quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

19.—RELENDO FALAS EM CAMPOS EÓLICOS


ANO
 8
www.professorchassot.pro.br

EDIÇÃO
 2688
                                              

Escrevo esta blogada, já quase à hora de sua postagem, depois de minha estada na região de parques eólicos. As falas em Osório e Palmares do Sul foram marcadas por reflexões que parecem ser não usuais a professoras e professores que estão no chão da Escola. Não foi sem razão usei em ambas as palestras o catalisador que reproduzo ao lado.
Na fala da tarde houve, como previa um adensamento sentimental, pois os trabalhos foram conduzidos pelo Prof. Denílson da Silva — hoje secretário municipal de Educação — que há mais de 10 anos foi meu orientando no Programa de Pós Graduação em Educação da Unisinos. Recebi, publicamente, carinhosa homenagem do Denílson. Ele postou no Facebook a foto à esquerda, com a seguinte legenda: Professor Chassot trouxe inquietações sobre ciência, e religião, e defendeu a necessidade da escola ser "indisciplinada"!
Propus fazer minha fala em três movimentos:
#1 – Uma protofonia: assestando óculos para olhar o mundo.
#2 – Um adágio: Das certezas à incerteza: outra exigência para fazer Educação.
#3 – Um alegro vivo: e... a Sala de aula hoje... Como? Indisciplinar.
Retomo, aqui, algo do primeiro movimento, pensando em algo que enfatizei e que sempre parece que precisa um resublinhar. Parece-me, é no que retomo, que corro o risco vivido por Anaxágoras. Por tal, reescrevo algumas reflexões, talvez por ter sido as primeiras falas de minha olhada tão crítica às religiões na Terra (dita) Santa:
A Ciência pode ser considerada uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundo natural. Permiti-me sublinhar alguns pontos nesta definição de Ciência: é um construto humano, isso é, foi construída pelos homens e pelas mulheres. Como consequência desta natureza humana, a Ciência não tem a verdade, mas aceita algumas verdades transitórias, provisórias em um cenário parcial onde os humanos não são o centro da natureza, mas elementos da mesma. O entendimento destas verdades – e, portanto, a não crença nas mesmas –, tem uma exigência: a razão. Aqui temos um primeiro alerta: a Ciência não tem verdade. diferentemente das religiões que admitem ter verdades reveladas, que são crenças, e exigem , para professá-las
Mas, quando se propõe ser a Ciência um dos mentefatos culturais1 de lermos o mundo, surge a interrogação: quais são outras possibilidades? Talvez possamos identificar leituras marcadas pelo senso comum, pelos mitos, pelo pensamento mágico, pelos saberes primevos2 ou pelas religiões. Aqui e agora, parece ser importante afirmarmos que qualquer uma destas leituras não recebe um aval, ou mesmo um rótulo, de que seja a mais certa ou mais adequada. Cada uma e cada um de nós pode se afiliar a uma destas leituras. Enfatizo o convite para pensarmos acerca de como a Ciência lê o mundo natural, antecipando que não estamos desqualificando qualquer uma de outras leituras e muito menos sugerindo que se abandone uma ou outra em favor desta que se faz central nas palestras. Há também a convicção que mesmo que nos afiliemos a Ciência, também usamos em diferentes momentos leituras marcadas pelo senso comum (quando nos encantamos com um pôr-do-sol); pelo pensamento mágico (quando buscamos a cura através de uma poção dita milagrosa ou consultamos horóscopos ou ainda acreditamos que nosso time de futebol pode ser vitorioso por nossa torcida ou aquele que secamos poderá sucumbir por nossas mandingas); pela religião (quando rezamos ou pedimos algo a um Ser superior); buscamos leituras mitológicas; e, encontramos nos saberes primevos explicações para nossos fazeres cotidianos.
Quando se fala em Religião e Ciência, se advoga a existência de campos dicotômicos. Mas cabe a pergunta: por que, por exemplo, a religião se faz tão fortemente presente em nosso cotidiano? Houve um tempo, não tão curto e nem tão distante – aquele que medeia o entorno da virada do século 15 para o 16 até o Século das Luzes – em que houve uma significativa interferência entre os dois campos. Interferências estas que ocorreram com disputas, ou pior, até com embates cruentos. Julgamentos como o de Galileu ou martírios como o de Bruno não foram atos isolados. Para a separação entre os dois campos, a contribuição do Iluminismo talvez tenha sido decisiva com a proclamação de Kant com o “liberta-te daqueles que querem pensar por ti, e pensa!”. Então a Ciência não apenas adquiriu/adquire status independente, mas trouxe superações, chegando, há um século, a ser aceita como um sucedâneo à religião. Afortunadamente, essa interpretação, tida por alguns como um ápice ou refinamento, também parece superada.
[1] Há um tempo passei a nominar os saberes populares de saberes primevos, na acepção daqueles saberes dos primeiros tempos; ou saber inicial ou primeiro. É preciso dizer que não se trata de uma simples troca de adjetivo. Há aqui uma postura política: a opção por um adjetivo como primeiro ou primevo não desqualifica tanto um saber, como quando dizemos saber popular. Mesmo que, às vezes, ainda refira 'saberes populares' isso é feito até para dar a atenção para essa diferença (Em Sete escritos sobre Educação e Ciências, p. 198, apresento justificativa para essa opção).
2Adiro aos que fazem uma distinção entre artefato e mentefato. O ser humano age em função de sua capacidade sensorial, que responde ao material [artefatos], e de sua imaginação, muitas vezes chamada criatividade, que responde ao abstrato [mentefatos]. A realidade percebida por cada indivíduo da espécie humana é a realidade natural, acrescida da totalidade de artefatos e de mentefatos [experiências e pensares], acumulados por ele e pela espécie [cultura].

