Ano
6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2129
No prelúdio da noite de ontem compareci, a convite de minha nora Tatiana, com meu
filho André, à Escola de Educação Infantil
Cinco Estrelinhas para
envolver-me, com meu muito querido neto Pedro, no
movimento mundial em prol do Brincar, em cuja semana estamos. Este busca alertar a pais,
educadores e cuidadores a respeito
da importância do brincar.
Este
movimento surgiu na contramão da cultura de massa veiculada para a infância — cultura tecnológica, virtual,
de consumo, de agendas superlotadas, estímulos inadequados,
multiplicidade de informações e exigências, cultura dos brinquedos eletrônios,
cultura que se deteve no pensar e não no sentir e na fala dos corpos; cultura
de vínculos 'descartáveis', cultura de tempos sem tempo.
Foi
muito bom ver alegria do Pedro com brincar junto comigo. Encantou-me também o
significativo número de pais e avós que curtiam, sob o olhar atencioso das
professoras, as brincadeiras. Estes dulçores do avonar geram sensações de muito
conforto.
Os seis leitores (entre quase 200 visitantes) que honraram
a edição de ontem com doze comentários fazem ao fogo referências calorosas.
Obrigado ao Hendney, Norberto, Jair, Sílvia, Mario e Cícero por enriquecerem a
edição, mesmo que um, buscasse desqualificar uma evidência científica que
corroboram a idade do Planeta muito maior que estipulam leituras mais
fundamentalistas. É significativo como os paleontólogos Silvia e Mario foram vigilantes no desmistificar. Agradeço, também, ao meu colega Martin Sander, que como biólogo disseminou a edição de ontem pelo Facebook.
Na blogada contava que, na esteira de uma aula de
História e Filosofia da Ciência na noite de terça-feira acerca da Revolução Lavoisierana
comentava que o mais antigo uso do fogo pela humanidade batera um novo recorde:
1 milhão de anos atrás. A prova disso foram restos de ossos e plantas queimados
achados em uma caverna na África do Sul.
Os
comentários de meus atentos leitores catalisaram a revisitação de capitulo de
um livro “O fogo catalisador de guerras
que já são milenares” que escrevi junto com Vândiner Ribeiro,
minha orientanda de mestrado na Unisinos e hoje quase doutora pela UFMG, onde é
professora. Revisitar nossos textos enseja descobertas saborosas. Já antecipo,
aqui e agora, a próxima dica sabática: História
da Ciência no Cinema 2: O retorno., onde o artigo faz parte de uma coletânea.
Como
junho já nos espia, por aqui vestido de frio e neste as festas juninas têm a
marca das fogueiras, a blogada de hoje se faz aquecida.
A
conquista do fogo trouxe mudanças muito significativas à vida humana. Permitiu
ao homem proteger-se de animais selvagens, aquecer-se, cozinhar alimentos, o
que, aliás, impedia muitas contaminações, criar instrumentos etc.
Não
é sem razão que o fogo, ainda hoje, é tão marcadamente presente em muitas de
nossas realidades, especialmente naquelas religiosas ou nas que fazem (ou
tentam fazer) a nossa ligação com o transcendente. No judaísmo, onde são
vedadas representações de Deus, ele se visualiza a Moisés como uma sarça
ardente. No cristianismo os apóstolos recebem o Espírito – uma das pessoas da
Trindade divina – sob forma de línguas de fogo. Recordemos que na maioria das
denominações religiosas as velas estão presentes nos mais variados cultos.
Entre os romanos, as vestais[i]
tinham que permanecer virgens para poder guardar o fogo sagrado. Na Pérsia a
religião era inteiramente ao deus fogo e ainda hoje vivem na Índia comunidades
descendentes dessa religião, que perseguidos pelo islã migrara para a Índia,
onde são chamados de persis[ii].
Índios da América do sul têm uma lenda que narra que a onça deu aos primeiros
humanos seus olhos de fogo em troca de uma esposa humana.
Também
quanto às explicações buscadas pela Ciência restam ainda muitos mistérios que
surgem quando se tenta explicar o que ocorre na ‘simples’ análise de uma chama.
Talvez esteja na contemplação da chama de uma vela um bom exemplo das inúmeras
diferenças entre olhá-la com os óculos da Ciência ou da Religião. Uma e outra
oferecem uma gama muito grande de prováveis explicações e também fazem restar,
cada uma delas, um bom número de interrogações.
Quanto
deleite na contemplação da chama bruxuleante. Faltar luz, diferentemente de
hoje, na minha infância era algo desejado. Podemos imaginar quanto exercício de
criatividade e imaginação havia na simples distração de brincar de teatro de
sombras com a chama de uma vela.
Quanta
poesia, em uma noite fria, sentar-se diante de uma lareira, que prende de tal
maneira a atenção, que quase não conseguimos nos dedicar, então, ao prazer da
leitura. Aventuramo-nos parodiar Heráclito, dizendo que nunca enxergamos a
mesma chama, ao invés de dizer que nunca conseguimos nos banhar no mesmo rio. É
provável que um dos atrativos de se fazer churrasco esteja na visualização mais
direta da ação do calor, obtido pela feitura (com rituais) do fogo.
Aliás,
algo que a moderna tecnologia nos privou, nas atuais cozinhas quase assépticas,
foi o fogão a lenha, artefato doméstico, que não era apenas central da cozinha,
mas de toda a casa[iii]
no definir as rotinas diárias e de ser o ponto agregador de transmissão da
história familiar. A propósito de modernas tecnologias, parece que se possa
afirmar que a quase inodora lareira a gás, não tem a poesia e os ‘espíritos
odoríficos’ de uma lareira a lenha.
Estes
devaneios parecem que desejam, aqui, dar boas vindas ao inverno. Assim, adeus
maio, que venha junho!
[i]
As vestais eram as sacerdotisas da deusa Vesta,
a significativa deusa dos lares, que zelava sobre a família.
[ii] Essa denominação se deve porque vieram da Pérsia,
antigo nome do atual Irã. Também são conhecidos como zoroastrianos, pois o
profeta fundador da religião chamava-se Zoroastro ou Zaratustra.
[iii] No capítulo 8 de Alfabetização científica: questões e desafios para
Educação (Chassot, 2010, p. 177-189) há reminiscências da cozinha de
minha infância onde se narra um pouco acerca dos rituais de preparar o fogo.