terça-feira, 26 de janeiro de 2010

26* Mais uma vez: Um outro mundo é possível

Porto Alegre Ano 4 # 1272


www.fsm.org

Ontem sucumbi ao conforto (ou foi à preguiça) e deixei de ir ao seminário de inauguração do Fórum Social Mundial como me programara.Trazer vantagens, contar elogios aqui é fácil. Falar das fragilidades é mais complicado. Claro que aqui não é nem púlpito nem confessionário. Como este é pouco presente, hoje o púlpito, que usualmente se faz pódio para receber louros desaparece. Agora numa fala de confessionário uma tentativa de remissão.

Na edição de ontem dizia o que lamentara em 2002 não estar na segunda edição do FSM por estar no exterior; ontem ele estava a um lance de ônibus da minha casa. Não fui. Não foi fácil sentir o aflorar de culpas quando me dei conta que em 2001 o bispo Fernando Lugo, hoje presidente do Paraguai, veio ao primeiro FSM de ônibus.

Deixei de ouvir especialmente Boaventura de Sousa Santos, o sociólogo português que é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Numa tentativa de remissão trago um pouco do balanço que ele fez desta década de FSM.
Ele aborda o detalhe de que nos últimos tempos, surgiram dúvidas sobre o real impacto do FSM e sobre a sua sustentabilidade futura. O impacto do movimento do FSM foi muito superior ao que se imagina.

A ascensão ao poder dos presidentes progressistas da América Latina não se pode entender sem o fermento de consciência continental por parte dos movimentos sociais gerado no FSM ou potenciado por ele.

A luta travada com êxito contra a ALCA e os tratados de livre-comércio foi gerada no FSM.
Foi no primeiro FSM que se discutiu a importância de os países de desenvolvimento intermédio e com grandes populações – como Brasil, Índia, África do Sul – se unirem como condição para que as regras do jogo do capitalismo mundial fossem alteradas. Um dos participantes nas discussões viria a ser logo depois um dos articuladores da política externa brasileira. E os BRICs e o G20 aí estão.

O FSM teve uma importância decisiva em denunciar a hipocrisia e a injustiça da ortodoxia financeira e econômica do Banco Mundial, do FMI e da OMC, abrindo espaço político para comportamentos heterodoxos de que se beneficiaram sobretudo os países ditos emergentes. Foi também sob a pressão das organizações do FSM especializadas na dívida externa dos países empobrecidos que o Banco Mundial veio a aceitar a possibilidade de perdão dessas dívidas.
O FSM deu visibilidade às lutas dos povos indígenas e fortaleceu-lhes a dimensão continental e global das suas estratégias. Deu igualmente visibilidade às lutas das castas inferiores da Índia (os dalits), particularmente a partir do FSM realizado em Mumbai.

Acima de tudo, o FSM deu credibilidade à ideia de que a democracia pode ser apropriada pelas classes populares e que os seus movimentos e organizações são tão legítimos quanto os partidos na luta pelo aprofundamento da democracia. A resposta à dúvida sobre a sustentabilidade do FSM deve centrar-se num balanço do futuro. Primeiro, o FSM tem de mundializar-se. O FSM da última década foi sobretudo latino-americano. Foi nesse continente que a ideia do FSM cativou verdadeiramente a imaginação dos movimentos sociais e se transformou numa fonte autônoma de energia contra a opressão. Essa fertilização do inconformismo teve repercussões nos processos políticos que tiveram lugar em muitos países do continente.
Está a emergir uma consciência continental que, embora difusa, tem como ideias centrais a recusa militante da concepção imperial da América Latina como quintal dos EUA e a reivindicação de formas de cooperação econômica e política que se pautam por princípios de solidariedade e reciprocidade, alternativos aos que subjazem aos tratados de livre-comércio.
Para ser sustentável, o FSM tem de fazer um esforço enorme no sentido de densificar a sua presença nos outros continentes.