5 comentários:

  1. Penso que a supremacia do pensamento não científico (religioso, mítico, mágico) se deve ao fato de que a ciência ainda se restringe a um grupo pequeno, na comparação numérica. Não imagino templos religiosos promovendo show com a fé das pessoas humildes produzindo 'milagres' em Israel, por exemplo.

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  2. VERDADES?
    O Homo em sua curta existência
    Desde sempre adotou superstição
    Mas quando desenvolveu a ciência
    O ignoto se deslocou pra religião

    Não há conflito entre dois saberes
    Ambos completam-se nos dizeres
    Desde que religião se limite à fé
    E ciência tente responder o que é

    Mitos nada explicam, por seu lado
    São férteis refúgios da ignorância
    Pensamento mágico se reiterado

    Contraria descobertas e sapiência.
    Por isso prefiro crer num tratado
    Que fazer lei de uma coincidência.

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  3. Meu caro Chassot
    Bom te-lo de volta ao nosso meio, depois desta jornada pelo Oriente Médio. E ainda mais postando textos como este que ilustra a blogada de hoje. Ninguem tao brilhantemente consegue transitar de forma plena por estes dois campos a que denominas dicotômicos, religião e ciencia. Abraço do JB

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  4. Adito meu comentário ao "apagar das luzes" tendo em vista minha volta as aulas ter se dado de forma frenética como dizem meus joviais companheiros. Maquiavel em "O Príncipe" orienta que o bom governante deve manter seus governados pelo medo e pela força, aqueles valores de um rei benevolente e querido devem ser abandonados para o sucesso de um reino duradouro. Assim é a vida, o homem precisa temer a algo para que haja um freio moral em seus desmandos, não que todo ateu seja uma mau elemento, nem que todo religioso seja santo. E nesse binômio criador criatura pulamos a todo instante de lado.
    abraços

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  5. Professor Chassot, foi um prazer conhece-lo e um privilegio assistir sua palestra.
    Sucesso!!!

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