domingo, 3 de junho de 2012

03.- MORDOMO INFIEL



Ano 6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2132
Há uma semana já mordiscava este que me parecia ser um bom tema para uma domingueira. O título que se faz portada desta edição pode remeter ao escândalo oriundo do sacrossanto aposento papal ou a uma controvertida parábola bíblica. Nas duas situações há um infiel fraudador daquele de quem recebeu toda confiança.
Em uma e outra a figura central é um mordomo... gosto da palavra espanhola ‘mayordomo’ o maior, o mais digno da casa. Outra acepção para mordomo é ecônomo (oikonomos da mesma raiz grega de ecologia).
Pois parece que o senhor Paolo Gabriele, que vestia e desvestia na intimidade Bento 16, inspirou-se naquele que foi narrado e — pasmem — proposto como exemplo Jesus. Recordemos primeiro o mordomo infiel, há dois mil anos narrado nas pregações palestinas:
“Disse Jesus também aos discípulos: Havia um homem rico que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como quem estava a defraudar os seus bens. Então, mandando-o chamar, lhe disse: Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes mais continuar nela. Disse o administrador consigo mesmo: Que farei, pois o meu senhor me tira a administração? Trabalhar na terra não posso; também de mendigar tenho vergonha. Eu sei o que farei, para que, quando for demitido da administração, me recebam em suas casas. 
Tendo chamado cada um dos devedores do seu senhor, disse ao primeiro: Quanto deves ao meu patrão? Respondeu ele: Cem cados* de azeite. Então, disse: Toma a tua conta, assenta-te depressa e escreve cinquenta. Depois, perguntou a outro: Tu, quanto deves? Respondeu ele: Cem coros* de trigo. Disse-lhe: Toma a tua conta e escreve oitenta. E elogiou o senhor o administrador infiel porque se houvera atiladamente, porque os filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz. E eu vos recomendo: das riquezas de origem iníqua fazei amigos; para que, quando aquelas vos faltarem, esses amigos vos recebam nos tabernáculos eternos.” (Lucas 16.1-9).
O pastor Google — sempre falo no quão eficiente é o Google enquanto professor ou médico; na elaboração desta blogada conheci o Google travestido de pastor, como uma eficiência que quase me permite dispensar meus colegas metodistas — me ensinou que cados e coros eram, então, duas medidas de volume: o cado media 40 litros e o coro media 525 litros; isto permite avaliar o tamanho do suborno que o elogiado administrador praticou.
É muito significativo como se procura justificar o mordomo (e como consequência Jesus) dizendo que o que empregado desonesto fez foi cancelar suas comissões, que o senhor lhe devia, ou suas participações nos lucros. Ao cancelar suas comissões, os débitos dos devedores ele não diminuiu os bens do patrão. Essa ação, sem dúvida, resultaria em bondade no futuro, da parte desses credores para com o mordomo infiel. Outras leituras há que absolvem o mordomo, pois ele só eliminou os juras, sendo correto pois a usura era proibida. Capcioso isto.
E o outro mordomo? O escândalo que está acontecendo no Vaticano, desencadeado pelo vazamento de informações e cartas confidenciais do papa Bento 16 teve um novo desdobramento no último fim de semana com a prisão do mordomo do papa, que é acusado pelo vazamento das cartas que resultaram em um livro, que descreve manobras internas da liderança católica e até mesmo uma guerra interna na entidade.
 O mordomo Paolo Gabriele, de 46 anos, fazia parte de um pequeno grupo de pessoas consideradas as mais próximas do papa no dia a dia, junto com seus dois padres que atuam como secretários, quatro leigas italianas consagradas e uma freira alemã — que cuidam do apartamento papal.
Gabriele é romano, e trabalha no apartamento papal desde 2006. Sua prisão foi confirmada no último fim de semana pelo vice-diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Ciro Benedittini, pouco depois que o porta-voz, Federico Lombardi, informou que agentes de polícia localizaram “uma pessoa com posse ilegal de documentos reservados”. Fontes afirmam que “uma grande quantidade de documentos reservados” foi encontrada na casa em que Gabriele vive com sua esposa e três filhos na Via de Porta Angelica, anexa ao Vaticano.
Para alguns — mesmo que ele seja condenado, Gabriele é um idealista que queria acabar com a corrupção nas raízes do Vaticano e teria sido ajudado por cúmplices. Para outros, ele é apenas um bode expiatório dentro da complexa luta de poder entre cardeais na Santa Sé.
Mas a grande questão na cabeça das pessoas, incluindo os próprios amigos de Gabriele, é "por quê?". Se for considerado culpado, porque um católico devoto e pai de família, como o mordomo, iria trair o homem mais importante da Igreja? Pessoas próximas a Gabriele excluem dinheiro como um possível motivo. Eles dizem que o mordomo não conseguiria gastar a quantia recebida pela venda dos documentos sem levantar suspeitas, a não ser que ele se demitisse e deixasse a Itália. Além disso, por que o homem de 46 anos e pai de três crianças abandonaria sua simples, mas confortável vida no Vaticano? Apesar dos salários na Santa Sé não serem altos, seus funcionários têm uma série de benefícios, como descontos no aluguel e isenção fiscal.
Parece haver semelhanças entre os dois mordomos, mesmo que separados por dois mil anos. Certamente um e outro preparavam o futuro quando fossem apeados das mordomias.

3 comentários:

  1. Caro Chassot,
    Essa fábula só faz acentuar o que todos sabemos: homens são homens em qualquer lugar em qualquer tempo, não importa se no governo da Síria ou no interior do Vaticano. E, com o homens, são iníquos, perdedores, venais, malévolos, vis, traidores, perversos, odientos, maliciosos, cruéis, pervertidos, mal intencionados, peçonhentos, rancorosos, cáusticos, virulentos, rudes, grosseiros, desalmados, truculentos, blasfemos, mexeriqueiros, intrigantes, abelhudos, bandidos, gangsteres, pistoleiros, meliantes, ladrões, larápios, invejosos, cobiçosos, escória, gananciosos, ingratos, perigosos, crápulas, perniciosos, encrenqueiros, deformados, sem caráter, viciosos, poltrões, repulsivos, promíscuos e fúteis.
    Outra coisa, se o Vaticano ficou incomodado com a indiscrição do mordomo infiel no mínimo é por que tem esqueletos no armário, senão nada teria a temer. Abraços domingueiros, JAIR.

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  2. Prezados Attico e Jair,

    não creio que haja esqueletos no armário tão somente, e sim, toneladas e mais toneladas de ossos.Todos se tornam envolvidos e cúmplices de atos importam mais à instituição do que à própria fé no cristianismo:do mordomo ao camerlengo.

    Nunca me conformei de o Papa ser chamado de Santo padre, mas é claro que trata-se de uma opinião particular, de um agnóstico contrário à qualquer tipo de religião.

    Homens são homens.Não me espanta a suposta atitude incorreta e imoral do mordomo!

    Forte abraço!

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  3. Caro Chassot,
    pois é, a corrupção é essa praga que não se descola do ser humano. Nem as parábolas de Jesus ficam isentas da menção a esse desvio de conduta que parece ser inerente ao ser humano. Quem sabe, no Reino idealizado por Cristo, possa haver um lugar onde a corrupção seja definitivamente banida - apenas na concepção ideal, infelizmente.
    Um abraço,
    Garin

    PS: se tivesse recorrido à assessoria iria cobrar!

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