sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

27.- BELUGAS: ¿O que é isso?



Ano 6 ***  Porto Alegre  *** Edição 2004
Nesta sexta-feira, como nas quatro anteriores, o Prof. Guy B. Barcellos, do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática – PUCRS e nosso correspondente internacional, ora em Atlanta, USA, nos leva a novas viagens subaquáticas. Depois de ter narrado aqui, em julho, seus mergulhos no oceano Índico, quando desvelou para os leitores deste blogue algo das Ilhas Mauritius, a cada sexta-feira, desde 29 de dezembro, temos podido acompanhar seus périplos estadunidenses.   
Provavelmente não são todos os leitores deste blogue que saibam o que são belugas. Eis uma oportunidade de conhecê-las em um texto saboroso com fotos nas quais vemos um dos assíduos comentaristas deste blogue com belugas. Vale ler um polímata cronista.
Sopranos polares Certa vez um amigo, irritado com minha obsessão pela música lírica, sempre fazendo referência das situações da vida à alguma ária operística, disse que para mim a ópera era a medida de todas as coisas. Discordei, achei um exagero da parte dele. O tempo foi passando e penso que é cada vez mais propício assumir que ele estava correto. Logo saberemos por que.
Nesta terça-feira, 24 de janeiro, tive a oportunidade de interagir com as belugas (Delphinapterus leucas) do Georgia Aquarium, estas são cetáceas do grupo odontoceti, ou seja, são mamíferos marinhos com dentes, parentes dos golfinhos e das baleias assassinas, podem chegar a seis metros. Estes animais habitam os mares do norte, populações ocorrem em diversas regiões do círculo polar Ártico. Os cientistas do Georgia Aquarium, em parceria com outras instituições de preservação e pesquisa, acompanham todas as populações de belugas através de micro-sonares instalados em suas nadadeiras e analisam os fluxos genético destes animais através de coleta amostras de sangue de suas caudas. Não são animais ameaçados de extinção, mas estão cada vez mais vulneráveis às orcas pela diminuição gradativa da camada de gelo que as protege.
Por viverem em regiões congeladas elas não possuem barbatanas dorsais (importantes para estabilizar o mergulho em grandes velocidades), não precisam pois não nadam rápido como as orcas, e mais, se o tivessem provavelmente sofreriam injúrias ao se encostarem no gelo. Esta característica é uma típica causadora de concepções errôneas sobre evolucionismo, um desavisado poderia pensar que estes animais perderam as barbatanas dorsais por não usarem, uma concepção atraente e intuitiva, com traços lamarckistas, no entanto errada. Fica meu alerta aos alfabetizadores científicos que sempre cuidem para que seus alunos não incorram neste erro tão comum.

