quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

31*E amanhã já será 2010

Atlântida Ano 4 # 1246

Estou desde meia tarde de ontem na praia. A Gelsa e eu chegamos com chuva. Essa de vez em vez permitia que um sol tímido espiasse por dentre nuvens densamente carregadas. Capão da Canoa/Atlântida rapidamente trocavam o pacato por um trânsito engarrafado de mega-cidades. Os supermercados se tornavam desabastecidos pela horda de turistas que disputava da cebola a cerveja. Dentre as extensas filas em casas comerciais, as maiores eram nas casas lotéricas, pois nas últimas horas de 2009 milhões de homens e mulheres embalam sonhos de abiscoitar aquele que deverá ser o maior prêmio distribuído em um sorteio por no Brasil.

Na casa da Zabalê de tantas evocações encontramos a Liba – sempre atenciosa anfitriã. A Gelsa logo se associou à Silvia e à Beatriz na continuação do preparo para os ilustres hóspedes esperados para o começo desta manhã.

Ontem contei aqui acerca de minha ambivalência. Gosto do mar, mas não gosto da praia, no sentido trazido aqui em mais de uma oportunidade. Ao final da tarde caminhei pela praia com a Gelsa. Aflorou-me à memória, de uma maneira continuada uma poesia de Casimiro de Abreu, que tive que decorar em meus tempos de escola primário. Trago-a nesta blogada de hoje. Talvez haja leitores que a conheçam. Mas permito-me evidenciar o que esse texto ensejava fantasias a um menino que nunca havia visto o mar. Lembro muito de tomar lugar junto ao professor, recitá-la com ensaiada entonação. Mais de uma vez fui criticado, por não fazer a devida virgulação no último verso, fazendo do filho que recebia a explicação da mãe o Deus.



Eu me lembro! eu me lembro! Era pequeno

E brincava na praia; o mar bramia

E, erguendo o dorso altivo, sacudia

A branca escuma para o céu sereno.


E eu disse a minha mãe nesse momento:

“Que dura orquestra! Que furor insano!

Que pode haver maior do que o oceano,

Ou que seja mais forte do que o vento?!”


Minha mãe a sorrir olhou pr'os céus

E respondeu: “Um Ser que nós não vemos

É maior do que o mar que nós tememos,

Mais forte que o tufão, meu filho, é Deus!”

Estou na praia a poucas horas de mais um ritual de passagem. Na nossa civilização os rituais de troca de ano são prenhes de simbolismo. Isso não [e diferente em outros calendários. Já vivi o privilégio de estar na China em um ano novo e a cada anos acompanho a troca de ano no calendário judaico. Vemos pela imprensa aos cerimoniais que ocorrem entre islâmicos para espera do novo ano.

Num vagabundear mexi, em dia desta semana, nos meus diários e olhei algumas de minhas viradas de ano no último quarto de século. Nesses momentos já vivi privilégios ímpares. Já mudei de ano duas vezes em Paris (1990/91 e 98/99); uma em Cusco (95/96) e outra Chambery (2004/05) e também uma vez (05/06) em um vôo entre New York – São Paulo, quando, situações de fuso horário, ensejou pelo menos duas comemorações. A passagem 06/07 foi no prosaico trânsito de Porto Alegre, encerrando uma viagem que começara em Amsterdam, 21 horas antes, com o Guilherme e Maria Clara, entre outros queridos, quando fôramos ao casamento da Júlia e do Benjamin. A 07/08 por pouco não foi no Hospital Moinho de Ventos. Pelas 20 horas a Liba não estava se sentindo bem e fomos à Emergência do HMV. Afortunadamente a suspeita de pneumonia não se concretizou e depois das 23 horas deixamos muito felizes o hospital com a Liba para uma celebração na casa da Sílvia. Lá também foi a virada de 08/09.

Dou-me conta o quanto sou um sujeito privilegiado. Sempre tenho virado o ano em meio a pessoas queridas e, as que estão distantes, estão com outros grupos de afetos, também felizes.

Mas, como todos os meus leitores, vivi intensamente uma virada de século e de milênio. Recordo as emoções da chegada de 2000 que fez que o 1999 fosse adjetivado como um ano velho. Acompanhamos por 24 horas, a cada 15 minutos a chegada de 2000 nos 360º do Planeta. O século 20 parece que ainda não tem o gosto igual como até há pouco nos referíamos ao século 19. “No século passado...” então, isso se referia a tempos que não vivêramos; agora, referir-se ao século passado remonta ao nosso tempo. O segundo milênio cumpriu História e nele fizemos parte significativa da nossa.

Acredito que a maioria dos leitores deste blogue, não viverá de novo os rituais de passagem vividos por nós então. A troca de século / de milênio, que quis ser bisada na virada de 2000/01 por quem evoca contagens (algumas desprovidas de senso histórico: quando foi proposto o atual calendário não se conhecia o zero...). Já estamos 10 anos em novas realidades. Já vamos começar a segunda década do século 21. Recordo ainda como naquela virada superamos até o badalado bug do milênio: uma possível pane em todo o sistema de computadores (pois esses não reconheceriam o ano 2000 e voltariam para 1900).

Para mim, então a superação do bug teve, então, outra dimensão. Quando trocamos de ano / século / milênio recém me recuperava de uma cirurgia radical. Vivia a recuperação de uma cirurgia radical. Foi fabuloso vencê-los. Conto um pouco disso em um livro inédito ‘Uma rapsódia prostática’ [disponível em edição digital].

