terça-feira, 23 de outubro de 2012

23.- ALGO DA RECENTE HISTÓRIA DA MEDICINA



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2274
A comemoração dos duzentos anos de uma das mais importantes revistas de medicina enseja em artigo de Drauzio Varella, publicado na contracapa da Ilustrada da Folha de S. Paulo deste sábado, 20 de outubro, que conheçamos que apenas no início do século 20 surgiram as técnicas de assepsia e os rituais nas salas de operação.
É de surpreender, como em tempos tão próximos, ainda se convivia com práticas quase do medievo. O texto permite conexões com assuntos de História da Ciência tantas vezes presentes aqui. Vale fruí-lo e ver as vantagens que temos em relação a nossos antepassados não tão distantes.
Nota: Textos entre colchetes [...] e ilustrações são do editor do blogue.
Duzentos anos de medicina "The New England Journal of Medicine", a revista de maior circulação entre os médicos, completa 200 anos. Publicado em 1802 [provavelmente um equívoco; deve ser 1812], o primeiro número trazia um artigo de John Warren (1753-1815), um dos fundadores da Harvard Medical School. Nele, o médico descrevia os sintomas e o tratamento de um religioso que se queixava de dores fortes no peito, aos menores esforços.
Do ponto de vista científico, a descrição dos sintomas de insuficiência coronariana é impecável, mas o tratamento realizado é de assustar. O paciente, um "clérigo pletórico", [= relativo à pletora; superabundância de humores ou sangue] foi tratado com estimulantes, sangria e aplicações locais de éter. Em seguida, "recebeu novas sessões de sangria, ópio, laxativos poderosos e agentes cáusticos aplicados sobre a pele do esterno".
Como os sintomas persistiram, Warren tentou uma resina de asafétida — planta caracterizada pelo odor pútrido — e aplicou nitrato de prata nos braços e nas coxas, com a intenção de abrir fissuras na pele para drenar os maus fluidos.
Embora sejam consideradas absurdas, é preciso entender que essas práticas pareciam sensatas numa época em que os médicos e a população acreditavam que os estados de saúde e doença dependiam do equilíbrio entre o fluxo dos quatro humores corpóreos: sangue, fleuma, bile negra e bile amarela.
Para eles, um bom remédio deveria provocar sintomas suficientemente intensos para restaurar a harmonia entre os humores. Por exemplo, alguém convencido de que suas agruras resultavam do mau funcionamento dos intestinos, sentiria alívio ao receber vomitórios e laxantes. Eram os tempos da "medicina heroica", segundo a qual quanto mais grave a enfermidade, mais agressivo o tratamento.
Em 1812, o "The New England" recomendava "sangria copiosa" nos casos de ferimento por arma de fogo, estratégia bizarra, mas que conseguia diminuir os sinais de inflamação e a temperatura corpórea, dando a impressão de que não ocorreriam complicações supurativas ou gangrena. O mesmo procedimento era indicado para abaixar a febre da malária.
Ainda na primeira metade do século 19, o francês Pierre Louis (1787-1872) criou o "método numérico", ao comparar dois grupos de pacientes com pneumonia tratados com ou sem sangria, sem encontrar diferença na evolução entre eles.
A partir daí, a filosofia de ceticismo que tomou conta da prática médica encontrou em Oliver Holmes (1809-94) sua maior expressão. Em 1860, ele afirmou: "Se toda a matéria médica, como hoje é empregada, fosse afogada no fundo do mar, seria muito melhor para a humanidade -e muito pior para os peixes".
Essa postura niilista, no entanto, jamais se tornou popular, porque nenhum médico encontra permissão moral para cruzar os braços diante do sofrimento humano.
Em 1846, a revista publicou o artigo em que William Morton (1819-68) descrevia a anestesia com éter. A descoberta, no entanto, demorou mais de cinquenta anos para revolucionar a prática cirúrgica, porque os cirurgiões precisavam decidir se a analgesia justificava os riscos de morte por septicemia.
Apenas no início do século 20 surgiram as técnicas de assepsia e os rituais das equipes nas salas de operação, responsáveis pela redução das complicações infecciosas.
Em 1912, quando a revista completou cem anos, Paul Ehrlich (1854-1915), em Berlim, sintetizou um composto dotado de ação contra a sífilis, o Salvarsan. Foi a primeira prova do conceito de que os medicamentos deveriam ser específicos para a doença e não para cada doente em particular.
A descoberta teve impacto limitado, porque a especificidade do Salvarsan era mais teórica do que empírica. Apesar de beneficiar alguns pacientes, a droga provocava efeitos colaterais intensos e não agia em todos os casos de sífilis.
O pioneirismo do Salvarsan também se manifestou ao expor pela primeira vez as limitações da abordagem reducionista em medicina: a sífilis não se restringia ao Treponema pallidum, envolvia comportamento sexual, aspectos morais e discriminação social. Destruir a bactéria era condição necessária, mas não suficiente para combater a epidemia.
A revolução da farmacoterapia ainda levaria pelo menos trinta anos para acontecer. Apenas na década de 1950, cerca de 4.500 drogas novas entraram no comércio, nos Estados Unidos.

Um comentário:

  1. Por mais grotesco que pareça, a medicina moderna não está tão racional na relação custo benefício.A multiplicidade de especializações trazem uma realidade ridícula. "Olha, eu sou ortopedista geral, joelho o senhor tem que procurar um especialista..." O enfêrmo do século XXI, independente da sua moléstia, ao procurar tratamento depara-se com uma infindável quantidade de exames invasivos, traumáticos e com inúmeros efeitos colaterais.Os medicamentos curam um mal e trazem novos dez. O infeliz ao entrar no hospital logo perde o nome, passa-se a chamar, "aquela hérnia do leito dois", "aquele apêndice do leito quatro". Em seguida enfiam-lhe tubos dos mais variados calibres em todos os orifícios possíveis e prováveis. Enfim chegam a brilhante conclusão de que o melhor lugar para recuperação do doente é a sua casa, já que as casas de saúde estão tomadas de infecção hospitalar...

    abraços

    Antonio Jorge

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