sexta-feira, 9 de junho de 2023

GALILEU GALILEI E O DIA DE CORPUS CHRISTI


Interrompo a leitura do instigante ‘O crime do bom nazista’ neste feriado (ou deveria dizer: dia santo) para tecer o Blogue de amanhã (segunda sexta-feira de Junho2023). Quando pensei nesta edição imaginei abri-la afirmando: Vou laborar em um senso comum. A maioria das pessoas não sabe em sua essência do significado da data de hoje: Corpus Christi ou Corpo de Deus..

Minha afirmação parece ser um senso comum, pois acho que a maioria não sabe qual o significado deste dia santo, essencialmente católico. Os calendários, num ranço medievo, anunciam em latim: Corpus Christi. Mas, não sei se existe alguma pesquisa que corrobore minha hipótese. A celebração de hoje é um evento baseado em tradições católicas do final da Idade Média (Século 13). Celebra-se na quinta-feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade, que por sua vez, acontece no domingo seguinte ao de Pentecostes ou 60 dias após a Páscoa (= A Páscoa é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia que ocorre depois do equinócio da Primavera (no hemisfério norte, outono no hemisfério sul), O dia da Páscoa pode variar desde 22 de Março até 25 de Abril).

Corpus Christi é uma "Festa de Guarda", isto é, para os católicos, há a obrigação de participar da Santa Missa. Há no Código de Direito Canônico uma determinação que ocorra procissão pelas vias públicas para testemunhar publicamente a adoração e a veneração do Corpo e Sangue de Cristo; por tal, também nominada como dia do Corpo de Deus. 

A Igreja Católica sentiu necessidade de realçar a presença real do "Cristo todo" no pão e vinho consagrados. A medieva festa de Corpus Christi foi instituída pelo Papa Urbano 4º em 1264. Em muitas cidades, ainda hoje, há costume ornamentar as ruas por onde passa a procissão com tapetes de colorido vivo e desenhos de inspiração religiosa. Os tapetes de rua são uma tradição e manifestação artística popular realizada por fiéis da Igreja Católica, confeccionados para a passagem da procissão de Corpus Christi. A tradição da confecção do tapete surgiu em Portugal e veio para o Brasil com os colonizadores. Os desenhos utilizados são variados, mas enfocam principalmente o tema Eucaristia. Para confeccionar os tapetes são utilizados toneladas de diversos tipos de materiais, tais como serragem colorida, borra de café, farinha, areia, flores e outros acessórios. Nos parágrafos acima, é possível estranhar que tenha em se comentando a celebração de Corpus Christi, tenha me referindo exclusivamente a Igreja Católica Romana. Tem porque.

                                                              [Galileu frente ao tribunal da inquisição romana, pintura de Cristiano Banti (fonte Wikipédia)

.Mas qual a relação desta festa com Galileu Galilei? O grande rompimento entre Ciência e Religião, parece acontecer em 1543, quando Nicolau Copérnico propõe um novo modelo para o sistema solar que contraria o modelo bíblico. “Não é mais o sol que gira em torno da Terra, mas a Terra é que gira em torno do sol”, diferente do que está no livro de Josué (10, 12-14). A proposta copernicana é ratificada por Galileu em várias obras, especialmente em “Diálogo sobre os dois principais sistemas de mundo” (1623). A adesão ao heliocentrismo já havia concorrido para Giordano Bruno terminar na fogueira, em 1600. Apesar de, aparentemente, estas revelações terem gerado a cisão entre os dois pontos de vista, a questão central de toda a discussão, ocorre quando Galileu foi julgado aparentemente por sua ratificação do heliocentrismo.

Parece oportuno ler uma pungente confissão pública: "Eu, Galileu, filho de Vicente Galilei de Florença, com a idade de setenta anos, juro que sempre acreditei, acredito agora e com a ajuda de Deus acreditarei no futuro em tudo o que sustenta, ensina e prega a Santa Igreja Católica e Apostólica. Mas por ter eu — após ter sido com preceito intimado juridicamente por este Santo Ofício a que deixasse completamente a falsa opinião de que o Sol seja o centro do mundo e que não se mova, e de que a Terra não esteja no centro e que se mova; e a que não tivesse, defendesse, nem ensinasse de qualquer modo, nem por voz, nem por escrito, a falsa doutrina referida; e por ter sido notificado de que esta doutrina é contrária às Sagradas Escrituras — escrito e imprimido um livro no qual trato da mesma doutrina já condenada e apresento razões com muita eficácia em seu favor, fui julgado veemente suspeito de heresia, isto é, de ter tido e acreditado que o Sol seja o centro do mundo e esteja imóvel e que a Terra não seja o centro e que se mova. Portanto, querendo retirar da mente de Vs. Eminências e de todo fiel cristão esta veemente suspeita (...) com o coração sincero e fé não fingida abjuro, e amaldiçoo e detesto os erros e heresias acima (...)".