Mas dentro de mais algumas horas será em Atlântida que iniciarei novo ano, nova década. Como a maioria, embalarei sonhos. Desejarei concretização dos mesmos. Quando nos lermos aqui, amanhã será 2010, que sabemos será um ano 10. Desejo a cada uma e cada um e também àqueles que lhes são próximos o melhor neste novo ano. Se me permitido um convite: associemo-nos, cada vez mais, no cuidado do Planeta.


Fórum Social Mundial em Porto Alegre de 25 a 29 de janeiro de 2010.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

30*Uma blogada que sabe a maresia

Porto Alegre Ano 4 # 1245

Esta já uma blogada de quase despedida de 2009. Mesmo que seja madrugada a temperatura já chega a 29 graus se anunciando 40 graus para hoje. É a ultima da Morada dos Afagos, local de maioria delas, mesmo que neste ano houvesse de dezenas de outros locais em vários estados do Brasil e também da Espanha e da Colômbia. Amanhã volto ao cenário de duas edições dezembrinas no ano passado: praia de Atlântida. Ela fica acerca de 150 km de Porto Alegre. Na programação desenhada para os queridos hóspedes parisienses – já apresentados aqui no domingo e ontem – está fazer a virada 2009/10 na praia.

Assim dentro de mais um pouco com a Gelsa vou ao litoral. Há um ano escrevi aqui que quebrava um jejum que remontava ao século passado. Esse reencontro com praia, previsto para daqui mais um pouco, me vez rever blogadas do ano passado onde trouxe evocações sobre minhas relações com aquilo que em nossa cultura se denomina ‘ir à praia’.

Permito-me revisitá-las, por fazer desse espaço também cenário onde amealho minhas evocações, fazer hoje aqui uma mirada nessa dimensão de minha história. Também quase posso supor que os leitores em menor número desses dias podem ter se renovado no período de um ano. Assim a blogada de hoje terá sabor de café requentado apenas para alguns.

Pensei, como há um ano, que essas reminiscências poderiam ser revisitada em quatro tempos marcadamente distintos. Mas antes de visitá-los quero fazer uma prosaica distinção.

Essa distinção se faz clara ante uma afirmação aparentemente paradoxal: ‘Não gosto de ir à praia, mas amo o mar!’. Não gosto do ritual, que fez parte de minha história, de em uma parte do verão, transferir residência para uma casa de praia – usualmente com menos conforto da casa da cidade – e então, a cada manhã, untar-se de protetores, deslocar-se com cadeiras, guarda-sol e outras tralhas para a orla, disputar um território para montar acampamento e receber a areia distribuída pelo vento. Assim, detesto praia. Adoro o mar.

Quando viajo, se há mar busco visitá-lo. Molhar simplesmente os pés parece ser uma benção. Recordo, por exemplo, quando vi o Pacífico pela primeira vez (e única, por enquanto!), em 26 de dezembro de 1995, na praia de Miraflores, junto da estátua ‘El beso’ no Peru. Este ano no meu périplo colombiano e rápida chegadinha no Equador, não vi o Pacífico. De outra maneira, sinto ainda o gosto de uma cerveja que tomei em fugazes horas do dia 02 de agosto de 1989, na badaladíssima praia de Cannes.

Já contei aqui de meus sonhos de terminar meus dias (isso dá certo susto ou pelo menos um arrepio na alma) em pequena ilha onde tenha uma rede para ler meus livros, ouvir minhas músicas e nada mais. Como nesse ano darwiniano que se encerra visitei Galápagos muitas vezes, me agradaria que esses sonhos fossem em ilhota das 56 que compõem o famoso arquipélago;

Chega de futurições vou retomar escritas e olhar, como há um ano, o meu passado sua relação com a praia. Como então, faço isso, usando quatro marcadores temporais.

Do primeiro tempo lembro muito pouco e ele está associado aos anos seminarísticos em Gravataí. Conheci o mar no começo dos anos 50s, quando fizemos uma excursão de um dia, quando Padre Grings, amante do grego falecido no ano passado, nos ensinou a bradar: “Talassa! Talassa!’ quando avistássemos o mar, assim como ocorre na saga narrada na Odisséia. Tenho ainda uma vaga recordação que em um ano, (talvez 1952 ou 1953) passei uns dias férias (talvez uma semana) em uma casa que a Arquidiocese de Porto Alegre mantinha em Cidreira ou Quintão. Mas disso não consigo evocar quase nada.

O segundo tempo, nos anos 60s corresponde a quando meus pais, em uma ou duas temporadas alugaram uma casa em Tramandaí, para ‘ir para às praias’ como diziam. Eu já era professor, e vivia então a oportunidade de me reintegrar à vida familiar. Recordo que, por razões econômicas, a casa era precária e ficava muito distante do mar. Lembro de longas caminhadas subindo e descendo cômoros para ir/vir à praia. Duas lembranças de então. Minha mãe se queixando do trabalho a mais que a temporada lhe impunha, pois tinha que cozinhar para muita gente e outras cousas mais. Meu pai, que com cerca de sessenta anos ‘veraneou’ pela primeira vez, ficava que nem criança dentro do mar. Era para ele o máximo ‘tomar banho de mar’. Claro que ouvi muitas repreensões de minha mãe a meu pai, que estava sempre temerosa que alguém pudesse se afogar. É desse período que o controle da velocidade era feito pela entrega de folheto, em Gravataí, com o carimbo de um relógio que indicava a hora permitida de passagem no posto de Santo Antônio da Patrulha. A frase motivadora era: “Perca um minuto na vida, mas não perca a vida em um minuto!’

