quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

28* ÉRAMOS CAUBÓIS, SOMOS ASTRONAUTAS

Porto Alegre Ano 4 # 1274

Nesses dias de Fórum Social Mundial, nada mais oportuno falar em cuidados com meio ambiente, até porque isto foi na noite de ontem um dos pedidos de milhares de pessoas ao Presidente Lula no Gigantinho. Paradoxalmente enquanto escrevo (05h45min) recebo a notícia que nos últimos minutos de ontem o Presidente Lula teve que cancelar, já em Recife, a viagem a Davos, em face de hipertensão. No Fórum Econômico Mundial ele receberia o prêmio de estadista do ano.

Afloram votos de desejo de recuperação ao Presidente.

Como na terça feira, dia 05 deste mês, quando publiquei CADA UM COLHE O QUE PLANTA sirvo-me, mais uma vez de um muito oportuno texto enviado por Aron Belinky consultor especializado em sustentabilidade e responsabilidade social, é coordenador executivo da campanha TicTacTicTac no Brasil. Para conhecer mais sobre essa organização que é tão atuante na defesa do Planeta ver www.tictactictac.org.br o texto trazido hoje foi enviado com pedido de divulgaçã0. Por isso esse blogue o reproduz.

Soa como clichê, é imagem algo desgastada, mas o fato é que em 1969, quando chegamos à Lua e de lá observamos nosso planeta, algo começou a mudar em nossas mentes. Porém, apesar da contundente imagem na televisão e nas páginas de revistas e jornais, a vida real continuou a mesma.

Afinal, éramos meros 3,6 bilhões de pessoas. Não pensávamos em nossa “pegada ecológica”, mas, se o fizéssemos, veríamos que só 70% da capacidade da Terra era utilizada. Como caubóis, víamos um vasto mundo a ser ocupado e usufruído sem receio. Buscávamos nosso oeste apoiados pelas descobertas da ciência. Em apenas 40 anos, tudo mudou.

Hoje somos quase 7 bilhões de seres humanos, e tiramos da Terra 30% mais do que ela pode dar, exaurindo rapidamente o patrimônio de cuja renda dependemos. Descobrimos que já não somos caubóis, mas astronautas. Vivemos isolados numa grande nave, com recursos finitos e limitado espaço para dejetos. A realidade que conhecíamos – mas não sentíamos – agora se impõe, sob a forma de mudanças climáticas, montanhas de lixo, conflitos por água, petróleo e outros recursos.

Existem saídas para este impasse? Certamente sim, e somos capazes de construí-las, apesar dos enormes obstáculos a superar. Um deles, talvez o maior, é o desafio institucional, do qual pouco se fala. A imagem da Terra vista do espaço revela, também, que o mundo não tem fronteiras. E este é mais um dado da realidade que ainda insistimos em ignorar. Os 192 países que hoje compõe a ONU, nada mais são que invenções humanas, criadas há poucas centenas de anos. Conceitos hoje quase sagrados – como pátria e soberania nacional – só foram consolidar-se em meados do século XVII, com a Paz de Westfália. Foi nesse conjunto de tratados que, finalmente, os potentados da nobreza européia, incluindo o Sacro Império Romano-Germânico, reconheceram mutuamente seus respectivos poderes, estabelecendo o que hoje chamamos de Estados nacionais: parcelas do planeta sobre as quais existiria uma, e apenas uma, autoridade central, soberana. O tempo passou, e a globalização atual torna cada dia mais evidente que falta algo nesse modelo: falta combinar como pilotaremos nossa nave, nosso planeta sem fronteiras – sem esquecer, obviamente, a autonomia de cada país.

Além de elementos naturalmente globais – como o clima, as aves migratórias e os vírus – temos hoje criações globais humanas, como a poluição, os mercados, as telecomunicações e a cultura de massa. Já sentimos na pele a necessidade de enfrentar unidos os desafios planetários. Mas, para isso, dispomos apenas de instituições nacionais ou, na melhor das hipóteses, de um sistema internacional. O problema: ele não é de fato global, acima das nacionalidades, pois apenas junta países, que continuam inevitavelmente enredados por suas agendas nacionais, quando não reféns da desonestidade ou egoísmo de lideranças locais. Os tropeços e impasses na recente conferência do clima – a Cop15, em Copenhague – são o mais recente e dramático exemplo desse cenário.

