agostinho.

Mas, neste momento, o absurdo da existência se manifestou mais uma vez na vida de Camus. Após completar o doutoramento e estar apto a lecionar, sua saúde lhe impediu de se tornar um professor. Uma forte crise de tuberculose se abateu sobre ele nesta época. Ele era

tuberculoso havia já algum tempo. Esta doença lhe deu a real dimensão da possibilidade cotidiana de morrer, o que é fundamental no desenvolvimento de sua obra filosófica /literária. A tuberculose também o impediu de continuar a praticar um esporte que tanto amava e lhe ensinou tanto: Camus era o goleiro da seleção universitária. Conta-se que um bom goleiro. E seu amor para com o futebol seguiu-o durante toda a vida. E uma das coisas que mais o impressionou quando da sua visita ao Brasil em 1949 foi o amor do brasileiro pelo futebol. Conta-se que uma das primeiras coisas que Albert Camus fez ao pisar no Brasil foi pedir para que o levassem para assistir a uma partida de futebol. Um pedido bastante incomum para um palestrante.

Mudou-se para a França em 1939, pouco antes da invasão alemã. Mudou-se principalmente devido a polêmicas com as autoridades francesas na Argélia. Sua esposa e filhos permaneceram na Argélia e devido à guerra nem Camus pôde voltar à Argélia, nem sua esposa e filhos puderam vir para a França. Ele ficou em Paris durante o começo da ocupação nazista, trabalhando em um jornal. Devido a censura e a vigilância constante dos nazistas a maior parte dos jornalistas franceses muda-se para a região da França de Vichy. Começa a participar do Núcleo de Resistência à ocupação chamada Combat, tornando-se um dos editores do jornal de mesmo nome.

Camus morreu em 1960 vítima de um acidente de automóvel. Em sua maleta estava contido o manuscrito de "O Primeiro Homem", um romance autobiográfico. Por uma ironia do destino, nas notas ao texto ele escreve que aquele romance deveria terminar inacabado. Uma curiosidade sobre o acidente de automóvel: Camus não deveria ter feito a viagem para Paris de carro junto com os Gallimard (Michel, Janine e a filha deles Anne). Ele iria fazer esta viagem com o poeta René Char, de trem. Mas, por insistência de Michel, ele resolve ir de carro com eles. Char também foi convidado, mas não quis lotar o carro, além de já haver comprado sua passagem (Camus também já tinha seu bilhete de trem comprado quando foi convencido a ir de carro). No acidente de automóvel o Facel-Véga de Michel se espatifou contra uma árvore. Apenas Camus morreu na hora.

Há duas motivações para a trazida aqui de algo sobre Albert Camus. Um comentário de uma e outra.

A primeira muito pessoal. De todas as leituras que fiz sobre ele, deduzo o quanto foi desacertada há mais de 20 anos ter me desiludido com o autor na tentativa não muito bem sucedida de ler A Peste, sua obra capital, publicada 1947, que conta a história de trabalhadores que descobrem a solidariedade em meio a uma peste que assola a cidade de Oran na Argélia.

Das várias leituras sobre Camus que fiz nesse janeiro o texto que mais me envolveu foi aquele que dei como título a essa blogada: Albert Camus, um ateu com espírito escrito por Maria Clara Lucchetti Bingemer e publicado em www.amaivos.com.br O título, que me pareceu eivado de preconceitos me capturou. Afinal, afortunadamente, não encontro mais quando faço palavras cruzadas: ATEU como acepção de ‘homem mau com quatro letras’

Reviso posição e recomendo a meus leitores o excelente texto está no endereço antes referido, onde a autora nos alerta a cerca de Camus que: “no entanto, não se devem simplificar suas posições sobre a existência de Deus dizendo-o simplesmente ateu. Camus é na verdade, anti-teísta. Critica o Deus que a Tradição das Igrejas cristãs disseminaram no Ocidente questionando-lhe a veracidade diante do sofrimento do mundo e da existência do mal. A existência humana é por ele entendida a partir do mito de Sísifo, que se esforça descomunalmente para levar morro acima uma enorme pedra e a cada dois passos que vence na subida, é forçado a descer outros tantos e mais pelo peso da pedra. [...] Do limiar da segunda década do século XXI, em plena secularização, quando a vivencia da fé tem que enfrentar-se com uma cada vez maior desinstitucionalização, a teologia mesmo se pergunta diante da obra camusiana: como dialogar com os santos sem Deus, com os místicos sem Igreja do mundo de hoje? Não seriam talvez eles e elas os grandes parceiros e interlocutores dos quais deveríamos aproximar-nos para tentar construir um mundo melhor?”