Minha terceira fase de praia podia chamar-se ‘Santa Terezinha’. Conheci essa praia em janeiro de 1966, quando fui pivô de uma quase tragédia. Saíramos cedo de Porto Alegre. Transportava em meu Gordine 65, meu primeiro carro, lotado de malas para uma temporada, a Dione, minha namorada e futura mãe de meus filhos, a Dona Norma, sua mãe e mais irmãs da Dione. Quase chegando à Tramandaí, colido o carro no canteiro que havia no meio da pista, na frente do terminal da Petrobras. Foi uma capotagem de consequências que não quero evocar. Mesmo causador desse acidente, naquele veraneio, pedi para o seu Ivo, pai da Dione, licença para noivarmos em março e casarmos em outubro; o que de fato ocorreu, respectivamente em 25 de março e 29 de outubro de 1966.

Santa Terezinha, que iniciou tão trágica foi minha praia nos 20 anos de meu primeiro casamento. Ainda não tínhamos filhos, mas já éramos donos de uma casa enterrada nas dunas, para a qual a água era conseguida por bombeamento manual. Recordo que 1969, quando o Bernardo tinha algumas semanas já fomos para a praia, tendo a companhia de meus pais. Devemos ter ocupado aquela casa por quase 10 anos, que mereceu uma reforma que a fez emergir das areias. Achei uma foto de então. Nela estou com o Bernardo e o André.

O cabelo é da época, talvez 1974, nas areia que circundavam a casa. Tempos depois construímos uma casa melhor, a uma quadra do mar, no outro extremo de Santa Terezinha. A cada veraneio nos mudávamos para a praia logo depois do natal e se ficava até março. Quando eu não estava de férias, ia aos fins de tarde de sextas-feiras e voltava na noite de domingo ou na manhã de segundas-feiras. Vi meus filhos crescerem nas gostosas férias passadas em Santa Terezinha, onde tínhamos amigos que entrávamos apenas no período de veraneio. É deste período o acompanhamento da implantação da ‘free-way’ e das disputas entre o Bernardo e o André sobre que pagaria o pedágio.

Minha quarta fase de praia chama-se ‘Atlântida’ e tem como marca a primeira metade de minha história com a Gelsa. A Liba tem uma bela casa naquela que é tida como a mais sofisticada das praias gaúchas. Muito a fruímos. Recordo que logo começamos (25ABR87) foi lá que estávamos em agosto de 1987 lendo poemas de Carlos Drummond de Andrade, quando recém se anunciava sua morte. Lá foi muitas vezes refúgio quando as lides quase nos fazia soçobrar. Depois, a cada verão tínhamos conosco as quatro meninas (Laura, Ana Lúcia, Clarissa e Júlia) no período que nos cabia no rateio familiar. Usualmente alternávamos esse período com um período na Pousada do Serrano em Gramado, onde tínhamos duas cotas. Quando as meninas cresceram, abandonamos uma e outra prática (praia/serra). Também de Atlântida tenho muito gratas recordações de temporadas que ali passamos com a Liba. Será bom hoje voltar para lá e encontrá-la na sua casa. Será mais uma de nossas viradas de ano nesta praia.

Assim com os votos de uma excelente quarta-feira, o convite para nos lermos amanhã desde Atlântida. Ou desde ‘as praia, depois de tomar um banho de mar’ como diria meu pai.


Fórum Social Mundial em Porto Alegre de 25 a 29 de janeiro de 2010.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

29*Fórum Social Mundial em Porto Alegre: Janeiro de 2010


Porto Alegre Ano 4 # 1244

Noite e dia se alternam quando faço a postagem da edição da última terça-feira de 2009. Os envolvimentos com o ritual da espera do novo ano se adensam. Antes de trazer o central para este dia, mais uma vez faço um breve registro familiar. Como contei aqui no domingo, desde sábado acolhemos

entre nós o casal Benoît e Daphne Motte, pais do Benjamin e sogros da Júlia. Estes visitam o Brasil pela primeira vez e elegeram estar conosco nesses dias festivos. Com intensa vitalidade cumprem uma agenda na qual buscam conhecer algo de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul e de outras regiões do país. Temos tido em diferentes momentos a oportunidade de fruir, com os quatro, gostosos momentos. A agenda de ontem terminou na

Morada dos Afagos, onde jantamos juntos. As fotos são da sobremesa. O mais difícil para mim, que não sou fluente em francês é, as vezes, fazer-me entender. Isso determina uma mistura de português, inglês e até de espanhol. Sempre me imagino se não houvesse havido Babel. Seria muito mais fácil...


Mesmo que tardiamente, associo-me a partir de hoje a comentar – e especialmente a divulgar – o Fórum Social Mundial. Porto Alegre será dentro de mês, cenário de mais edição de um evento que, a partir de 1991, projetou mundialmente a capital dos gaúchos.

O que é o Fórum Social Mundial?

O FSM é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo. Após o primeiro encontro mundial, realizado em 2001, se configurou como um processo mundial permanente de busca e construção de alternativas às políticas neoliberais. Esta definição está na Carta de Princípios, principal documento do FSM.

