sábado, 2 de janeiro de 2010

02*Máximo Górki abre as dicas de leituras de 2010

Atlântida Ano 4 # 1248

Este é um registro ainda de Atlântida. O dia que inaugurou 2010 não foi, em termos de fruição de praia, aqui, nem parecido com dia de São Silvestre. O mar tépido e límpido foi substituído por águas gélidas que pareciam caldo de feijão. Pela manhã, a Gelsa e eu fizemos caminhada pela orla com o casal Benoît e Daphné Motte que à noite deixou a praia rumo à Porto Alegre, de onde esta manhã continuam viagem para conhecer algo mais do Brasil.

À tarde, dentre as visitas recebidas eu destaco a do André, Tatiana e Pedro, que representaram a celebração do Ano Novo como parte de meu clã. Na foto a Gelsa está com o Antônio e eu com o Pedro. Os dois meninos parece que combinavam programações para o futuro.

O sábado inaugural de 2010 quer ser marcado com uma dica de leitura muito especial. Há alguns dias contei aqui que adquirira a trilogia de Máximo Górki: Infância, Ganhando Meu Pão e Minhas Universidades. Terminei nesse recesso festivo o primeiro volume.

Estou encantado e adiro ao que escreveu o escritor e jornalista Nei Duclós, no caderno "Cultura" do Diário Catarinense, em 9 de agosto de 2008: “Quem lê Máximo Górki, não precisa ler mais nada. Algumas cenas nos deslumbram pela contundência, pela precisão dos detalhes, pelo fragor da narrativa, pela atualidade. Fellini deve ter lido, pois a literatura de Górki revela que estamos cercados pelo surrealismo, que a realidade é hiper-real, que os seres humanos são um mural de exceções, o que chamariam hoje de diversidade.”

A obra é portentosa que uma resenha menos cuidadosa pode apenas deslustrá-la. Tenho dificuldades em passar a meus leitores meus encantamentos. Como tenho ainda dois volumes que certamente terão espaços aqui, vou hoje iniciar trazendo algo da vida do autor, para depois dizer algo da magnífica caixa que dá corpo a trilogia, para depois comentar algo sobre Infância, volume de abertura.

Máximo Górki (Максим Горький), pseudônimo de Aleksei Maksimovich Peshkov (em russo, Алексей Максимович Пешков) (Nijni Nóvgorod,28 de março de 1868 – Moscou, 18 de junho de 1936), famoso escritor, romancista, dramaturgo, contista e ativista político russo. Górki foi escritor de escola naturalista que formou uma espécie de ponte entre as gerações de Tchekhov e Tolstoi, e a nova geração de escritores soviéticos.

Górki nasceu em um meio social pobre, em Nizhny Novgorod, cidade que em 1932 passou a se chamar Górki por ordem de Stalin. O nome da cidade foi revertido para o nome original em 1991. Órfão de pai foi criado pelo avô materno que era tintureiro. Em 1878 quando sua mãe faleceu teve que deixar a casa do avô para ir trabalhar. Foi sapateiro, desenhista, lavador de pratos num navio que percorria o Volga, onde teve contato com alguns livros emprestados pelo cozinheiro, o que acabou despertando sua consciência política.

Em 1883, com apenas 15 anos, publica dois romances, Romá Gordieiev e Os Três; aos 16 anos, muda-se para Kazan, onde tenta cursar gratuitamente a universidade, porém, não consegue e, frustrado, vai trabalhar como vigia num teatro para sobreviver. Mais tarde torna-se pescador no mar Cáspio e vendedor de frutas em Astrakan. Como a situação não melhorava, decide ir em busca de melhores oportunidades, e viaja para Odessa com um grupo de marginais nômades que iam de cidade em cidade à procura de emprego. Assim, ele exerce várias profissões, sofre com a miséria, a fome e o frio. Aos 19 anos volta a morar em Kazan, onde, desesperado com a situação e sem vontade de continuar vivendo, tenta o suicídio com um tiro, o qual atinge um dos pulmões, mas sobrevive e para piorar mais a situação, adquire tuberculose. Mas essa experiência fatídica resultará anos depois em dois escritos: Um incidente na vida de Makar, escrito em 1892, e, Como aprendi a escrever, publicado, muito mais tarde, em 1912.

Esse breve relato inicial de sua biografia, que me vali da sempre prestimosa Wikipédia, é o que conhecemos amplamente no primeiro volume da trilogia. A enciclopédia que democratiza o conhecimento apresenta informações complementares até sua morte em decorrência de pneumonia aos 68 anos, em 18 de junho de 1936. Foi sepultado com todas as honras oficiais e seu féretro acompanhado por Stálin e Molotov. Entretanto, em 1938, Leon Trotski, tenta com o artigo Quatro médicos que sabiam demais, escrito para o New York Times, acusar Stálin de ter envenenado Górki.

A edição brasileira dos três livros: Infância, Ganhando Meu Pão e Minhas Universidades, é da Cosac Naify com uma apresentação primorosa. Tradução, apresentação, ensaios e informações valiosas sobre o autor são de Rubens Figueiredo e Boris Schnaiderman, um e outro com expertise em russo e línguas eslavas e profundos conhecedores da obra de Górki.


Os três livros são apresentados em uma artística caixa: ISBN 978-85-7503-652-5 [1048p os 3 volumes]. Infância ISBN 978-85-7503-649-5, 312 p. Ganhando Meu Pão ISBN 978-85-7503-650-1, 456 p e Minhas Universidades ISBN 978-85-7503-651-8, 280 p.