A necessidade de instituições verdadeiramente globais é evidente. Mas construí-las será um desafio gigantesco. A crise de representatividade dos Estados nacionais e dos políticos que os dirigem é gritante, no mundo todo. Mas confiar apenas na “mão invisível” do mercado, sem regulamentações, também é perigoso, como mostrou a recente crise financeira que nasceu dos exageros de Wall Street.

Turbinadas pelas modernas tecnologias da informação, navegando no espaço criado pela internet, iniciativas mundiais de cooperação e articulação são cada vez mais freqüentes. Elas mesclam Estados nacionais com representantes de segmentos auto-organizados da sociedade planetária – como empresários, investidores, cientistas, trabalhadores, consumidores e ONGs. Um exemplo disso é a ISO 26.000, norma internacional de responsabilidade social que já está praticamente pronta e deve ser publicada em finais de 2010. Ela representa um magnífico passo rumo à globalização 2.0.

Trabalhando juntas num processo altamente inovador, centenas de pessoas de todo o mundo dedicam-se, há mais de cinco anos, a compilar as expectativas embutidas nos acordos internacionais produzidos pelo sistema Nações Unidas, e a combiná-las com as mais consagradas práticas da boa gestão administrativa. O resultado é um guia de diretrizes inédito, com o qual qualquer organização – empresarial ou não – pode compreender o que espera dela a comunidade global, obtendo ainda orientação sobre como aplicar essa conduta no seu dia-a-dia.

Como este da ISO 26.000, vários outros exemplos demonstram que está em plena construção um novo paradigma, uma cidadania global. Que este é o caminho, não há dúvida. Em que resultará, é uma pergunta ainda em aberto.

(publicado na revista “Veja” de 30/12/09)

Com votos de saúde ao Presidente Lula e de uma muito boa quinta-feira desejo que cada uma e cada um adira aquilo que é a meta do Fórum Social Mundial: UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL.

4 comentários:

  1. Mestre! Excelente a blogada desta quinta. Muito bom o texto de Aron Belinky. E como astronautas, ainda mais, deviamos ter a capacidade de nos olharmos de fora para dentro e percebermos o quanto essa nave é pequena e merece um cuidad muito grande. Abraço JB

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  2. Meu caro Jairo,
    quando li este texto pensei o quanto ele refletes postura com as quais tu há muito fazes bandeira, tanto na tua dissertação de mestrado e mais recentemente com densas reflexões no teu blogue.
    Realmente tu nos alertas para o quanto a nave é pequena e merece cuidados.
    Agradeço os teus sempre tão oportunos comentários.
    É bom porque se está fazendo algo para que um novo mundo seja possível.
    attico chassot

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  3. Mestre Chassot, não me cabe muito mais a falar do texto de Aron Belinky, a não ser fazer eco ao que foi dito pelo Jairo: "E como astronautas, ainda mais, deviamos ter a capacidade de nos olharmos de fora para dentro e percebermos o quanto essa nave é pequena e merece um cuidado muito grande."

    Ótimo dia.

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  4. Muito caro Marcos
    ~~ permita-me aditar o Jairo à resposta ~~
    realmente as metáforas acerca da nave estão muito bem postas pelos dois. Além daquilo que vocês trouxeram acrescento que temos que interferir porque há alguns piloros desta navezinha que são simplesmente loucos. Isso alguns deles mostraram em Copenhagen na COP-15. Muitos mereceriam ser apeado da nave ou pelo menos da direção da mesma. Usei esse verbo muito agosto da cultura gaúcha que sei que um e outro dos dois historiadores que me prestigiam como leitores cultivam.
    Obrigado e usando uma expressão que ouvi o Marcos justificar, enquanto orador de sua turma:
    tenham um ‘b o m d i a”
    Com respeito e admiração
    attico chassot

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