O Fórum Social Mundial se caracteriza também pela pluralidade e pela diversidade, tendo um caráter não confessional, não governamental e não partidário. Ele se propõe a facilitar a articulação, de forma descentralizada e em rede, de entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil mundial. O Fórum Social Mundial não é uma entidade nem uma organização.

Como será o FSM em 2010?
No ano em que celebrará 10 anos de seu processo, o Fórum Social Mundial não terá um evento global único e centralizado. Em 2010, o FSM se dará de forma permanente ao longo de todo o ano, através de eventos e atividade em várias partes do mundo. Será um ano em que as atenções do processo do FSM estarão especialmente voltadas para o tema da crise global, compreendida em suas várias dimensões – econômica, ambiental, política, social, cultural, alimentar, civilizatória.

Kpomassé, Madri, Praga, Salvador e Grande Porto Alegre receberão os primeiros fóruns sociais de 2010
Kpomassé, Madri, Praga, Salvador e Porto Alegre estão entre as cidades que darão início às celebrações dos 10 anos do processo do Fórum Social Mundial em 2010. O calendário de eventos começará na Grande Porto Alegre, com o I Fórum Social e a I Feira Mundial de Economia Solidária, de 22 a 24 de janeiro, em Santa Maria. Logo depois, no dia 25, terá início o Fórum Social 10 anos Grande Porto Alegre. Na mesma região acontecerá também, de 26 a 28 de janeiro, o Fórum Mundial de Teologia e Libertação em São Leopoldo. Ainda no Brasil, Salvador receberá de 29 a 31 o Fórum Social Temático da Bahia.

Fórum Social 10 Anos Grande Porto Alegre divulga programação de seminário internacional
Já estão confirmadas as mesas e alguns nomes de palestrantes do Seminário Internacional “10 Anos depois: desafios e propostas para um outro mundo possível”, que acontecerá dentro da programação do Fórum Social 10 Anos Grande Porto Alegre, de 25 a 29 de janeiro. Entre os nomes já confirmados/as estão Boaventura de Souza Santos (Portugal), David Harvey (EUA), Francisco Whitaker (Brasil), João Pedro Stédile (Brasil), Diana Senghor (Senegal), Immanuel Wallerstein (EUA), Samir Amin (Egito), Christophe Aguitton (França) e Virgínia Vargas (Peru).

As atividades do seminário acontecerão sempre pela manhã, na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre.
Além do seminário, a programação do Fórum Social 10 Anos Grande Porto Alegre inclui ainda as atividades auto-gestionadas, que acontecerão sempre à tarde, e a décima edição do Acampamento Internacional da Juventude, que desta vez acontecerá em Novo Hamburgo e cujas inscrições acontecem de 1º a 31/12, através do site http://www.acampamentofsm.org.br. As inscrições das atividades auto-gestionadas serão feitas diretamente com o comitê organizador de cada um dos municípios participantes (Porto Alegre, Canoas, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Campo Bom e Sapiranga) em prazo a ser divulgado em breve.
Outros eventos ocorrerão na região no mesmo período. De 22 a 29 de janeiro, será realizado, em Santa Maria e em Canoas, o I Fórum Social e a I Feira Mundial de Economia Solidária e, de 26 a 28, em São Leopoldo, o Fórum Mundial de Teologia e Libertação. O Fórum Social 10 Anos Grande Porto Alegre faz parte do processo do Fórum Social Mundial 2010, que acontecerá de forma descentralizada, com eventos e atividades ao longo de todo ano em várias partes do mundo.

Que nesta terça-feira tenhamos temperaturas mais brandas que ontem, quando embalamos os preparativos para os rituais de mais um festejado ritual de passagem.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

28*Um dia para (ainda) falar de papai-noel

Porto Alegre Ano 4 # 1243

Neste 25 de dezembro – que ontem foi anteontem, mas que hoje já parece distante – duas marcas natalinas determinam o assunto desta blogada de uma segunda-feira muito atípica.

Uma, quando se iniciava o dia de Natal, como contei então, pela primeira vez, já 70tinha, me travesti de Papai Noel. Dizem que soube me impor com sucesso às crianças e também ensejei aos adultos a posar com um papai-noel emocionado. Ver crianças tremerem e adultos se perfilarem respeitosos é algo importante para verificarmos a força dos adestramentos míticos. É fácil entender a força que têm os ministros religiosos sobre as consciências dos homens e mulheres e especialmente das crianças. Recebi então as mais sinceras e atemorizadas promessas de crianças ante a minha proibição: “Não podes mais chupar dedo!” Lembrei-me muito de histórias ouvidas em minhas remotas aulas de catecismo como: “... era um menino muito bom, mas um domingo, aceitou o convite de colega e tomar banho no rio ao invés de ir à missa. Afogou-se e foi para inferno por toda eternidade”.

Outro assunto que me impressionou no dia de Natal foi um necrológio na Folha de S. Paulo, do qual transcrevo excertos: “Ele insistia em dizer que não era invenção: Papai Noel existia sim. Nicolau Dinamarco Spinelli, professor e empresário da educação em Ribeirão Preto (SP), foi um alucinado pelo Natal. Sabia, inclusive, toda a história do bom velhinho, desde os primórdios como são Nicolau. Há alguns anos, chegou a demitir uma professora de uma de suas escolas porque ela frustrou um aluno de 15 anos ao revelar que o personagem era fictício. [...] O empresário "sonhador", dono do Centro Universitário Barão de Mauá, colégio Carlos Chagas Filho e Liceu Albert Sabin, morreu segunda-feira, aos 70 anos, devido a um câncer de pulmão. Teve cinco filhos e 12 netos.