Com essa pincelada de um autor de entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007) que com tanta freqüência está em minha bibliografia, espero ter expiado um pouco minha omissão de ontem.

Quando adito meus votos de uma muito boa terça-feira, que já na madrugada se inicia quente, é alegria para mim registrar na curtição para o pai que está sendo ter a Ana Lúcia, que como contei aqui domingo, em setembro me fará mais uma vez avô. Esperá-la a noite para oferecer algo ou dentro de mais um pouco preparar-lhe um desjejum é gostoso. Amanhã, queiram os céus nos lemos aqui. Até então.

8 comentários:

  1. Professor, ontem na saída do serviço, consegui acompanhar o final da marcha de abertura do Fórum. Estava acompanhada de colegas de trabalho, todos verbalizando a incomodação com aquela "baderna". Lamentei profundamente.

    Nunca senti o peso deste "outro lado", como sinto agora, contratada que sou de uma empresa privada. Todos eles estavam com pressa de chegar em casa, passar no super-mercado antes, talvez alugar um DVD, jantar, assistir o tele-jornal e dormir.

    Enquanto este outro mundo é apenas possível, neste de agora, preciso trabalhar nove horas por dia e perder as atividades do Fórum.
    Abraço esperançoso

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  2. Muito querida Marília,
    teu comentário desperta em mim duas sensações antípoda.
    A primeira de vergonha de mim porque ontem perdi essas manifestações por comodismo, igual aquelas pessoas que descreves. Para redimir-me um pouco estou quase saindo para o FSM, agora.
    A segunda de orgulho de ti: mostras nesse comentário o quanto és daquelas pessoas que contribuem para a transformação de sonhos em realidades.
    Admiro-te muito e mais.
    attico chassot

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  3. Ah! Se a Marilia soubesse a saudade que se tem daquela época inconsequente da adolescencia e juventude, quando não eramos refens nem do tempo nem das agendas. Todavia sabiamos dessa responsabilidade que a pouca idade nos proporcionava, seja protestando contra as fórmulas prontas, seja rejeitando medidas "goela abaixo". Minha torcida também, cara Marília, que continues atenta e não se deixando alienar, como uma grande parcela jovem na atualidade. Abraços a você e ao Mestre Chassot. JB

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  4. Mestre Chassot, por vezes a preguiça acaba vencendo nossas vontades originais. Porém, o senhor perdeu apenas a abertura do FSM, ainda há mais para acompanhar, muito embora uma fala de B. de S. Santos seja algo extremamente motivador. Se eu não tivesse de trabalhar hoje, teria feito companhia há um amigo que faz Ciências Sociais na UFRGS, e que me convidou para presenciar a abertura do FSM.

    Ótimo dia.

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  5. Meu caro Jairo,
    lembras muito a Marília. Ai que saudades que eu tenho daqueles tempos sem agenda. E que culpas tenho sempre pelas agendas não compridas.
    Acabo de chegar do Gigantinho onde com mais 10 mil participantes assisto ao Presidente Lula. Emocionante.
    Sonho em colocar um pouco dessas emoções na edição de amanhã que vou iniciar agora.
    Obrigado por tua querida presença aqui.
    attico chassot

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  6. Marcos, meu caro,
    obrigado por tua presença continuada aqui.
    Acabo de chegar do Gigantinho onde com mais 10 mil participantes assisto ao Presidente Lula. Emocionante.
    Sonho em colocar um pouco dessas emoções na edição de amanhã que vou iniciar agora.
    Realmente o FSM oferece alternativas. Ele segue quente e pujante.
    Uma muito boa noite
    attico chassot

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  7. Professor Jairo Brasil? Nossa, que mundo!

    Sou a moça da Biblioteca.

    Bom dia a todos!

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  8. Muito querida Marília,
    Sonhamos viver num mundo onde o grande feitor não seja o relógio. Quem dera vivêssemos sob a égide de Cairós do que de Cronos.
    Obrigado por teus votos de uma boa quarta-feira e um afago do
    attico chassot

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