quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

22.- E...AGORA CINZAS



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2030

Dou-me conta que já é a sexta vez que escrevo neste blogue nesta data que encharca-nos religiosa e pagãmente. Logo não vou falar seus diferentes significados e muito menos do porque de sua mobilidade no calendário e dos marcos de um calendário lunar num calendário solar. Também não vou retificar o senso comum de que seja a data de hoje que determina o dia da Páscoa, quando é o contrário.

Por outro lado, não vou voltar a protestar contra as repetidas baboseiras que é hoje que começa o ano. Só que não fez tanto nesta meia centena de dias acredita nisso. Aliás, se adotasse esta tese chocha seria contestado dizendo que o ano só começaria na próxima segunda-feira.

Mesmo assim, não posso sonegar as recordações de minha infância, quando era ajudante de missa e nesta data acompanhava o padre, em uma liturgia de imposição de cinzas na testa dos fiéis e ouvia centena de vezes, em latim a frase do Gênesis 3.19, “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris!” Não sei se hoje persistem estes rituais, se tal ocorrem, certamente a frase é dita em vernáculo, que entre nós seria: “Lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter!”. Recordo de uma liturgia muito tétrica então, não só evocativa da morte — a ilustração ratifica isto —, como pedindo expiação dos pecados recém-cometidos no Carnaval.
A quarta-feira de cinza era, ou melhor é, dia de abstinência de carne para os cristãos. Aqui, lateralmente, uma justificativa do ato falho no tempo verbal: escrevi era, pois não estando mais envolvido nesta prática, escrevi ‘era’, mas dou-me conta que para as pessoas religiosas esta norma subsiste, mesmo que abrandada. Primeiro a abstinência de carne era por toda a quaresma (mais de 40 dias), o seja de hoje até o domingo de Páscoa. Daí se dizer, provavelmente sem uma confirmação histórica que carnaval signifique ‘adeus à carne’, tanto que no sábado que segue ao dia de hoje se celebrava ‘o enterro dos ossos’.
Na minha infância a abstinência era em todas as sextas-feiras da quaresma. Hoje esta norma parece ser apenas na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa.
Acerca disto há situações singulares. No livro Educação consciência, no capítulo ‘A Ciência na Inquisção’ narro algo que permito-me transcrever aqui.  Antes porem desejo que cada uma e cada um curta o único hemi-feriado que temo em nosso calendário. Até às 12h é feriado, depois terminou-se o que era doce e...
Ovos hereges
A humanidade usou ovos como uma de suas principais fontes de proteínasmuitos milênios. Na Grécia antiga, um dos grandes cozinheiros foi Cigófilo, que significa “amante dos ovos”. A ele se atribui a invenção do ovo duro e da omelete. Todavia este milenar alimento atravessou momentos difíceis. Em 917, se defrontou com a autoridade da Igreja. Discutia-se, então, se um alimento que contivesse ovo em sua composição interromperia ou não a necessária abstinência de carne que os fiéis deviam guardar durante a toda quaresma e nas demais sextas-feiras do ano.
As discussões foram polêmicas e se exigiu um Concílio – o de Aquisgran – para debater as possibilidades de se estar transgredindo uma norma e assim se cometendo um pecado. A Igreja, com sua secular autoridade e responsabilidade sobre seus seguidores, determinou que o ovo corresponde a um embrião animal — as discussões atuais acerca do aborto, ou a partir de quando começa existir vida no ventre materno não são diferentes em termos das polêmicas biológicas e teológicas levantadas. — e aquele que o comesse estaria quebrando o preceito da abstinência, portando ofendendo a Deus de maneira pecaminosa. Então, não faltaram aqueles que ostensivamente transgrediram a determinação eclesiástica. Estes foram considerados hereges.
Aliás, poderia haver uma alternativa legal, que muito provavelmente ninguém contra-argüiu. Há ovos que são não galados – como a maioria dos consumidos hoje –, logo potencialmente estes não gerarão pintos. Se a alguém, então, ocorresse a idéia de produzir ovos não galados, certamente seria um sucesso de mercado, mesmo que haja os que afirmem que os ovos galados sejam mais nutritivos* – muito provavelmente, não deva ser porque a galinha tenha tido um fugaz momento de prazer quando da inseminação.
Foi somente em 1553, portanto mais de seis séculos depois, que o Papa Julio III declarou que os ovos eram aceitáveis aos olhos de Deus como alimentos. E o grande pecado - não reconhecido -continua sendo o esbanjamento de alimentos originando a fome de muitos que nem se sequer podem acrescentar um ovo a sua dieta alimentar.
[*] O jornal estadunidense The Independent on Sunday publicou em 19 de maio de 2002 discutível estudomuito a modo de estadunidenses – de investigadores da Universidade de Nova York que descobriram que mulheres que têm relações sexuais com frequência mostram uma menor tendência de sofrer depressão. A chave parece encontrar-se nos efeitos dos hormônios e substâncias químicas que se encontram no sêmen quando este é assimilado pelo organismo da mulher. Ainda, segundo o estudo, 4,5% de mulheres que têm relações sem preservativos intentaram o suicídio em comparação com 13,2% entre aquelas que utilizam preservativos ou das 13,5 das que se abstêm de relações sexuais. Madrid20minutos, p.4, 20 de mayo de 2002. Este estudo pode também parecer de interesse de grupo que quisesse desestimular o uso de preservativos.