Assim ajudado pela produção do ‘Palavra do dia’ – www.umacoisaeoutra.com.br – algo mais sobre essa figura encarnada [uma cor de minha infância de nominação quase esquecida: Vermelho como carne viva] que encarnei.

O velhinho de roupa vermelha e barba branca que vemos na véspera do Natal nos centros comerciais de todo o mundo converteu-se em ícone cultural da sociedade de consumo do terceiro milênio. O mito do sorridente personagem que encanta as crianças foi forjado ao longo dos últimos dezessete séculos, baseado na história de um bispo que viveu no século IV.

A cidade de Mira, no antigo reino de Licia, atual território da Turquia, teve um prelado chamado Nicolau, célebre pela generosidade que mostrou para com as crianças e os pobres, e que foi perseguido e encarcerado pelo imperador Diocleciano. Com a chegada de Constantino ao trono de Bizâncio – cidade que, com ele, se chamou Constantinopla – Nicolau ganhou a liberdade e pôde participar do Concilio de Nicea (325). Em sua morte, foi canonizado pela Igreja católica com o nome de São Nicolau.

Surgiram então inúmeras lendas sobre milagres realizados pelo santo em benefício dos pobres e dos desamparados. Durante os primeiros séculos depois de sua morte, São Nicolau tornou-se patrono da Rússia e da Grécia, assim como de incontáveis sociedades beneficentes e, também, das crianças, das jovens solteiras, dos marinheiros, dos mercadores e dos prestamistas.

Já desde o século VI vinham-se erigindo inúmeras igrejas dedicadas ao santo, mas essa tendência foi interrompida com a Reforma, quando o culto a São Nicolau desapareceu de toda a Europa protestante, exceto na Holanda, onde se chamava Sinterklaas (uma forma de São Nicolau em neerlandês).

Na Holanda, a lenda de Sinterklaas fundiu-se com antigas histórias nórdicas sobre um mítico mago que andava em um trenó puxado por renas, que premiava com presentes os bons meninos e castigava os que se comportavam mal.

No século XI, mercadores italianos que passavam por Mira roubaram relíquias de São Nicolau e levaram-nas para Bari, com o que essa cidade italiana, onde o santo nunca havia posto os pés, converteu-se em centro de devoção e peregrinação, a ponto de hoje o santo ser conhecido como São Nicolau de Bari.

No século XVII, emigrantes holandeses levaram a tradição de Sinterklaas para os Estados Unidos, cujos habitantes anglófonos adaptaram o nome para Santa Claus, para eles mais fácil de pronunciar, e criaram uma nova lenda, que acabou de cristalizar-se no século XIX, sobre um ancião alegre e bonachão que no Natal percorre o mundo em seu trenó distribuindo presentes.

Nos Estados Unidos, Santa Claus co nverteu-se rapidamente no símbolo do Natal, estimulando as fantasias infantis, sobretudo como ícone do comércio de presentes natalinos, que anualmente mobiliza bilhões de dólares.

Esta tradição não demorou a cruzar novamente o Atlântico, agora rejuvenescida e estendendo-se por vários países europeus, em alguns dos quais Santa Claus mudou de nome. No Reino Unido, chamou-se Father Christmas (papai Natal); na França, foi traduzido para Pere Noël (com o mesmo significado), nome que foi traduzido somente pela metade em espanhol para Papá Noel e em português para Papai Noel.

Depois dessa ajuda de Celso Japiassu, produtor ‘Palavra do dia’ uma colaboração final da Wikipédia: É amplamente divulgado pela internet e por outros meios que a Coca-Cola seria a responsável pelo atual visual do Papai Noel ou Pai Natal (roupas vermelhas com detalhes em branco e cinto preto), mas é historicamente comprovado que o responsável por sua roupagem vermelha foi o cartunista americano Thomas Nast, em 1886 na revista Harper’s Weeklys.

Papai Noel ou Pai Natal até então era representado com roupas de inverno, porém na cor verde [carece de fontes]. O que ocorre é que em 1931 a Coca-Cola realizou uma grande campanha publicitária vestindo Papai Noel ou Pai Natal ao mesmo modo de Nast [carece de fontes], com as cores vermelha e branca, o que foi bastante conveniente, já que estas são as cores de seu rótulo. Tal campanha, destinada a promover o consumo de Coca-Cola no inverno (período em que as vendas da bebida eram baixas na época), fez um enorme sucesso [carece de fontes] e a nova imagem de Papai Noel ou Pai Natal espalhou-se rapidamente pelo mundo. Portanto, a Coca-Cola contribuiu para difundir e padronizar a imagem atual, mas não é responsável por tê-la criado.

Com desejos que esta blogada tenha evocado recordações de infância auguro que as emoções da expectativa de 2010 se adensem numa muito apetitosa segunda-feira. Até amanhã.

domingo, 27 de dezembro de 2009

27*Aos vencedores do desafio, loas!

Porto Alegre Ano 4 # 1242

É o último domingo de 2009. Ele se inicia aqui densamente nublado. Choveu um pouco durante a noite. Abro com um registro familiar. Ontem à tarde chegou de Paris o casal Benoît e Daphné Motte. Sãos pais do Benjamin, que desde quarta-feira está com a Júlia entre nós.