Não é muito trivial encantar-me com livros em suporte papel (e ainda em sedutora embalagem) quando leio que pela primeira vez na Amazon, os e-books superaram em vendas os livros tradicionais. A megastore internética divulgou, no último fim de semana, que o Kindle foi o presente mais comprado na história da companhia.

Kindle é um pequeno aparelho comercializado pela Amazon, que tem como função principal ler e-books (livros digitais) e outros tipos de mídia digital. O primeiro modelo da plataforma foi lançado nos Estados Unidos em 19 de novembro de 2007. No Brasil já há dois diários (O Globo e Zero Hora) que podem ser lidos no Kindle.

Volto à obra de Górki, em suporte papel. Destaco, como comentário ao primeiro volume, três excertos do texto de Nei Duclós, que citei no preâmbulo.

[...] A primeira cena de Infância é a morte do pai do narrador, que coincide com o nascimento do seu irmão, parido pela mãe de luto e em desespero. Há o funeral paterno (em que Górki se preocupa com duas rãs que são enterradas junto com o caixão) e a viagem imediata para a cidade natal da mãe. A criança morre e é carregada numa pequena caixa no camarote do vapor que singra o Rio Volga. No recinto sinistro, estão a avó, a mãe e ele, o menino Aléksiei, mais tarde "Máximo, o Amargo". A Rússia gelada e chuvosa, o povo em tremendo sofrimento, a família partida e enlouquecida pelas brigas internas começam, então, a desfilar no livro onde cada frase é um punhal e cada parágrafo contém a grandeza do humano.

[...] Outra cena impressionante é a morte do ciganinho, agregado que fora encontrado ainda bebê na frente da casa dos avôs de Górki, e que foi esmagado por uma cruz pesadíssima, quando esta era carregada do quintal para a igreja. A morte coroa uma série de eventos que definem o perfil do cigano e têm o impacto de uma bala perdida. Não sabemos de onde vêm. Pois vêm desse texto certeiro, esse estopim de chumbo grosso, atirado com fina pontaria.
Os personagens desfilam como num filme. A avó gorda e com imensa cabeleira, ágil como uma gata e que sabia todas as lendas da Rússia de memória. O avô horrível, que o açoitava todas as semanas e que o ensinou a ler. A mãe ausente, que o deixou para trás, viúva que casou com um agiota e morreu de fome e desgosto. Os irmãos nascidos mortos. O mestre tintureiro cego, que era perseguido pelos tios e primos de Górki, que deixavam os dedais em brasa para ele se queimar. O químico, que foi seu primeiro amigo e que acabou expulso pelo avô. A mãe do padrasto, que se vestia toda de verde e tinha, também, a cara e os dentes da mesma cor. E assim por diante.
[...] Quando o livro parece ter esgotado sua capacidade de nos surpreender, algumas cenas sobre a adolescência do narrador nos trazem novos personagens, igualmente inesquecíveis. O filho do guarda-noturno do cemitério, que fazia parte de uma gangue juvenil de ladrões, o filho espancado pela mãe alcoólatra quando não levava alguns copeques para casa, entre outros, empurram o leitor para a situação-limite do narrador, testemunha da morte da mãe (que o espancou no dia do desenlace) e da queda financeira de toda a família.

Espero depois de degustar os dois outros volumes, ampliar aqui meu encantamento por Máximo Górki. A edição dominical deste blogue – e aceno com algo apetitoso – amanhã será postada amanhã de Porto Alegre, para onde retorno esta tarde. Um muito bom sábado e uma curtição do recesso que já chega quase ao ocaso.

5 comentários:

  1. Muy querido Profesor Chassot,
    Un comentario para inaugurar este 2010. ¡Qué mágica parece la literatura de Gorki! No es un autor que conozco mucho, pero me deja motivada a hacerlo. Que siga disfrutando su fin de semana familiar en la playa. Con cariño,

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  2. Mestre Chassot, de todas as dicas de leitura que o senhor ofereceu até agora, posso afirmar que essa é a que mais chamou-me a atenção. O pequeno resumo acerca desta biografia romanceada do autor já é suficientemente fascinante. Imagino o quão encantadora deva ser a obra completa. Essa dica de leitura entra na fila, mas em posição privilegiada.
    Ótimo dia.

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  3. Muito queridos Matilde e Marcos,
    ~~ relevem uma resposta conjunta a dois dos mais assíduos comentaristas deste blogue ~~
    uma e outro tem razão em ficar seduzidos com a dica de leitura inaugural deste 2010. A leitura é instigante. Lamento que para viagem de ônibus – deixando a praia rumo à Porto Alegre – que começarei em 2,5 horas não tenha em mãos o volume 2 para começar fruí-lo.
    Sonho que no próximo sábado possa compartir com vocês ‘Ganhando meu pão’.
    Obrigado pelas sempre tão estimulantes presenças de vocês aqui. Um bom saldo de sábado e um melhor domingo, nesse nosso promissor 2010,
    a admiração do
    attico chassot

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  4. O encantamento é meu por ter sido incluído nesta dica de leitura, em que os três volumes de Gorki se transformam nos nossos melhores amigos. A vida fica melhor quando sabemos que podemos contar com estes volumes, que acabam povoando nosso espírito. Muito obrigado.

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  5. Estimado Nei,
    embevecido com ‘minha com minha caixa com os três volumes de Górki’ ao terminar o primeiro procurava escrever algo sobre o primeiro volume para minha usual dica sabatina. Teu texto tão denso e significativo me pareceu insuperável. Assim me apropriei dele.
    Obrigado por seres comigo co-autor no meu blogue.
    Com admiração
    attico chassot

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