sábado, 28 de janeiro de 2017

28.— O mundo submarino de um cruzeiro

ANO
 11
A bordo do Vision of the seas
FÉRIAS 15/24
EDIÇÃO
 3260


A edição deste sábado foi preparada aqui no Golfo Pérsico quando quase terminava a sexta-feira, enquanto no Brasil o sol ainda ia alto.  O dia 27 de janeiro foi para mim o primeiro dia de minha vida sem estar em momento algum sobre terra, pois passei todo dia embarcado no Vision of the seas e este ofereceu atividades das mais díspares. Muitas vezes era difícil fazer uma seleção. Assistimos uma palestra sobre Abu Dhabi e Dubai, uma entrevista coletiva e, entre várias outras atrações, um show: ‘Beatles celebration’ onde 4 jovens artistas caracterizados como George, Ringo, Paul e John nos levaram gostosamente aos anos 60 do século passado.
Acredito que a maioria das pessoas que colocam a chave de ignição em um automóvel e a giram um quarto de volta e arrancam, deslocando-se no carro, não sabem exatamente o porquê o carro anda e porque esta chave seja chamada de ignição. Por exemplo, como a gasolina produz energia para fazer com que as rodas tracionem o carro.
Desde domingo tenho uma permanente interrogação: como 790 tripulantes, que parecem, em sua maioria jovens sorridentes, oriundos de 53 países, conseguem oferecer a 2.320 passageiros, muitos dos quais idosos e alguns portadores de necessidades especiais, a vivência de sete dias de grande bem-estar?
Como funciona um automóvel quer ser minha metáfora, como no Vision of the seas, para procurar a entender como coisas funcionam? Quando vemos um teatro de bonecos esquecemos como são manejados os fios para animar os marionetes, como também esquecemos de perguntar por que um carro anda ou como funciona um cruzeiro?
Talvez, valha antes de responder esta última pergunta, referir algumas informações do navio (trazidas de folder distribuído a bordo). O Vision of the seas foi construído na França em 1996. Este tem 278,94 metros de extensão e quase a altura da Torre Eiffel. Com o aço necessário para sua construção daria para construir 70 estátuas da Liberdade e seu custo de 275 milhões de dólares daria para comprar 4.000 automóveis Jaguar, quase dois para cada um dos passageiros.
O folder antes citado refere a quantidade de alimentos e bebidas que serão consumidos nesta viagem. São números que surpreendem, a exemplificar por cerca de cerca de 4 toneladas de frutas frescas e mais de uma tonelada de frangos ou 10.200 garrafas de cerveja, apenas para citar três exemplos. É fácil imaginar o volume de água potável consumida em cada dia, produzida por dessalinização no próprio navio.
Trouxe uns poucos dados de um dos navios de cruzeiro dos mais modestos, para que se entendam minhas interrogações. Estas me causaram espécies quando soube da jornada de trabalho de alguns funcionários: dez horas de trabalho diário, durante sete dias por semana para depois de sete meses terem dois meses de férias, com a garantia de retorno assegurado.
Movido por interrogação como a que trouxe antes, compareci a uma entrevista coletiva com o comandante Marc do Vision of the seas, um polonês de Gdansk. É preciso referir que se faz do comandante (em todos os cruzeiros) uma figura quase mítica e há os que vestem gala quando estão em eventos que ele aparece; tirar foto o dançar com o comandante dá prestígio. Depois de ouvir respostas a perguntas como: “O que o senhor queria ser quando era pequeno?” Mesmo não sendo fluente em inglês, pedi a palavra, aventurei-me e falei: “Algo que para mim é distinguido, quando de meu primeiro cruzeiro com o Royal Caribbean é a competência e a cortesia de todos os funcionários. Minhas perguntas vêm daí. Como são as condições de trabalho do pessoal? Por exemplo, como você organiza sua jornada diária? Como são as agendas ou escalas diária, semanal e mensal dos funcionários: Quando ocorrem os tempos livres deles: E as férias dos funcionários? E as questões trabalhistas?”
Minhas perguntas foram muito consideradas e respondidas pelo comandante e por outro graduado do primeiro escalão. Houve referências a leis e tribunais internacionais que disciplinam trabalhos do pessoal embarcado e a permissão de jornadas de dez horas diárias em trabalho desta natureza. Um brasileiro do primeiro escalão da tripulação, há alguns anos na empresa, na noite de ontem, assegurou-me a idoneidade e a seriedade da mesma.
Não sei se me convenci, mas ainda sinto um ressaibo amargo da existência de um discutível regime de trabalho para essas mulheres e esses homens sempre tão corteses. Talvez, alguém esteja a lembrar-me o dito do pintor Apeles, que depois de ter considerada a opinião do sapateiro sobre a fivela da sandália que pintara em uma tela, aquele quis também sugerir modificações no manto. “Professor! Não vás além de tuas chinelas!”
Esta blogada é dedicada ao meu colega e amigo Jairo Brasil,  um arauto na defesa de trabalho mais salubre.

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