As fotos registram dois momentos de ontem. Na primeira, estão os dois casais visitantes durante um agradável fim-de-tarde na Morada dos Afagos. A primeira foto é uma cena de um desses momentos, Foi gostoso ouvir do casal Motte as emoções de sua primeira estada no Brasil, que se fez próximo deles desde 2001, quando começou o namoro da Júlia e do Benjamin. Recordamos nosso estar juntos com eles em diferentes ocasiões, especialmente no memorável casamento da Julia e Benjamin, em 16 de dezembro de

2006, sobre as águas do Sena.

À noite fomos, junto com a Liba, a um restaurante onde nossos hospedes saborearam as carnes que fazem conhecido o Rio Grande do Sul. Há registro fotográfico desse encontro. Nele, algo excepcional. Os visitantes trouxeram para a Liba o suplemento do prestigiado matutino parisiense Le Monde, que este ano encolheu pela primeira vez o ‘Homme de l’annee’, que é, para o jornal, o Presidente Lula. A Liba está

emocionada com a revista, lembrando que o El País de Madrid fez idêntica escolha. Foi também uma noite para guardar na lembrança.

Agora, vivemos já o domingo preguiçosamente inserido no recesso das festas de fim de ano. Logo, dia muito propício para algo ameno (e também para cumprir promessas).

No domingo, dia 06 de dezembro publiquei aqui um texto (com 328 palavras, em 28 linhas) que recebera. A singularidade do mesmo era não conter a letra A.

Ao ensejo do mesmo, ofereci um exemplar de “A Ciência é masculina?” com autógrafo personalizado, a cada um dos 20 primeiros leitores que postarem um comentário consistente, com no mínimo 40 palavras sobre assunto pertinente a este blogue. Abri a possibilidade de poder ser em qualquer idioma corrente entre nós (não vale, por exemplo, em mandarim, tai, polonês...). Quatro leitores aderiram ao desafio e trouxeram textos muito especiais. A blogada de hoje se faz com eles.

No mesmo domingo o leitor Marcos Vinicius Pacheco Bastos – que no próximo dia 15 se gradua em História no Centro Universitário Metodista – IPA, também o comentarista mais assíduo deste blogue – dizia: ‘envio aminha produção textual, com suadas e sofridas 186 palavras’. Eis sua produção:

Eu discordo do texto do blogue de hoje: tecer um texto como esse é, sim, muito difícil. Vendo e lendo, crê-se que é simples. Contudo, exercendo esse modelo de exercício de escritor, certifico-me de como é melindroso o escrever sem o dito símbolo. Posso, sim, escrever o que quiser sem ele, porém, com intempéries, pois mesmo sendo rico e fértil o português, meu conjunto de termos conhecidos - sem o referido e suprimido signo mote desse texto - é pouco extenso.

Existem muitos sinônimos disponíveis, e um bom leitor conhece muitos termos. Contudo, empreendendo esse exercício, percebe-se que é bem menos simples do que se crê. É bem possível suprimir certos dizeres, e muitos devem ser substituídos no momento de escrevê-los. Porém, conforme o texto é escrito, percebe-se que, com esforço, pode-se obter êxito.

Hoje, com o início do evento COP-15, todos nós torcemos pelo sucesso dos nossos membros tupiniquins. Roguemos pelo bom senso dos líderes políticos do mundo, que tem o nosso destino - e o de muitos outros – preso em seus gestos, reflexões, concordes, discordes e, infelizmente, no envolver de seus dedos. Ótimo domingo.

A segunda produção veio, no mesmo dia. Ela é de Matilde Kalil, psicóloga que dirige em Guayaquil a Q-Analysis, a mais respeitada empresa de análises de mercado equatoriana e entre os leitores estrangeiros, a mais presente comentarista deste blogue. Receberá o livro por este texto:

Muy querido Mestre, de quien no diré su homólogo en mi registro lingüístico ni su nombre –por obvios motivos-, pero que con respeto en otro tiempo dirigí mis textos como Profesor. Entretenido y novedoso reto el que hoy su blog nos pone, de difícil pero no imposible composición. Espero cumplir con él y ser entonces feliz de obtener un libro suyo, premio merecido de un precedido esfuerzo.

Que el primer domingo de diciembre culmine lleno de gestos tiernos y de sorprendentes escritos.

Dias depois o leitor Alexandre Rezende Teixeira, professor de Química em Lavras e doutorando em Agroquímica e Agrobioquímica na Universidade Federal de Lavras, sul de Minas Gerais, amealhou o terceiro exemplar com este significativo exercício intelectual:


Quem detém o conhecimento possui o poder. O nosso povo sempre se deixou conduzir pelos opressores, desde os tempos sob o jugo do Império Português, que com o ímpeto de nos oprimir proibiu centros de ensino de difundirem o conhecimento produzido no mundo. Este fenômeno foi seguido pelo seu vizinho ibérico, que juntos com o intuito de infundir seu jugo sob o “Novo Mundo” impediu o conhecimento de ser difundido sem o prévio consentimento do poder opressor. Restringir o conhecimento é um modo horrendo de reprimir o povo e resumir tudo como simples “desejo” dos opressores (hoje pode ser nossos péssimos políticos que com sede por dinheiro, se esquecem dos seus eleitores).