2 comentários:

  1. Caro Chassot,
    A guisa de comentário, transcrevo trecho que publiquei em data passada:
    "Com o advento da semana santa e a proibição da igreja a seus seguidores de ingestão de carne, mas a liberdade de comer peixe, me fez lembrar de uma ocorrência em Angola no século XVIII. O interessante caso, o encontrei num livro que tratava das conquistas portuguesas na África. O padre Afonso Meira de Carvalhosa, pároco da freguesia de Caluquembe, encontrava-se frente a um dilema que lhe afligia sobremaneira e, para não incorrer em possível heresia que condenaria ao inferno sua alma imortal e as dos seus paroquianos, resolveu consultar autoridade maior sobre o assunto, para isso escreveu para o bispo, seu superior, em Portugal. Tratava-se da proibição ou não de os nativos convertidos poderem comer carne de hipopótamos na semana santa. Veja bem, HIPOPÓTAMOS! A resposta do Bispo português Dom Antonio Cintra foi que não haveria qualquer restrição: hipopótamos, ou cavalos d'água como eram chamados esses mamíferos pelos lusos, podiam sim ser degustados na semana santa, porque eram PEIXES! Afinal viviam na água, não é mesmo? Pode parecer piada antilusófona de brasileiro, mas a verdade é que está registrado como fato por um patrício, o autor do livro é português."

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  2. Caro Chassot,
    a norma que proíbe a ingestão de carne durante a Quaresma aplica-se aos seguidores da Igreja Católica Apostólica Romana que possui uma doutrina considerando a Ostia, carne de Cristo (Doutrina da Transubstanciação). Não tenho segurança sobre os seguidores das igrejas católicas ortodoxas que se distribuem conforme suas nacionalidades (Grega, Turca, Russa etc.). Os demais cristãos entendem que na Eucaristia, o Corpo de Cristo, está simbolizado no pão (comum) como na Kiddush judaica. Entretanto, tu mesmo levantas a questão fundamental: não se trata de proibir esse ou aquele alimento, mas de encontrar uma fórmula de redistribuição de alimentos de tal sorte que 'todas' as pessoas possam ter acesso a uma porção mínima de alimento diariamente. Para essa empreitada, todos nós, indivíduos e instituições precisamos nos empenhar!

    Uma boa quarta-feira de cinzas para o ex-ajudante de missa!

    Garin

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