Talvez os cinqüenta anos da morte de Camus e sua celebração possam inspirar-nos neste tempo de tantas angustias a novos (re)encontros. Permito-me convidar meus leitores para uma supimpa dica de leitura, amanhã. Este convite é aditado de votos de uma sexta-feira muito frutuosa marcada pela expectativa do fim de semana.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

28* ÉRAMOS CAUBÓIS, SOMOS ASTRONAUTAS

Porto Alegre Ano 4 # 1274

Nesses dias de Fórum Social Mundial, nada mais oportuno falar em cuidados com meio ambiente, até porque isto foi na noite de ontem um dos pedidos de milhares de pessoas ao Presidente Lula no Gigantinho. Paradoxalmente enquanto escrevo (05h45min) recebo a notícia que nos últimos minutos de ontem o Presidente Lula teve que cancelar, já em Recife, a viagem a Davos, em face de hipertensão. No Fórum Econômico Mundial ele receberia o prêmio de estadista do ano.

Afloram votos de desejo de recuperação ao Presidente.

Como na terça feira, dia 05 deste mês, quando publiquei CADA UM COLHE O QUE PLANTA sirvo-me, mais uma vez de um muito oportuno texto enviado por Aron Belinky consultor especializado em sustentabilidade e responsabilidade social, é coordenador executivo da campanha TicTacTicTac no Brasil. Para conhecer mais sobre essa organização que é tão atuante na defesa do Planeta ver www.tictactictac.org.br o texto trazido hoje foi enviado com pedido de divulgaçã0. Por isso esse blogue o reproduz.

Soa como clichê, é imagem algo desgastada, mas o fato é que em 1969, quando chegamos à Lua e de lá observamos nosso planeta, algo começou a mudar em nossas mentes. Porém, apesar da contundente imagem na televisão e nas páginas de revistas e jornais, a vida real continuou a mesma.

Afinal, éramos meros 3,6 bilhões de pessoas. Não pensávamos em nossa “pegada ecológica”, mas, se o fizéssemos, veríamos que só 70% da capacidade da Terra era utilizada. Como caubóis, víamos um vasto mundo a ser ocupado e usufruído sem receio. Buscávamos nosso oeste apoiados pelas descobertas da ciência. Em apenas 40 anos, tudo mudou.

Hoje somos quase 7 bilhões de seres humanos, e tiramos da Terra 30% mais do que ela pode dar, exaurindo rapidamente o patrimônio de cuja renda dependemos. Descobrimos que já não somos caubóis, mas astronautas. Vivemos isolados numa grande nave, com recursos finitos e limitado espaço para dejetos. A realidade que conhecíamos – mas não sentíamos – agora se impõe, sob a forma de mudanças climáticas, montanhas de lixo, conflitos por água, petróleo e outros recursos.

Existem saídas para este impasse? Certamente sim, e somos capazes de construí-las, apesar dos enormes obstáculos a superar. Um deles, talvez o maior, é o desafio institucional, do qual pouco se fala. A imagem da Terra vista do espaço revela, também, que o mundo não tem fronteiras. E este é mais um dado da realidade que ainda insistimos em ignorar. Os 192 países que hoje compõe a ONU, nada mais são que invenções humanas, criadas há poucas centenas de anos. Conceitos hoje quase sagrados – como pátria e soberania nacional – só foram consolidar-se em meados do século XVII, com a Paz de Westfália. Foi nesse conjunto de tratados que, finalmente, os potentados da nobreza européia, incluindo o Sacro Império Romano-Germânico, reconheceram mutuamente seus respectivos poderes, estabelecendo o que hoje chamamos de Estados nacionais: parcelas do planeta sobre as quais existiria uma, e apenas uma, autoridade central, soberana. O tempo passou, e a globalização atual torna cada dia mais evidente que falta algo nesse modelo: falta combinar como pilotaremos nossa nave, nosso planeta sem fronteiras – sem esquecer, obviamente, a autonomia de cada país.