De outro modo, o conhecimento destrói o jugo dos oprimidos e os permite verem o mundo sob um novo foco. O conhecimento é luz que se difunde pelo horizonte e nutre o homem de poder e o converte em um ser melhor, conhecedor do seu meio e de seus direitos e deveres.

Neste último domingo, a leitora Maria Lúcia Lopes, bióloga e professor de Biologia em Curitiba que já colaborou neste blogue na elucidação de plantas de jardim, escreveu

Querido mestre: Pensei ter perdido o tempo de concorrer com seus digníssimos leitores neste gostoso brinquedo de percorrer o cérebro descobrindo termos coerentes com o que se quer dizer, termos esses sem um dos seus tijolos muito freqüentes.

Só com sinônimos e construções de uso pouco comum se consegue escrever coerentemente. Mesmo eu que sobrevivo do ofício de ler textos e livros com o objetivo de difundir o gosto pelo conhecimento me senti um pouco reticente em concorrer.

Conseguirei cumprir o que me propus construir em tempo de competir com outros leitores de seu blog? Espero que sim, só que com um texto bem simples.

Professor, mesmo que este brinquedo insólito só gere o treino do intelecto, sem o recebimento de um prêmio por isso, foi bom concorrer só por eu poder lhe dizer que continuo sempre lendo seus dizeres com muito gosto e que desejo votos de contínuo êxito com seu novo blog! M.L.Lopes.

Assim, nesta vigília onde esperamos 2010, os cumprimentos para o Marcos, Matilde, Alexandre e Maria Lúcia. Nenhum deles pode assinar seu texto – pois todos têm A nos nomes –, para não incorrer em desclassificação.

Aos quatro ganhadores dos regalos natalinos e a cada uma e cada um de meus queridos leitores votos de um domingo marcado pelo recesso das festas. Para amanhã há o convite para um reencontro aqui.

sábado, 26 de dezembro de 2009

26*Teoria da Viagem - Uma poética da Geografia

Porto Alegre Ano 4 # 1241

Um sábado que sabe a segunda-feira. Eu trai-me; às 07h estava na porta da Academia, imaginando-me segunda-feira. Ante a porta fechada, voltei depois de um pequeno périplo pelo quarteirão; um calor muito úmido mandou-me logo para a casa.

Mas este sábado é muito especial: se faz inserido no recesso das festas de fim de ano. E esse período, que quase se transmuta em férias, lembra viagens. Sendo sábado, honrando uma tradição que começou em 4 de abril, por sugestão do leitor Marcos Vinicius Bastos, é dia de dica de leitura. Assim, para celebrar a completação do nono mês das dicas de leituras sabatinas, o tempo é próprio para falar muito gostoso que sabe a uma ‘teoria de viagem’ mergulhada em ‘uma poética da geografia’.

Abri a semana comentando alguns livros novos que incorporava à Biblioteca da Morada dos Afagos. Um deles foi Teoria da viagem, poética da geografia – um livro muito recente do filósofo Michel Onfray, que me foi presenteado pela Gelsa. Lateralmente vale dizer que no ‘amigo secreto’ natalino a Laura, sabendo-me bibliófilo, presenteou-me com Indignação de Phliip Roth, o autor que desfruto há muito. Uma primeira ‘espiadela’ tentou-me em fazê-lo furar a fila. Contive-me. Como anunciei no correr da semana, a dica da semana é livro de Michel Onfray.


O autor é um filósofo francês. Nasceu em 1959, em Argentan, no seio de uma família de agricultores normandos. Fez doutorado em Ciências Política e Jurídica. Lecionou Filosofia, no ensino secundário durante 20 anos em um liceu em Caen. Descrente do modo como se ensina Filosofia aos alunos, em 2002, fundou a Universidade Popular de Caen, uma universidade gratuita e heterodoxa, cuja concepção se assenta nos princípios do seu manifesto La communauté philosophique, que busca voltar às raízes do humanismo ocidental. Onfray defende que não há Filosofia sem Psicanálise e os seus escritos celebram o hedonismo, a razão e o ateísmo.

De Onfray esse blogue (e também Sete Escritos sobre Educação e Ciências) já referiu em mais de uma oportunidade Tratado de ateologia (Martins Fonte, 2008). Há em português, editados pela Rocco, Ventre dos Filósofos (1990) e Política do rebelde (2001). Pela Martins Fontes há também Contra-história da Filosofia vol. 1 e 2 (2008). Dele possuo também Le souci dês plaisird: construction d’une éotique solaire (Flamarion,2008) e La inocencia del devinir (Gedisa, 2008).

Como autor de mais de 50 livros envolvendo temas como citei acima, é alvo do ódio religioso de muitos. Em um blogue fundamentalista, opinando acerca deste prestigiado autor, encontrei: “Michel Onfray vai arder no lago de fogo e enxofre de satanás, por colocar conhecimento na cabeça das pessoas; é um que coisa mais terrível, tinha que ser ateu, são todos anti-cristos satanistas filhos do demônio e assassinos”. Ou ainda isso “Bom para e Cristão é fazer uma fogueira e queimar os outros. Fazer faculdade, universidades e fazer as pessoas pensarem é pecado.” Quase não parece que estamos encerrando a primeira década do século 21.


