terça-feira, 4 de outubro de 2011

04.- Sabores de uma aula na Universidade do Adulto Maior

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1888

Muitos dos leitores deste blogue já me ouviram referir aqui que meu ser professor no Centro Universitário Metodista do IPA, tem naquela que é desde março de 2010 a gratificação mais expressiva de minha história: ser professor da Universidade do Adulto Maior.

O Brasil, assim como a maioria dos países, está envelhecendo de maneira muito rápida. São hoje 11 milhões de sexagenários, um em cada 16 habitantes. Já ultrapassamos os 7% de pessoas maiores de 60. Os reflexos do aumento da população idosa são evidentes na estrutura sócio-econômica e política dos países, especialmente na área do trabalho, da saúde e da previdência. As demandas sociais dos idosos se avolumam e passam a se constituir em desafios para a sociedade.

Os dados apresentados direcionam ao entendimento de que o público da 3ª idade merece a atenção das políticas públicas e privadas, no sentido de proporcionar a essas pessoas, melhores possibilidades de viver novos tempos. Isso reforça a responsabilidade que cada um de nós tem de tomar as providências para manter-se saudável, lúcido e produtivo, de modo que, ao atingir a terceira idade, não se torne um velho, torne-se apenas um idoso.

Inserindo-se nesse contexto o IPA implantou em 2003 a Universidade do Adulto Maior, um programa de extensão que se propõe a, não só contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas idosas como também cumprir com o papel de agente mobilizador de ações acadêmicas na área do envelhecimento humano.

Trabalho na disciplina ‘Enfoque histórico e sócio antropológico, que busca ‘acompanhar e entender a dimensão do envelhecimento a partir dos eventos históricos e culturais ao longo dos tempos, principais movimentos sociais artísticos, culturais e compreensão do processo de envelhecimento como decorrente da interação deste contexto’.

Essa ementa faz visível o meu significativo desafio e se relaciona com as reflexões que trouxe quando comentava as minhas dificuldades de ser considerado anoso pela Unisinos. Tenho a cada tarde de segunda-feira como alunas e alunos cerca de meia centena de mulheres e homens, maiores de 65 anos que, por já terem muita experiências de vida, encantam o meu ser professor há 50 anos.

Na tarde de ontem, lateralmente, inseriu-se em nossas discussões os diferentes processos de escrita que havíamos vivenciado. Como eu, alguns foram alfabetizados em uma

lousa, e desta passamos para o lápis e papel, pena XII + tinteiro, caneta-tinteiro, caneta automática Parker21/Parker51, caneta esferográfica (lembro da primeira que ganhei em 1954: escrevia a seco), máquina de escrever (tive uma Remington, comprada e 1961, com meus primeiros salaries como professor, computador até, hoje, o I Pad.

A aula de ontem, levou-me a uma crônica de Liberato Vieira da Cunha, publicada no Segundo Caderno de Zero Hora, no dia 26 de setembro. Há elementos de nossas conversações, quanto comentamos como nos fizemos escrevinhadores da lousa ao I-pad (em tamanho e formado ambos se parecem).

Ofereço o texto de Liberato Vieira da Cunha a cada uma e cada um de meus leitores. Com a crônica também meus votos de muito boa terça-feira.

Um súbito olhar Uma leitora me pergunta se ainda escrevo à mão. Respondo-lhe que sim. Mesmo na era da informática, redijo minhas crônicas, contos e romances primeiro no papel, numa página modelo A-4, para só depois transportar o texto para o computador.

Tenho uma letra bonita e me orgulho dela. É ainda herança do curso primário do Colégio das Dores, onde tínhamos aulas de caligrafia. Tínhamos também lápis bem apontados e penas de aço que a gente tinha que molhar de tempo em tempo no tinteiro embutido na própria classe.

Nunca me senti diminuído por isso – era um exercício de disciplina. Depois, pela altura do quarto ano, ganhei minha primeira caneta. Era uma Compactor alemã, a que devotei especial estima. Tinha que ser reabastecida pelo menos uma vez por semana, mas quem se importava com isso?

Da Compactor evoluí para uma Parker 51, isso já no ginásio, e despertava a inveja de meus colegas de aula. Era realmente um primor de eficiência e de elegância. A tinta era Azul Real Lavável e eu achava que não poderia haver outra mais perfeita.

Depois me perdi, dividido entre um milhão de canetas. Começou o império das esferográficas, que se mantém firme e sólido até hoje. Mas eu me conservo fiel aos modelos antigos.

Já não tenho Compactors ou Parkers, embora dê sempre jeito de procurar suas herdeiras.

E sabem por quê?

Porque escrever tem tudo a ver com o toque da caneta no papel. Há uma sintonia anímica entre ambos e um suave estímulo à criatividade.