Na verdade o que possivelmente ocorreu foi que os indivíduos que possuíam a barbatana dorsal não podiam habitar as zonas congeladas, que são vantajosas pelo isolamento de predadores e a menor competição por alimento. Portanto aqueles indivíduos que sofreram uma mutação e perderam a barbatana dorsal talvez tenham tido mais vantagens neste hábitat e deixado mais descendentes. Esta é a hipótese mais razoável que os estudiosos destes animais encontraram. Dificilmente saberemos o que exatamente ocorreu, visto que as barbatanas são cartilaginosas, tecidos moles, portanto dificilmente teriam fossilizado. Este assunto pode ser tema de um tractatus...
Por viverem no gelo estes animais são os mais “falantes” entre as baleias, uma vez que precisam comunicar-se entre os indivíduos e utilizar sonares para encontrar buracos no gelo onde respiram. Produzem sons através do melão, uma estrutura esférica localizada na cabeça composta por lipídeos, que, controlada por músculos, produz pressões nas vias respiratórias que modulam sons, muitos bastante sonoros e bonitos. O melão não serve para receber sons, somente para produzi-los, a mandíbula sim atua como apurado receptor de sons.
Sua pele possui uma camada de gordura de quase 5 cm para protegê-las do clima inóspito e é alva como o gelo, para camuflarem-se, evidentemente. Também são as únicas capazes de nadar de “marcha ré”, suas nadadeiras laterais (na verdade mãos, com cinco dedos, ocultos por uma luva de músculo e tecido conjuntivo) são articuladas de forma que possam nadar para trás. Mais uma vez o gelo foi a pressão seletiva que ocasionou esta característica peculiar. São predadoras carnívoras de peixes e crustáceos, não comem animais maiores porque os dentes são pequenos e a faringe é estreita.
As quatro belugas (dois casais) do Georgia Aquarium nasceram em cativeiro, sua função é múltipla: entretenimento e lazer aos visitantes, educação da comunidade acerca dos mamíferos marinhos e pesquisa. Através destes espécimes os pesquisadores podem ter acesso à dados morfofisiológicos nunca antes prospectados como frequência cardíaca medida em longos períodos, saturação de oxigênio no sangue, reprodução, citologia etc.
Todas são treinadas e possuem dois treinadores cada, ficam assistidas 24h. Pela minha experiência pude perceber o quanto estes animais apreciam estar no aquário e gostam de aparecer. Têm uma simpatia por crianças, desenvolvem brincadeiras e cada uma tem seu temperamento distinto. Umas mais obedientes e/ ou brincalhonas, outras menos. Seus dentes são escovados e higienizados semanalmente.
Apesar de produzirem sons a uma frequência audível aos seres humanos não escutam o comprimento de onda da nossa voz, portanto são treinadas para obedeceram a sinais com as mãos de seus treinadores. Para virarem-se de barriga para cima, produzirem sons determinados, mostrarem a cauda (local propício para coletar sangue por não ter camada de tecido adiposo e ser altamente vascularizado), expelirem ar pelo respirador (para os veterinários verificarem secreções nas vias aéreas) ou até mesmo pularem ou darem um “beijinho” nos visitantes. Tudo isto baseado no condicionamento pavloviano: obedeceu ganha peixe.
A beluga chamada Beethoven, a mais velha e mais educada gosta muito que acariciem sua língua. Perguntei por que e a treinadora simplesmente disse que não sabia. São animais muito inteligentes, capazes de aprender e de desenvolver gostos e algo como uma cultura rudimentar. Arrisco dizer que têm seus “memes”, termo desenvolvido pelo biólogo Richard Dawkins para designar os “genes” da cultura, unidades onde atua a seleção natural. Sim, a cultura também passa por evolução darwiniana. Quem se interessar por este assunto poderá encontrar uma excelente explicação no livro “O Gene Egoísta” do próprio Dawkins, edição atualizada e em português pela Cia das Letras.
Nesta experiência uma das coisas mais impressionantes é a sonoridade e a musicalidade destes animais, emitem uma gama de sons muito bonita e diversa. Para um apaixonado pela música como eu as baleias cantando realmente encantam. A maioria dos malucos por ópera têm fascínio pelas notas agudas, em particular o mi-bemol 6 (também chamado E-flat), dado pelas sopranos no clímax das árias das óperas românticas da primeira metade do século 19, levando plateias ao êxtase. Qual não foi minha surpresa quando a treinadora mandou que eu regesse com a mão como se fosse um maestro e a beluga produz um sonoro som agudo, lembrando um “E-flat”! Admirada com meu assombro a treinadora disse: “Elas são os canários do mar”! Rebati: “Para mim são as sopranos do mar”!
Conclusão: meu amigo tinha razão. Para mim a ópera é a medida de todas as coisas.
Minha mãe e conselheira disse que abusei nos termos e jargões biológicos, se algum trecho ficou muito esotérico ou algum termo muito complicado deixem nos comentários a pergunta que respondo logo. 

15 comentários:

  1. Excelente! Uma experiência única devo acrescentar!

    Muita Paz!

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  2. Parabens mestre Chassot pela diagramacao da coluna, ficou muito agradavel a leitura.
    Um beijo,
    Adriana Barros Woodward.

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  3. Caro Chassot,
    agora já sei o que é Belugas. Obrigado pela lição.