Além de elementos naturalmente globais – como o clima, as aves migratórias e os vírus – temos hoje criações globais humanas, como a poluição, os mercados, as telecomunicações e a cultura de massa. Já sentimos na pele a necessidade de enfrentar unidos os desafios planetários. Mas, para isso, dispomos apenas de instituições nacionais ou, na melhor das hipóteses, de um sistema internacional. O problema: ele não é de fato global, acima das nacionalidades, pois apenas junta países, que continuam inevitavelmente enredados por suas agendas nacionais, quando não reféns da desonestidade ou egoísmo de lideranças locais. Os tropeços e impasses na recente conferência do clima – a Cop15, em Copenhague – são o mais recente e dramático exemplo desse cenário.

A necessidade de instituições verdadeiramente globais é evidente. Mas construí-las será um desafio gigantesco. A crise de representatividade dos Estados nacionais e dos políticos que os dirigem é gritante, no mundo todo. Mas confiar apenas na “mão invisível” do mercado, sem regulamentações, também é perigoso, como mostrou a recente crise financeira que nasceu dos exageros de Wall Street.

Turbinadas pelas modernas tecnologias da informação, navegando no espaço criado pela internet, iniciativas mundiais de cooperação e articulação são cada vez mais freqüentes. Elas mesclam Estados nacionais com representantes de segmentos auto-organizados da sociedade planetária – como empresários, investidores, cientistas, trabalhadores, consumidores e ONGs. Um exemplo disso é a ISO 26.000, norma internacional de responsabilidade social que já está praticamente pronta e deve ser publicada em finais de 2010. Ela representa um magnífico passo rumo à globalização 2.0.

Trabalhando juntas num processo altamente inovador, centenas de pessoas de todo o mundo dedicam-se, há mais de cinco anos, a compilar as expectativas embutidas nos acordos internacionais produzidos pelo sistema Nações Unidas, e a combiná-las com as mais consagradas práticas da boa gestão administrativa. O resultado é um guia de diretrizes inédito, com o qual qualquer organização – empresarial ou não – pode compreender o que espera dela a comunidade global, obtendo ainda orientação sobre como aplicar essa conduta no seu dia-a-dia.

Como este da ISO 26.000, vários outros exemplos demonstram que está em plena construção um novo paradigma, uma cidadania global. Que este é o caminho, não há dúvida. Em que resultará, é uma pergunta ainda em aberto.

(publicado na revista “Veja” de 30/12/09)

Com votos de saúde ao Presidente Lula e de uma muito boa quinta-feira desejo que cada uma e cada um adira aquilo que é a meta do Fórum Social Mundial: UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

27* "Lula, guerreiro do povo brasileiro".

Porto Alegre Ano 4 # 1273









Na noite desta terça-feira participei, junto com meu querido amigo Edni Oscar Schroeder de uma emocionante atividade da 10ª edição do Fórum Social Mundial: diálogos com o Presidente Lula.

Ainda era dia quando chegamos ao Gigantinho – Ginásio junto ao estádio Beira-Rio do Internacional–. Depois de uma extensa fila unimo-nos a uma multidão de cerca de 10 mil pessoas dentro do Ginásio. Esperamos, junto com uma plateia entusiasmada quase duas horas: ouvimos Nei Lisboa, assistimos a apresentação carnavalesca da União dos destaques das escolas de Samba de Porto Alegre.


Por volta das 20h40min, o presidente subiu ao palco. O Ginásio bradava uníssono: "Olê, olê, olá, Lula, Lá". Lula sentou-se para ouvir três manifestações: primeiro do presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique da Silva Santos, pontuou medidas que ainda dependem de posicionamento do governo, como a jornada de 40 horas semanais, a ampliação da reforma agrária e a PEC do trabalho escravo. Depois a líder de esquerda uruguaia, Lilian Celiberti, da Articulação Marcosul, recordando que uma sociedade com futuro é uma sociedade com memória cobrou maior envolvimento do governo brasileiro nas questões de direitos humanos e contra a criminalização dos movimentos sociais. E por fim do coordenador da mesa, Cândido Grzybowski, membro do conselho internacional do Fórum e dirigente do Ibase, fez as cobranças mais contundentes. Ele questionou o que o Brasil fará para impedir uma possível ocupação permanente dos EUA no Haiti. Também afirmou que há uma decepção dentro do Fórum sobre as posições do Brasil com relação ao meio ambiente, além de reforçar as questões dos direitos humanos.

