segunda-feira, 16 de julho de 2012

16.- TCLE um (quase) vírus infectando a pesquisa


Ano 6*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2175
Publiquei há um mês (15JUN2012) uma blogada que tinha como manchete 15.- ATIREI A PRIMEIRA PEDRA, onde dava partida a uma campanha contra as intervenções draconianas dos Comitês de Ética na Pesquisa (CEPs), traduzidas especialmente naquilo que chamei de um chicote que se faz metáfora de um novo algoz no fazer pesquisa: o TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ou TCLE.
A blogada, mesmo com onze muito preciosos comentários, todos concordando com o exposto e manifestando adesão, não teve a repercussão pretensiosamente esperada: uma adesão massiva a proposta. Teve uma consequência pessoal: a presidência de um CEP, de maneira elegante, retirou um convite a uma palestra que proferiria em evento interinstitucional, porque ‘lemos o seu blogue e nos sentimos atingidos’.
Já falei acerca das intromissões dos CEPs, depois da blogada antes referida, lateralmente em três eventos acadêmicos e ainda nesta semana desejo voltar à carga no Encontro Nacional de ensino de Química em Salvador, BA. Há que denunciar a prepotência.
Estou retornando ao assunto aqui, por algo ocorrido no Rio Grande do Sul que, mesmo estranho à esfera acadêmica, permite ilação com os famigerados TCLEs.
O principal jornal de Porto Alegre acompanhou durante 15 dias a rotina de Lídia Rosa Schons, que atua na Assembleia Legislativa gaúcha. Ela é recepcionista do deputado Paulo Azeredo (PDT) e recebe um salário mensal de mais de 24 mil reais. Na última terça-feira, com chamada de capa, ocupando 50% da mesma e mais duas páginas completas internas, o jornal provou, por exemplo, com fotos de Lídia passeando com cachorro, nas imediações do Parlamento em horário de trabalho, que a funcionária não cumpria às oito horas de expediente.
No dia imediato à matéria houve mais de quatro páginas, mostrando como usar funções gratificadas para engordar aposentadorias é prática na Assembleia. Assim, Lídia ignota até terça-feira, já aparecia, no sábado, com a apocalíptica presença em 666 sítios no Google.
Não cabe, aqui e agora, a discussão de resultados significativos do jornalismo investigativo. [Afinal, ¿não foi ele, por exemplo, que ajudou a apear Collor do poder?]. Muito menos vou discutir as recentes normas acerca da transparência, especialmente a divulgação de salários. Há envolvimentos éticos, nas duas situações, acerca das quais é difícil opinar.
Deixemos o jornal e Lídia momentaneamente de lado. Recordemos o relato que trouxe na edição mencionada na abertura, evidência de cuidados descabidos: Um pesquisador desejava observar — permito sublinhar: apenas observar — uma sala de aula com 18 alunos menores. Precisava de 18 TCLEs (um de cada pai) mais o TCLE assinado pela diretora e outro da professora. Um pai, desconfiado do significado daquele documento com tantas informações como que seu filho poderia desistir (da pesquisa) a qualquer momento e também que não receberia nenhuma remuneração disse que não assinaria, sem antes consultar seu advogado. A pesquisa (na sua etapa de observação de sala de aula) não pode ser feita naquela turma, se iniciando novas tratativas em outra turma e com outros pais.
As exigências ao jornal que desnudou Lídia e ao pesquisador que deseja observar a sala de aula são paradoxalmente inversas às consequências. Breve, como se defende que o professor pesquise sua prática, vai se exigir dele o ‘famigerado’ TCLE.
É evidentemente que defendemos a ética nas pesquisas em todas as áreas. Mas temos que aceitar que parece evidente que, quando se propõem uma pesquisa que NÃO é invasiva a humanos (não se vai dar remédios, fazer cirurgia ou vivisseções, esterilizações, sessões de psicanálise etc.) seja necessária as extremas cautelas que estão sendo exigidas.
Há dias, conversando com o Prof. Dr. Francisco Imbernón, da Universitat Barcelona, este informou que na Espanha basta que o pesquisador acrescente na metodologia uma frase do tipo: ‘Declaro no desenvolvimento desta pesquisa, pautar-me com a mais ilibada postura ética, traduzida em qualquer atividade que venho exercendo e que é também a maneira de agir da instituição que me vinculo’. E acrescentou, se o pesquisador é de mau caráter não adianta as circunstanciadas cautelas e se ele tiver deslizes (que podem ocorrer) será julgado independente do que garantiu ou não ter cuidado.
Encerro colocando, que sei das exigências éticas em toda e qualquer pesquisa. Já enquanto sujeito de pesquisa assinei TCLEs. Isso não deve ter feito nenhuma diferença para a qualidade da pesquisa. Peço que seja relevado voltar a este assunto, mas há que indignar-nos pela maneira como os CEPs interferem em nossos fazeres acadêmicos. E uma muto boa semana julina a cada uma e cada um.