    Um abraço,

    Garin

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  4. Caro Chassot,
    Primeiro quero deixar claro que a qualidade do texto do Guy está impecável. Seu texto não ficou muito esotérico ou tem algum termo muito complicado, tudo está perfeito com apenas uma nota discordante: "baleias assassinas". Sobre isso publiquei um texto do qual extrai os trechos seguintes:"Orcas, esses soberbos mamíferos marinhos são conhecidos popularmente por "Baleias assassinas", nome duplamente incorreto, injusto e que carrega forte carga de preconceito" " Então, o que leva o bicho-homem a rotular de assassinos esses belos animais que navegam a mais de cem milhões anos pelo mares e, se não forem dizimados, ainda o farão por outros tantos milhões? Simples! Inveja, mesquinha e rasteira inveja! o ser humano, como espécie, sente, através do inconsciente coletivo, inveja atávica de um mamífero tão bem sucedido! Para se fazer justiça há que se reconhecer e nominar as orcas pelo que elas são: mamíferos marinhos carnívoros que vivem com o que a natureza lhes proveu, seu instinto de caça e sua capacidade de organização para capturar o alimento. Na verdade, se quisermos, rigorosamente, nominar um assassino, este é o homem, esse onívoro imbecil e predador que não se contenta em matar apenas para se alimentar, mata por esporte, por auto-afirmação ou por maldade". Abraços, JAIR.

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  5. Oi Jair,

    Obrigado pelo teu comentário, achei muito pertinente. Folgo em saber que apreciaste o texto.
    Também não gosto muito do epíteto baleia assassina, coloquei por razões didáticas e porque nos EUA, inclusive no Aquário, dizem "killer-whale".
    Creio que tenham sido chamadas assim por sua extrema agressividade, são predadores ferozes e muitas vezes as cenas de suas refeições chocam por se alimentarem de belugas, golfinhos, focas, pinguins e até tubarões. Mas nem por isso são assassinas, pois não matam pelo prazer do assassínio e sim para comer. Portanto o epíteto é compreensível, mas injusto. Tenho certeza que elas não se importam...
    Não acho que o ser humano tenha inveja das baleias, pelo contrário, esta espécie sempre foi elemento de fascínio, lembram do Free Wily e da Shamu (a orca do seaworld)?
    Concluindo "Orcinus orca", o nome científico, também é preconceituoso, significa: do reino dos mortos. Acho que vamos ter que rebatizar este animal!

    Abraços, Guy.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Prof,
    que coisa mais querida!Adorei!
    Os animais tem muito a nos ensinar.
    Abração,
    Sabrina

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  8. As fotos são lindas! O texto, embora use de termos próprios para alguém que conhece um pouco mais do que nós, não pesquisadores, é de fácil compreensão, então... Tudo ficou muito bom! Será uma delícia acompanhar suas "aventuras" por esse belo planeta água. Vamos te acompanhar. Boas viagens! Até sempre! Isabela

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    1. Isabela,
      obrigado pelo teu comentário.
      Até breve.

      Grande abraço,
      Guy.

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  9. Olá, Guy

    Nada como ter avó coruja (eu tb. sou) para propalar aos quatro ventos os feitos de netos.
    Parabéns, querido, foi incrível ler teu artigo sôbre as belugas e com isso espantar um pouco de minha ignorância sôbre tão original animal.
    Foi uma verdadeira e enriquecedora aula sôbre o assunto.
    Teus pais e avós estão orgulhosos por justa causa!
    Este blog já foi para os meus "Favoritos".
    Parabéns!!!

    Maria Carmen

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    1. Maria Carmen,

      obrigado pelo comentário tão carinhoso.
      Alegro-me em saber que apreciaste.

      Beijos,
      Guy.

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  10. Olá Guy,
    Fiquei muito feliz por ler tua bonita narrativa. Obrigada por compartilhares conosco esta experiência inesquecível. Sei que teu conhecimento será sempre multiplicado, pois tua vocação é mesmo transmitir o que aprendes.
    Parabéns!
    Eloá Galante

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    1. Querida Teacher Eloá,

      me honras com teu comentário.
      Foste uma grande professora para mim, uso muito tudo o que me ensinaste aqui.
      Meu afeto e minha admiração,
      Guy.

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  11. Adorei Guy!! Deu para entender tudo o que escreveste! Quando nós fomos me surpreendeu como sao lindas e compridas!

    Beijos pra ti, Nani e Mark!

    MANU

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    1. Manu!

      Que bom que leste a crônica. As belugas são demais mesmo.

      Saudades. Te quiero mucho!

      Beijos,
      Guy.

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