Às 21h09min Lula iniciou seu discurso. Iniciou cumprimentado as autoridades, iniciando pelo ex-governador Olívio Dutra, cinco ministros — entre eles a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, e o ministro da Justiça Tarso Genro —governadores, prefeitos, senadores e deputados.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva empolgou o público quando criticou o Fórum Econômico de Davos no balanço dos 10 anos do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Na avaliação do governante, a grave crise econômica mundial que ocorreu no último ano tirou o glamour do encontro na Suíça:
- Estou aqui e daqui vou a Davos, como em 2003. Tenho consciência de que Davos não tem mais o glamour que tinha em 2003. O sistema acabou de provar, com a maior crise financeira. Mas eu vou lá com orgulho de quem tem o que dizer - afirmou Lula, acrescentando que mesmo assim ele irá com orgulho para falar de suas realizações. - A história era que em 2003 eu não conseguiria governar, agora vou dizer que foi um torneiro mecânico que mais criou Universidades neste país, vou lá dizer que não devemos mais ao FMI, que eles nos devem US$ 14 bilhões.


Lula referiu que desde a que primeira Escola técnica foi fundada pelo presidente Afonso Pena em 1903 até 2003 foram criadas 180 escolas técnicas, Nos oito anos de seu governo serão criadas 240.

O presidente repete o gesto de sete anos atrás, saindo do Fórum de Porto Alegre e embarcando para o evento em Davos, para onde vai na quinta-feira e onde receberá o prêmio de estadista do ano.

Em seguida, foi interrompido pelos gritos da multidão: "Lula, guerreiro do povo brasileiro".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá ao Haiti no dia 25 de fevereiro, levando médicos brasileiros. O próprio líder divulgou a informação durante seu discurso acerca dos 10 anos do Fórum Social Mundial, evocando que tinha estado em situação idêntica em 2003, quando tinha poucos meses de presidência. Quando virá no próximo ano ao FSM não será mais presidente.
No pronunciamento, Lula propôs que o Fórum Social Mundial estabeleça solidariedade ao Haiti como meta de solidariedade. O país caribenho ainda se recupera do terremoto pelo qual passou no dia 12, com a ajuda do mundo inteiro. O presidente criticou aqueles que foram contrários à Força de Paz para Estabilização do Haiti, liderada pelo Brasil:
Nós ensinamos ao mundo como uma força de paz pode ser, sem ter ingerência sobre a política ou praticar violência contra o povo daquele país. Que esse terremoto mexa com a vergonha dos seres humanos que governam esse planeta, para a gente fazer no Haiti, agora, o que poderíamos ter feito a dez anos atrás. O Brasil fará sua parte. Vamos querer levar médico brasileiro para prestar solidariedade, para a gente poder dar a esse país a oportunidade para se tornar um país soberano e ter a democracia consolidada.
A fala de Lula durou cerca de 40 minutos. Após o encerramento, ele deixou o palco e a comitiva começou seu deslocamento até o Aeroporto Internacional Salgado Filho. O avião presidencial decolou de Porto Alegre às 22h51min, após permanecer cerca de três horas em solo gaúcho.

Das duas fotos do Lula são óbvias as razões pelas quais a da Zero Hora tem melhor qualidade que a minha. Foi bom viver essas horas em meio a massa humana e vibrar e também sentir análises críticas. Desejo a cada uma e cada um uma muito boa quarta-feira.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

26* Mais uma vez: Um outro mundo é possível

Porto Alegre Ano 4 # 1272


www.fsm.org

Ontem sucumbi ao conforto (ou foi à preguiça) e deixei de ir ao seminário de inauguração do Fórum Social Mundial como me programara.Trazer vantagens, contar elogios aqui é fácil. Falar das fragilidades é mais complicado. Claro que aqui não é nem púlpito nem confessionário. Como este é pouco presente, hoje o púlpito, que usualmente se faz pódio para receber louros desaparece. Agora numa fala de confessionário uma tentativa de remissão.

Na edição de ontem dizia o que lamentara em 2002 não estar na segunda edição do FSM por estar no exterior; ontem ele estava a um lance de ônibus da minha casa. Não fui. Não foi fácil sentir o aflorar de culpas quando me dei conta que em 2001 o bispo Fernando Lugo, hoje presidente do Paraguai, veio ao primeiro FSM de ônibus.

Deixei de ouvir especialmente Boaventura de Sousa Santos, o sociólogo português que é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Numa tentativa de remissão trago um pouco do balanço que ele fez desta década de FSM.
Ele aborda o detalhe de que nos últimos tempos, surgiram dúvidas sobre o real impacto do FSM e sobre a sua sustentabilidade futura. O impacto do movimento do FSM foi muito superior ao que se imagina.