Meu livro mais longo e de maior sucesso – As Torrentes de Santaclara –, de 608 páginas impressas, foi todo ele escrito à mão, para só depois ser datilografado, pois os tempos ainda eram pré-informática. O mesmo sucedeu com outro romance, O Homem que Colecionava Manhãs, que mereceu críticas consagradoras, de Wilson Martins a Luiz Antônio de Assis Brasil.

Não é diverso com meus volumes de crônicas e contos, todos primeiro manuscritos, para depois serem transpostos aos meios eletrônicos.

Nada tenho contra o computador ou a internet. Mas olho ambos como um segundo estágio do processo de criação.

Antes de converter em bits e bytes o que componho, me agrada ver cada texto em intimidade com o papel. É algo doce e indefinível, como o súbito olhar de uma mulher amada.

10 comentários:

  1. Caro Chassot,

    também passei por boa parte desse processo. Cheguei a ser professor de datilografia. Durante o período de Ministério Eclesiástico (36 anos) sempre escrevi as mensagens em cadernos(tipo livro de atas). Na maioria das vezes não os lia, mas constituíam o meu primeiro rascunho. Ainda gosto de escrever sobre o papel, mas já não tenho como fazer: as tarefas me engolem a disponibilidade.

    Um abraço,

    Garin

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  2. Bom dia, Mestre!
    Linda homenagem do cronista Liberato aos "good old times" da caneta-tinteiro (que diabo é isso? - dirão os jovens) e da tinta Azul Real Lavável...
    A minha primeira foi mesmo uma Compactor, quando entrei no ginásio, e que anos depois, tive o desprazer de ver furtada da minha carteira por um aluno marginal que, em decorrência desta e de outras ocorrências, foi expulso do colégio e do quartel onde servia ao exército!
    Já a Parker 51 ficou nos sonhos, junto com o kit Poliopticon, o trenzinho elétrico e o Ford 1950 (lindo, "ô" carro)!
    Abraços!

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  3. Muito estimado Garin,
    hoje é uma blogada para embalar saudades.
    Lembra quando datilografamos com papel carbono e tínhamos que corrigir ene cópias.
    Muito datilografei matrizes para mimeógrafo. Um erro podia determinar a perda da matriz.
    Um bom dia também com recordações.

    attico chassot

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  4. Muito prezado Leonel,
    como um setentinha embalo saudades parecidas com as tuas.
    Ah! Uma caneta automática!
    Há quanto não lembrava do kit Poliopticon, algo inacessível para muitos.
    Valeria falar algo dele.
    Obrigado por adensares a blogada de hoje;
    Com sempre renovada admiração

    attico chassot

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  5. Caro Chassot,
    Sem ser saudosista, também sou do tempo que a alfabetização se fazia a lápis e depois vinha a caneta e tinteiro e os melhores aquinhoados já passavam para a caneta-tinteiro. Gosto escrever em papel mas não consigo ser muito criativo assim. Imagino que o ato de escrever a mão me toma atenção em não errar, não borrar, fazer letra legível, que a criação fica um pouco prejudicada. De forma que quando escrevo no meu teclado, secundado pelo "Word" que me auxilia na grafia das palavras (embora seja uma ferramenta negativa para concordância gramatica), fico com parte do cérebro livre para tornar-me criativo. Acho que assim que funciona. Abraços e parabéns pela postagem, JAIR
    PS - Tenho uma coleção de 150 canetas tinteiro, desde as clássicas até as mais modernosas.

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  6. Prezado amigo Jair,
    realmente há habilidades muito diferentes no escrever a mão e com teclado e neste com computador. Talvez aqui a autocorreção e a facilidade de reparar os erro sejam o que faz mais diferença.
    Já tenho uma atração para a próxima fez que for a Florianópolis: ver tua coleção de ‘canetas automáticas.
    Com expectativa,

    attico chassot

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  7. Attico,
    estava pensando
    E os Felipes, Pedros e Carolinas que ja nascem na era dos Ipad, Iphone... Estive com o Felipe e ele com o seus dedinhos já percebeu como funciona o iphone.
    Abracos
    Carla

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  8. Carla querida,
    realmente um telefone fixo para eles é algo pré-jurássico.
    Obrigado por tua passagem por aqui.
    Afagos,
    attico

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  9. Olá professor! Como vai?? Dei uma passadinha para marcar presença e acompanhar como andam suas atividades. Um enorme abraço! Saudade! Ana Cláudia Maquiné

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  10. Muito querida Ana Claudia,
    é bom saber-te acompanhado meus caminhos.
    Saudades de Manaus.
    Como está a alternativa INPA?
    Um afago com saudade,

    attico chassot

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