sexta-feira, 6 de maio de 2022

UMA (QUASE) SAGA DO MANUAL DO ARTILHEIRO


ANO 16*** 06/05/2022***EDIÇÃO 2045

 

Na edição de 08 de abril narrei aqui: entre múltiplos (a)fazeres o Prof. Dr. Nelson Marques (USP) e eu nos envolvemos, retomamos um projeto que há um tempo estudamos: A Inquisição, a Censura Científica e o Índex de Livros Proibidos. Assim, um no Rio Grande do Norte e outro no Rio Grande do Sul estamos estudando algo saboroso: o estudo das tênues fronteiras entre Religião e Ciência catalisado pelo  Index Librorum Prohibitorum. e por tal, não raro cruento.

No primeiro blogar de maio 2022 trago algo do
Exame de Artilheiros.  Esta obra é considerada, na opinião de um grande número de estudiosos, como o primeiro livro escrito no Brasil (mas impresso em Lisboa em 1744, pois no período colonial do Brasil era proibida a existência de impressoras). A Biblioteca Xerox fez da obra primorosa reprodução fac-similar (obra XXVII da referida Biblioteca), acrescida de nota biográfica e análise crítica do Professor Paulo Pardal. Tenho o privilégio de ter (no setor de suas obras raras e preciosas) um exemplar reprografado do Exame de  artilheiro.


Toda e qualquer publicação dentre 1559 e 1966, tinha uma dificuldade adicional: o “zelo” da Igreja. A Inquisição, [acerca da qual se apresenta um texto suplementar na produção que fazemos], influiu tardia, mas nefastamente no Brasil Colônia. Os tribunais inquisitoriais analisavam qualquer obra que se publicava, mesmo que o assunto em nada dissesse respeito a questões da doutrina religiosa, para ver se os cidadãos, católicos ou não, poderiam lê-la. Isto ocorreu em todo o mundo cristão, inclusive aqui no Brasil, onde recém se iniciava a publicação dos primeiros livros.A título de exemplo refiro o que consta nas seis páginas iniciais do Exame de Artilheiros.

Inicialmente o Qualificador do Santo Ofício diz: “Por todos os princípios se faz esta obra digna da imortalidade do prelo; pela pureza da fé, e utilidade dos bons costumes, o julgo, eu, obediente ao decreto de Vossa Eminência pelo relevante das doutrinas com que instrue os Artilheiros, para seu Exame o Sargento mor Engenheiro, Jozé Fernandes Pinto Alpoyim, Cavaleiro professo na ordem de Christo... ”

O frei Qualificador continua seus comentários para após outra autoridade religiosa dizer que: “... pode imprimir-se o Livro de que se trata, e depois de impresso tornará para se conferir, e dar licença que corra, sem o qual não correrá.”

Posteriormente um bispo afirma: “O livro intitulado Exame de Artilheiro, de que faz menção a petição inclusa, não contèm nada contra a nossa Santa Fé, e bons costumes, além de ser de grande utilidade para o conhecimento, e bom uso da Artilharia nos ataques, e defesa das Praças; e combates do mar. ...” Então um arcebispo diz que:“Vista a informação pode-se imprimir o livro, e tornará para se conferir e dar licença para correr....”.

Há então a aprovação do Paço, onde um cavaleiro professo na Ordem de Cristo, Sargento mor e Engenheiro mor, diz: “Vi este livro ... tão útil a doutrina de que trata... que de graça se deve conceder ao Autor a licença, que pede, e tanto não contém cousa que encontre as maximas desta Coroa...”

A seguir vem a autorização de um cardeal: “Que se possa imprimir vista as licenças do Santo Ofício, e ordinário, depois de impresso tornará á Mesa para se conferir e taxar, e dar licença, para que corra e sem ela não correrá...”

Estes trâmites ocorreram em novembro de 1743. Meio ano depois (maio de 1744), depois de impresso o livro retorna para conferência, licença do Santo Ofício, do Ordinário e do Paço, que o taxa em oitocentos réis em papel. Vale repetir que estes extensos cuidados eram para uma obra que oferecia noções de aritmética e de balística.

O livro, excluído  os texto aditados a obra reprografada) tem mais de trezentas páginas e é formadas por perguntas e respostas. Transcrevo as perguntas 1 e 2  para se verificar o nivel da obra:

P. 1 QUE HE ARITMÉTICA? He uma arte, que ensina a fazer bem os calculos, ou seja sobre os números ou sobre as letras do ABC (que se chama Algebra especiosa,)e vem da palavra Arithmos, que significa numero.

P. 2 O QUE  HE NÚMERO? Numero naõ he outra coisa mais que hum nome, que declara, e expressa as partes de huma grandeza, ou a oolecçaõ.


Um comentário:

  1. Que bom ler estas informações. Estudei a obra no livro “Uma história da matemática escolar no Brazil, 1730-1930”.

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