Rigorosamente o julgamento que conduziu a esta confissão fora um simulacro (A ciência através dos tempos, p. 149). Era fácil aceitar o senso comum marcado pelas propostas de Aristóteles há mais de 20 séculos. Havia um impasse muito maior que fora subtraído das discussões. Galileu ensinava mais de um século antes que Lavoisier ‘que uma substância só se transforma em outra substância, se houver alteração de sua natureza’. Ocorre que isso fere frontalmente o dogma da transubstanciação, ou seja, quando o Pão e o Vinho se transformam em corpo e sangue de Cristo. Por tal era importante silenciar Galileu, que até morrer aos 78 anos não pode mais ensinar ou escrever livros.

Essa ‘leitura’ católica da Última Ceia é diferente — leia-se, mais fácil —, no luteranismo e na maioria das igrejas surgidas após  a Reforma (1517) — para o qual o Pão e o Vinho representam (e não são!  o Corpo e Sangue de Cristo. Na Igreja Metodista se diz que Pão e o Vinho recordam a Última Ceia. Assim o dia santo católico desta quinta feira é a celebração de uma das mais significativas dissemelhanças do catolicismo e as demais denominações cristãs.

Neste feriado, os ‘evangélicos’ que se diz serem um terço dos eleitores brasileiro celebraram a “31o marcha com Jesus”, Os Evangélicos souberam, já há mais de 30 anos se apossar de um feriado nacional ‘dado’ à Igreja Católica, deixando de fora uma signifitiva parcela de brasileiros. Lamentavelmente foram intolerantes quando o Presidente da República, não comparecendo nem a manifestação de Católicos nem de Evangélicos, cortesmente enviou como um dos seus representantes com uma mensagem de Paz. O Dr. Jorge Messias, chefe Advocacia Geral da União (a outra representante do Presidente fora a Deputada Federal evangélica por São Paulo Luiza Erundina),  foi acintosamente vaiado quando ofereceu votos de Paz em nome do Presidente Lula.

Já escrevi aqui, em mais de uma oportunidade, que dentre nossas ações, enquanto humanos, uma das mais esplêndidas e, também, intricadas, e por tal das mais difíceis, é tentar entender as coisas. Isso dá viço à vida.

Hoje, muitos dentre meus leitores celebram um dos maiores dogmas que é fulcral em sua religiosidade: a transubstanciação — o pão e vinho, pelas palavras da consagração de um sacerdote, se convertem em corpo e sangue de Cristo. E, isto é mistério que exige para crê-lo fé.

Aqueles temas rotulados como mistérios perdem a graça, pois trazem uma premissa: não somos capazes de entender. Acho que cometi um equívoco. Não posso dizer perdem a graça, pois numa dimensão religiosa — da qual me abstenho trazer detalhes — são estes que têm graças. Um crente e um não crente têm a mesma postura diante de um mistério como o da transubstanciação ou como o da trindade (um só Deus que são três): trata-se de algo que não se pode explicar. Mas um acredita e o outro não.

Encerro meu comentário acerca da data de hoje afirmando que “Se acreditamos que fogo esquenta e a água refresca, é somente porque nos causa imensa angústia pensar diferente”. Essa frase atribuída, a David Hume (1711-1776), filósofo e historiador escocês, tem contribuído muito para meu entendimento do papel das religiões nos dias atuais, mostra um pouco de minhas pretensões nesta singela blogada de um dia festivo para ajudar a pensar diferente.


2 comentários:

  1. Meu Carissimo Chassot. Ao ler teu comentário deste fim de semana no Blog, tive uma verdadeira Aula de Religião e Ciência. Muito Obrigado mais uma vez por contribuir com o nosso conhecimento. Abraço do JB e Saudades imensas do amigo.

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  2. É sempre bom poder ler seus comentários Prof Chassot , a maneira como dialoga determinados temas nos fazem refletir e contruiem com nossos conhecimentos.

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