Eis a ficha do livro de hoje: ONFRAY, Michel. Teoria da viagem, poética da geografia. [Théorie Du Voyage (Libraire Générale Française, 2007)] Tradução Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2009. 112 p. 21 cm. ISBN 978-85-254-1918-7

A edição brasileira tem esmerado acabamento. Surpreende 22 páginas em branco no ‘entremeio’. Credito-as como espaço para absorver a densidade filosófica das outras 90. Em Portugal o livro foi lançado em abril pela Quetzal Editores. Esta editora evoca a ave trepadora da América Central, que morre quando privada de liberdade; raiz e origem de Quetzalcoatl (serpente emplumada com penas de quetzal), divindade dos Toltecas, cuja alma, segundo reza a lenda, teria subido ao céu sob a forma de Estrela da Manhã.

Onfray parte do relato de Caim e Abel, no livro fundante da civilização judaico-cristã quase nos inquirindo: Qual é a origem do desejo da viagem? Porque nos sentimos mais nómadas ou sedentários? Porque somos impelidos para o movimento constante, a deslocação, ou amamos o imobilismo e as raízes? Porque mantiveram alguns povos a sua marcha inexorável, pastoreando os seus rebanhos? E porque se dedicaram outros a um só lugar, onde cuidaram dos seus campos? A energia que anima estas formas de vida tão distintas, estes dois arquétipos, é a mesma que anima o resto do universo, e que as combina obscuramente em cada um de nós.

O conceito de viagem ainda faz sentido, num mundo on-line e globalizado? Michel Onfray, pensador francês hedonista, autor de diversos livros de divulgação de filosofia, defensor do ateísmo e da autonomia do pensamento e da vida, faz, em Teoria da viagem: poética da geografia, um elogio à arte de viajar. O viajante Onfray – para quem filosofar só é possível a partir de uma experiência autobiográfica – resgata os significados primeiros de se sair em busca do desconhecido. Remontando à história de Caim (agricultor, sedentário) e Abel (pastor, nômade), ele estabelece dois pólos entre os quais todos oscilamos: nomadismo versus sedentarismo, e amor ao movimento versus paixão pelo imobilismo, pelo enraizamento. É sobre as experiências vividas sob o signo do nomadismo, do espírito da viagem que versa este volume de ensaios. Se por um lado, como afirma Onfray, o mundo resiste às tentativas de colocá-lo em palavras, neste manual da aventura ele recupera os estados de alma do viajante primordial e nos recorda uma lição ancestral: o aprendizado do mundo se dá ao mesmo tempo em que o aprendizado de nós mesmos. Como resultado, Teoria da viagem se oferece como um personalíssimo inventário de reflexões andarilhas, que têm a ver com memória, com amizade, com subjetividade, com perder-se, com a escolha de um destino. Graças ao estilo poético e informal que o tornou um dos filósofos mais lidos da contemporaneidade, Onfray atinge o pastor que há em todos nós. Após a leitura, este livro terá assegurado um lugar na bagagem – real ou afetiva – do leitor.

Onfray em sua Teoria da viagem estuda a viagem em três momentos: o Antes; o Durante; e o Depois. Para cada desses momentos traz oportunas teorizações. “No começo, muito antes de qualquer gesto, qualquer iniciativa ou vontade deliberada de viajar, o corpo trabalha, à semelhança dos metais sob a canícula do Sol... O desejo da viagem tem a sua fonte nessa água lustral e morna, alimenta-se estranhamente desse manto metafísico e dessa ontologia germinativa. Só nos tornarmos nômades impenitentes se instruídos na nossa carne nas horas do ventre materno, redondo como um globo, como um mapa-múndi. O resto revela um pergaminho já escrito...”.

"Viajar tornou-se, não apenas uma espécie de apelo da humanidade civilizada e com um mínimo de meios econômicos, mas também uma vitória sobre a eternidade; porque a viagem nos salva do que perdura e que não é tão eterno como julgávamos. Pertencendo a um mundo em que cada minuto tem um preço e uma medida exata, o viajante recupera a poesia, a inutilidade, os monumentos em ruínas, os papéis que hão de ser arquivados fora da memória, as varandas dos hotéis, os instantes fugidios de prazer e de clandestinidade. Ele é verdadeiramente um espião; e o mundo inteiro é o seu território.”

Em Teoria da Viagem - Uma Poética da Geografia, Michel Onfray reflete sobre a origem do desejo de viagem. Por que razão nos sentimos mais nômades ou mais sedentários?

Por que somos impelidos para o movimento constante, a deslocação - ou amamos o imobilismo e as raízes? porque mantiveram alguns povos a sua marcha permanente, atravessando continentes? E por que se dedicaram outros a um só lugar, onde cuidaram dos seus campos? A energia que anima estas diferentes formas de vida, estes dois arquétipos, é a mesma que anima o resto do universo, e que as combina em cada um de nós".

E para as diferentes etapas da viagem uma recomendação de Onfray “A genealogia de ícones inconscientes úteis para escolher destinações ganha em celebrar o texto, o livro, o romance, o poema, o relato de viagem. Qualquer linha de um autor, mesmo medíocre, aumenta mais o desejo do lugar do lugar descrito do que as fotografias, muito menos filmes, vídeos ou reportagem. Entre o mundo e nós, intercalaremos prioritariamente as palavras”.

Esta aí uma boa sugestão para essas férias. Teoria da viagem, poética da geografia. Adito votos de um muito bom sábado e o convite para amanhã conhecer os quatro textos premiados do desafio natalino deste blogue. Curtam o recesso.