A ascensão ao poder dos presidentes progressistas da América Latina não se pode entender sem o fermento de consciência continental por parte dos movimentos sociais gerado no FSM ou potenciado por ele.

A luta travada com êxito contra a ALCA e os tratados de livre-comércio foi gerada no FSM.
Foi no primeiro FSM que se discutiu a importância de os países de desenvolvimento intermédio e com grandes populações – como Brasil, Índia, África do Sul – se unirem como condição para que as regras do jogo do capitalismo mundial fossem alteradas. Um dos participantes nas discussões viria a ser logo depois um dos articuladores da política externa brasileira. E os BRICs e o G20 aí estão.

O FSM teve uma importância decisiva em denunciar a hipocrisia e a injustiça da ortodoxia financeira e econômica do Banco Mundial, do FMI e da OMC, abrindo espaço político para comportamentos heterodoxos de que se beneficiaram sobretudo os países ditos emergentes. Foi também sob a pressão das organizações do FSM especializadas na dívida externa dos países empobrecidos que o Banco Mundial veio a aceitar a possibilidade de perdão dessas dívidas.
O FSM deu visibilidade às lutas dos povos indígenas e fortaleceu-lhes a dimensão continental e global das suas estratégias. Deu igualmente visibilidade às lutas das castas inferiores da Índia (os dalits), particularmente a partir do FSM realizado em Mumbai.

Acima de tudo, o FSM deu credibilidade à ideia de que a democracia pode ser apropriada pelas classes populares e que os seus movimentos e organizações são tão legítimos quanto os partidos na luta pelo aprofundamento da democracia. A resposta à dúvida sobre a sustentabilidade do FSM deve centrar-se num balanço do futuro. Primeiro, o FSM tem de mundializar-se. O FSM da última década foi sobretudo latino-americano. Foi nesse continente que a ideia do FSM cativou verdadeiramente a imaginação dos movimentos sociais e se transformou numa fonte autônoma de energia contra a opressão. Essa fertilização do inconformismo teve repercussões nos processos políticos que tiveram lugar em muitos países do continente.
Está a emergir uma consciência continental que, embora difusa, tem como ideias centrais a recusa militante da concepção imperial da América Latina como quintal dos EUA e a reivindicação de formas de cooperação econômica e política que se pautam por princípios de solidariedade e reciprocidade, alternativos aos que subjazem aos tratados de livre-comércio.
Para ser sustentável, o FSM tem de fazer um esforço enorme no sentido de densificar a sua presença nos outros continentes.

Com essa pincelada de um autor de entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007) que com tanta freqüência está em minha bibliografia, espero ter expiado um pouco minha omissão de ontem.

Quando adito meus votos de uma muito boa terça-feira, que já na madrugada se inicia quente, é alegria para mim registrar na curtição para o pai que está sendo ter a Ana Lúcia, que como contei aqui domingo, em setembro me fará mais uma vez avô. Esperá-la a noite para oferecer algo ou dentro de mais um pouco preparar-lhe um desjejum é gostoso. Amanhã, queiram os céus nos lemos aqui. Até então.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

25* Um outro mundo é possível

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Porto Alegre Ano 4 # 1271

Hoje começa Fórum Social Mundial que se prolonga até sexta-feira, em Porto Alegre e outras cinco cidades da região metropolitana (Gravataí, Canoas, São Leopoldo, Novo Hamburgo e Sapiranga). Não é sem razão que Porto Alegre perde a hegemonia desta edição e que as demais cidades onde o FSM acontece sejam em prefeituras administradas pelo Partido dos Trabalhadores.

Não será uma edição como aquelas Lembradas primeiras. Recordo a memorável primeira em 2001, com 20 mil participantes onde uma das estrelas foi José Bové, que recém tinha se envolvido com o Mcdonalds na França, destrói plantações de transgênicos em Porto Alegre. Lembro as grandes conferências e as marchas que participei e também de ter hospedado em minha casa dois parlamentares argentinos.

Em 2002, houve 50 mil participantes, mas meu acompanhamento foi distante: estava em Madrid fazendo pós-doutorado e foi um dos momentos que desejei estar em Porto Alegre.