9 comentários:

  1. É justo, caríssimo chassot,
    não deve existir dois pesos e duas medidas. Interessante o procedimento realizado nas instituições espanholas.
    Há que se haver bom senso, a bem da verdade!

    Com continuada admiração, Cristiano Marcell!

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  2. Caro Attico,

    hoje a exigência pelos TLCEs já se estende às pesquisas realizadas pelos estudantes de educação básica. Basta observar o regulamento da FEBRACE - Feira Brasileira de Ciência e Engenharia - que e um dos maiores eventos do gênero em nosso país.

    Grande abraço,

    PAULO MARCELO

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  3. Meu caro Paulo Marcelo,
    desconhecia estas exigências em eventos da Educação Básica. Concordemos que são exigências burocráticas distintas, se comparadas com aquelas impostas, por exemplo ao jornalismo.
    Obrigado, imaginando que em breve os robôs que constróis com teus alunos deverão assinar um TCLE dizendo se concordam com o molestar que vocês o submetem.

    attico chassot

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  4. Attico,

    nesse link você pode conferir o grau de exigência de um projeto para a FEBRACE: http://febrace.org.br/regras-de-seguranca/

    Sobre os robôs, curiosamente o significado da palavra, derivado da língua tcheca, é "escravo". Um dia teremos que mudar essa denominação?

    Abraços,

    PAULO MARCELO

    Adendo 1: ontem apresentei teu blog à Tatiana Lima, educadora de Ciências e Biologia. Espero que ela se torne frequentadora deste blogue.

    Adendo 2: Indiquei a leitura de tua postagem sobre o Google ao Rodrigo e ao Doug, produtores do site GeekVox, que produz podcasts semanais sobre temas ligados à tecnologia e derivações.

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  5. Caro Chassot,
    também concordo que determinado rigor nos TCLE não conduzam a grandes resultados. O questionamento que tenho é sobre a possibilidade de, algum dia, depois de publicados os resultados da pesquisa, algum participante desejar, inescrupulosamente, recorrer aos meios judiciais com a intenção de tirar vantagens. Acho que, nesse momento, um bom TCLE pode "livrar a cara" do pesquisador.

    Um abraço,

    Garin

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  6. O que me parece óbvio no exemplo da sala de aula citado é o comprometimento de uma pesquisa préviamente anunciada. Não se pode afastar a idéia de que um pai sabedor de que o filho estará sendo "avaliado" o instrua pretendendo uma "melhor" colocação. Alem desta linha de raciocínio, muitos outros impecilhos são criados por esta prática irônicamente desprovida de ética.

    abraços

    Antonio Jorge

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  7. Caro Chassot,
    Três vivas a um país em que a formalidade é mais importante que o conteúdo. Viva a vírgula! Viva o carimbo! Viva às TCLEs! Abraços antiburocráticos, JAIR.

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  8. Chassot,

    parabéns pela blogada. Também penso que há, em alguns lugares, abuso e rigor excessivo dos Comitês.
    Com o objetivo de proteger estas burocracias acabam prejudicando a Academia. Realmente lamentável.
    Felizmente durante meu mestrado meu projeto recebeu o imprimatur sem delongas.
    Grande abraço,
    Guy.

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  9. Reitero que repudio a atitude grotesca e terrivelmente autoritária da qual foste vítima, como relatas acima.
    Nem na Academia em épocas mais arcanas tal sordidez foi vista. Vejo que tiveste um episódio de Hipácia ou Giordano Bruno.

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