segunda-feira, 23 de setembro de 2013

23.— NÃO SÓ A CIÊNCIA É MASCULINA

ANO
 8
LIVRARIA VIRTUAL em
www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 2543


Já circula a sexta edição de A Ciência é masculina? É, sim senhora! Para comemorar brindo a meus leitores com o texto Por que as mulheres legitimam a dominação masculina? que o filósofo Antonio Ozaí da Silva, professor da UEM, publicou neste 22 de setembro no muito apreciado blogue: http://antoniozai.wordpress.com
…é ainda mais surpreendente, que a ordem estabelecida, com suas relações de dominação, seus direitos e suas imunidades, seus privilégios e suas injustiças, salvo uns poucos acidentes históricos, perpetue-se apesar de tudo tão facilmente, e que condições de existência das mais intoleráveis possam permanentemente ser vistas como aceitáveis ou até mesmo como naturais” (Pierre Bourdieu)[1]
Sou do tempo em que era comum guardar páginas e recortes de jornais e revistas. Hoje, organizamos arquivos em pastas no computador. Ainda assim, mantenho o hábito de guardar textos das revistas que recebo para leitura posterior. Termino por aumentar a pilha de papéis, pois o envolvimento com a rotina e a urgência de outras prioridades fazem com que a tarefa fique relegada ao futuro incerto. Não obstante, na minha desorganização organizada encontro tempo para dar conta das pendências. Então, termino por me surpreender com as coisas que guardo: umas nem fazem mais sentido, pois eram conjunturais e o tempo anulou a motivação; outras, simplesmente deixam de despertar o interesse – o que me faz pensar no tempo que consumimos com algo que nos parece muito interessante em determinados contextos da vida, mas que, passado o momento, dilue-se e torna-se descartáveis. Mas, há aqueles assuntos que, infelizmente, permanecem atuais. Seria melhor que também eles tivessem perdido o sentido de ser. A realidade, contudo, teima em persistir.
Manuseio os papéis empilhados sobre a mesa e deparo-me com uma matéria da revista Retrato do Brasil cujo tema é a situação das mulheres na Arábia Saudita. O título chama a atenção: “Elas querem a direção”.[2] Inicio a leitura e fico abismado! O texto informa que naquele país, em pleno século XXI, as mulheres são proibidas de dirigir automóveis! A segregação sexual é a norma na sociedade, as mulheres não podem comparecer aos tribunais e o direito ao divórcio depende de uma declaração do marido. Além disso, toda mulher é tutelada por um homem (pai, irmão ou marido). Tais “guardiões” influenciam suas escolhas em todas as esferas da vida.
Fico ainda mais perplexo ao ler o depoimento de mulheres que apoiam a tutela masculina – o que ilustra bem a complexidade da questão de gênero, na medida em que lá, como aqui, as mulheres introjetam os valores considerados machistas e reproduzem-nos como esposas, mães, etc. Em reportagem no The New York Times, publicada em maio de 2010, a jornalista Katherine Zoepe relata a história de Rowdha Yousef: “Com 39 anos, divorciada, mãe de três filhos, ela atua como conselheira voluntária em casos de abusos domésticos. Na conversa com a jornalista, Rowdha se mostra ativista contra as ideias libertárias. Com 15 outras mulheres, ela iniciou na internet a campanha denominada “Meu guardião sabe o que é melhor para mim”, que, em dois meses, conseguiu uma petição solicitando ao rei “punição para aqueles que pedem por igualdade entre homens e mulheres, mistura de homens e mulheres em ambientes mistos e outros comportamentos inaceitáveis”. Rowdha diz que as mulheres que querem acabar com a tutela têm problemas pessoais com os homens. “Se ela está sofrendo por causa de seu guardião, pode recorrer à corte da Sharia [código de conduta religiosa] e pedir a substituição por alguém mais digno de confiança”.[3] Noura Abdulrah, a primeira mulher a ocupar um cargo ministerial na Arábia Saudita, também defende a tutela masculina: “Como mulher saudita, quero ter meu guardião. Meu trabalho requer de mim ir a diferentes regiões da Arábia Saudita e, durante minhas viagens, sempre levo meu marido ou meu irmão. Eles não solicitam nada em troca – eles somente querem estar comigo”.[4]
Estamos no século XXI, mas as trevas de regimes políticos conservadores-teocráticos persistem como se fossem naturais. A fusão do Estado com uma concepção estreita e intolerante da religião são os pilares que sustentam a exclusão das mulheres e perpetuam a dominação masculina. Mas também devemos considerar os valores e costumes arraigados na sociedade, cuja influência é tão forte que conquista a legitimação até mesmo das mulheres. Como explicar isto? O que diz o multiculturalismo e o feminismo? A realidade social é bem mais complexa do que os nossos ismos!
[1] BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. RJ: Bertrand Brasil, 2005, p. 7.
[2] Ver SARTORI, Armando. “Elas querem a direção”. Retrato do Brasil, nº 49, agosto de 2011.
[3] Idem, p. 18.
[4] Idem, p. 19-20.

5 comentários:

  1. Mestre Chassot
    Uma sociedade que em pleno século XXI se mantem ainda extremamente machista, mesmo naqueles paises que se consideram evoluidos como no caso ocidental. Imagine nestes lugares onde a religião dá o tom do poder...JB

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  2. Limerique

    Pois não importa o que você fizer
    Para libertar do jugo a mulher
    Você tira-lhe os grilhões
    Ela: não vou, seus bobões!
    Só saio em liberdade se eu quiser.

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  3. Limerique

    Mulher saudita infeliz, oprimida
    Para nós, no seu íntimo ferida
    Mas,vade retro infiel!
    Este é o meu papel
    Desinfeta! vá cuidar de sua vida!

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  4. Nosso Mestre Chassot: "Existem coisas que não podem ser escondidas" essa foi a primeira campanha de um país ultra conservador, onde me fêz lembrar o teu blog algum tempo atrás sobre as Mulheres Maldivas,onde Ilíria chama para uma responsabilidade a que não podemos eximir,Jairclopes diz que o mundo é medieval onde mulheres enfrentam brutalidade sexual, Laurus Loureiro repudia os xerifes do mundo e o Antonio pede para o papa "Francisco" manifestar seu repúdio com vemência a estes absurdos e nosso grande mestre pede para assinar o manifesto da Organização Avaaz onde já catalisou tantas petições vamos dar um fim a essa loucura. Parece que estamos na idade da pedra é inadmisível o que se passa na Arábia Saudita, as mulheres até prá estudar e abrir conta bancária e viajar precisem da aprovação do seu guardião.Nós mulheres vamos apoiar e contribuir para que nossas irmães do oriente conquistem seus direitos. 25 de novembro "Dia internacional de combate contra a violência da Mulher. Um forte abraço Ley.

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  5. O preconceito tem a idade da escrita, afinal já no livro dos livros, Deus é homem e fez o homem a sua imagem e semelhança, a mulher é simplesmente um pedaço do homem, para ser mais exato uma costela. Dogmas a parte, a igualdade de gênero está muito mais em nossas bocas do que no nosso proceder. Se vemos um rapaz namorador, todos exclamam; "Esse é garanhão!", se vemos uma moça namoradora vem logo o rótulo, "piranha", uma moça não pode andar com roupas mais curtas que já recebe a pecha de estar se oferecendo. Se uma mulher bonita alcança um cargo de destaque, a boca miúda lhe atribui o fato aos seus dotes e favores sexuais. E vai por ai a fora. E não sejamos hipócritas a proclamar que muita coisa mudou, pois muito mais ainda há de ser feito.

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