Em 2003 com 100 mil participantes recordo de marchar lado a lado com José Esquivel, argentino Nobel da Paz, ouvir por mais de uma hora Hugo Chavez e me encantar com Evo Moarales então líder cocalero boliviano.

Em 2004 pela primeira vez o FSM deixou Porto Alegre e foi à Bombaim com mais de 70 mil habitantes.

Em 2005 foi a edição de maior número de participantes (155 mil), mas Porto Alegre era diferente. Depois de quatro mandatos (16 anos) o PT não governava o município. Então esteve aqui Noam Chomski que ouvi emocionado e José Luís Rodrigues Zapatero.

Em 2006 o FSM se realizou em três países: Venezuela, Paquistão e Mali e em 2007 foi no Quênia. Também em 2008 o FSM não foi centralizado, ocorrendo ações em vários continentes. Em 2009, Belém do Pará foi a única sede com mais de 120 mil participantes.

Esta edição de 2010 também não é centralizada. Além do que começa hoje na grande Porto Alegre, ainda para este ano estão previstos, ao todo, 27 fóruns ao redor do mundo. No Brasil, nos dias 29 a 31 de janeiro, Salvador recebe fórum temático para discutir temas como racismo e direitos humanos

A próxima edição centralizada será em Dakar, em 2011.

Duas marcas persistem desde a primeira edição no início da década: contraponto ao Fórum Econômico Mundial, em Davos na Suíça e persistente e coerente luta dentro do lema “Um outro mundo é possível!”

No ano 2000, o neoliberalismo estava no seu auge, tentando convencer a todos que as forças do mercado, liberadas de qualquer controle governamental ou social, levariam o mundo à prosperidade, ao bem-estar e à paz.

Oded Grajewm fundador dos brinquedos Grow e presidente emérito do Instituto Ethos e idealizador do FSM diz que foi neste ambiente que foi criado o Fórum Social Mundial (FSM) para denunciar os enormes riscos que o neoliberalismo propagandeado pelo Fórum Econômico Mundial representava para a humanidade, visibilizar propostas alternativas e criar um espaço auto-organizado em que a sociedade civil a nível local e global pudesse se encontrar, promover atividades e se articular, ganhando força política e social para empreender suas ações.

De lá para cá muita coisa aconteceu. As sucessivas crises econômicas, a proliferação de guerras e conflitos, o aumento da concentração de renda e da desigualdade social e a degradação ambiental fizeram ruir a crença na ideologia neoliberal.

O lema do FSM de que "um outro mundo é possível" encheu de esperanças milhões de pessoas que, movidas pelo desejo de mudança, conseguiram alterar o quadro político de muitos países. A metodologia adotada no FSM propiciou a todas as organizações e pessoas que comungam com a carta de princípios a oportunidade de organizar livremente suas atividades e poder se juntar aos que se dispõem a declarações e ações conjuntas. Foi assim que o FSM ganhou o mundo. Fóruns globais e inúmeros fóruns locais, nacionais, continentais e temáticos se espalharam.

Enquanto Porto Alegre sediará a partir de hoje o evento de balanço dos dez anos do FSM, cidades da região metropolitana concentrarão a maior parte das oficinas e apresentações culturais. Por exemplo, Canoas sediará, em três dias, cerca de 200 oficinas e palestras e terá shows de artistas nacionais.

O Acampamento da Juventude vai trocar a orla do rio Guaíba, em Porto Alegre, onde foi instalado nas quatro edições ocorridas no Rio Grande do Sul, por um parque em Novo Hamburgo.

O fracasso de Copenhague foi promovido por governantes (a maioria deles habituais frequentadores de Davos) vergonhosamente receosos de desagradar seus financiadores eleitorais e contrariar poderosos interesses econômicos. Foi mais uma demonstração de que "um outro mundo possível" é cada vez mais "necessário e urgente" e só será viabilizado por meio da pressão articulada e intensa da sociedade civil comprometida com a construção de uma comunidade global justa, democrática, solidária (inclusive com as futuras gerações) e pacífica.

Este é o desafio que está sendo colocado para nós e para todos que estarão na Grande Porto Alegre durante o Fórum Social 10 anos.

Encerro como uma homenagem a São Paulo no seu 456º aniversário. Esta cidade que por diferentes ligações é próxima a muitos, para mim, em 1999, quando nela nasceu a Maria Antônia, trouxe novas dimensões de laços. Aos paulistanos o melhor feriado hoje e a cada uma e cada um de meus leitores a melhor abertura da última semana de janeiro.