sexta-feira, 26 de agosto de 2011

26.- NÃO TREMA, QUESTIONE

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1849

Ontem visitei, em momentos distintos dois muito queridos amigos, aos quais sou ligado, há muitos anos, pela Educação Química: o que catalisou a visita é que um e outro estão com a saúde menos boa. Num intervalo de 48 anos fiquei sabendo dos dissabores que surpreenderam os dois. Na manhã chuvosa estive no Hospital São Lucas da PUC, onde o Roque Morais foi paciente de uma muito delicada cirurgia. À noite estive na casa do Edni Schroeder que se prepara para iniciar um extenso tratamento quimioterápico. O Roque e o Edni precisam de orações/torcidas/eflúvios e outros quetais para reencontrarem a saúde plena.

Há uma semana, foi assunto aqui a tripartição do Pará. Bateu-se então um recorde histórico em termos de comentários. Ocorre, então, uma curiosidade lateral: o comentário do Prof. Guy Barcellos “espero que a integridade do Pará não tenha o mesmo fim do meu saudoso trema” catalisou manifestações em favor do trema e mais se sugere que este blogue possa ser cenário de discussão sobre o tema. Devo dizer que eu assimilei o acordo ortográfico com muita simpatia e o trema não deixou saudades.

Um paraense, que estreava neste blogue na defesa da não partição, mostrou entusiasmo maior. Francisco Simões [www.franciscosimoes.com.br], também Cidadão Cabofriense, Escritor, Poeta, Professor propõe hoje um texto. Conservei a grafia original, pois não seguir o acordo ortográfico é a proposta feyerabendiana do autor.

Há um convite: ponham lenha na fogueira e (não) queimem o trema. Um bom assunto para fazer esta sexta-feira, mais gostosamente expectante do último fim de semana agostino. Para mim será um fim de semana diferente. Vou, esta tarde, pela primeira vez ao ABC paulista. Estarei hoje à noite em São Bernardo do Campo e manhã faço palestra em Santo Andre. Lemo-nos desde o ABC, então.

Vejam só a que ponto chegamos, discutir nossa língua mãe através do uso ou desuso do trema, ou pior, do comer lingüiça ou linguiça! Barbaridade, e esses doutos senhores levaram 30 anos debruçados sobre livros, tratados, cimeiras, sei mais lá o que, para decidirem o que ninguém lhes pediu que fizessem.

Poderiam ao menos ter a decência de declarar que não pretendiam fazer apenas uma revisão ortográfica, grande mentira. Mas alguns acreditam nisso e até apóiam e justificam. Já li algumas explicações que me deram arrepios pelo excesso de capricho no escrever altamente intelectualizado. Perdão, a mim não impressionam.

Quem mais usa a língua, falando ou escrevendo, é o povo, ou os povos, considerando brasileiros e nossos bravos irmãos lusitanos de Portugal e alhures. Pois eles nem se dignaram a nos ouvir. E somos muitos milhões. Oh gente metida que se apossa do que pertence ao povo há séculos e até em desrespeito às origens do nosso idioma, com aquela pose que o fardão já sugere, meteram suas canetas e disseram: “agora é assim”.

Pois eu, na minha modesta, mas firme oposição, digo que não é não. Já ouviram falar em rebelião silenciosa, sem armas, sem bombas, sem vítimas, porém levada a efeito com seriedade, com “regimentos” de inteligência média, com a palavra como bandeira, com destreza mental no raciocínio e no argumento? Acreditem, entre nós não existem os considerados “inteligência de peru novo”.

Eu já disse em outro texto e confirmo agora esses senhores pretenderam, ou ainda pretendem é unificar a escrita e por conseqüência a fala de brasileiros e portugueses. Devem ter alimentado fantasias delirantes para mergulhar numa utopia dessas. No fundo sei que nem eles, os fardões autoritários da palavra, acreditam no que decidiram, mas não vão dar o braço a torcer.

E pensar que se existem pessoas letradas entre eles, há também alguns “maribondos de fogo” que só lá estão pela influência política. E nós vamos baixar a cabeça inclusive para quem parece ter aposto por último a assinatura no documento e que nem domina o falar, muito menos, o escrever em nosso idioma? Que é isso, companheiros?

Agora vão ter que agüentar a reacção (como dizem e escrevem nossos irmãos portugueses) daqueles para quem suas senhorias manifestaram total desprezo e indiferença. Lembro aqui o que disse um dia o grande Oscar Wilde: "Aos olhos de quem leu a História, a desobediência é a virtude original do homem. A desobediência permitiu o progresso – a desobediência é a rebelião.”


Apesar das inúmeras manifestações que estão acontecendo, muitas de pessoas que não só escrevem nesta internet como na imprensa escrita, percebo, ao ler certas mensagens a mim endereçadas, que alguns torcem o nariz ou disfarçam o mais que podem seu desprezo a quem se posiciona contra a falsa “revisão ortográfica”.

Repito, falsa porque não foi feita exatamente com este objetivo. Alguns querem dourar-lhes a pílula e dizem, até com certa convicção, que foi “muito louvável esta preocupação em unificar nosso falar e escrever”... Será que acreditam em Papai Noel?! Não quero ferir os brios de ninguém, apenas usar o sagrado e inalienável direito de persistir no que acredito e discordar.

Não uso minhas lanças contra moinhos de vento, mas sim no embate pacífico para esta resistência ao que não nos convém. Os acomodados que mantenham suas posições, mas a nossa é mais louvável porque tem uma razão de ser, uma causa, um motivo, e por ele continuaremos a escrever como de há muito o fazemos.

Alguém de minha amizade por quem tenho muita admiração e respeito, que está também contra esta revisão ou reforma ou lá o que seja, fez-me esta observação no domingo ao descobrir algo que lamentou: “Amigo Simões, exatamente como prevíamos o povo está preocupado em entender e usar a reforma ortográfica. Ninguém merece! ...risos... É por isso que eu digo que não adianta brigar porque, infelizmente, o nosso povo sempre se preocupa em seguir o que determinaram! Humildemente!”

Ele me mandara o endereço de certo site onde estão tentando explicar aquilo contra o que nos manifestamos. E afirmam que as suas aulas são preparadas com “muito humor e muita graça”. Parece que julgam estar lidando com um brinquedo e ensinando a crianças!

Minha boa amiga Gui, ao comentar um dos meus últimos textos, escreveu: “TRILHO A PACÍFICA DESOBEDIÊNCIA CIVIL ENSINADA POR GANDHI. NEM QUE O MUNDO TREMA EU ABANDONO O TREMA... MINHA IDÉIA NÃO FICA ÓRFÃ DE ACENTO E O MEU REESCREVER CONTINUARÁ CONSEQÜENTE CONJUGAÇÃO. TALVEZ EU ABANDONE O REELEGER.” -- Parabéns por sua lucidez, amiga Gui.

E encerro sugerindo a leitura de magnífico e recente artigo do poeta, escritor, entre outras muitas qualidades, Vasco Graça Moura, de Portugal, com o título: “Deveras Decepcionado”. Ele tem sido um batalhador incansável contra este malfadado Acordo Ortográfico, que de Acordo não tem nada. Quem desejar ler pode me pedir que o envio. Francisco Simões. (Agosto / 2011) fm.simoes@terra.com.br

18 comentários:

  1. Ave Chassot. Ave Simões.

    Parabéns pelo excelente texto. Endosso!

    Também não abandonarei o trema.

    Abraços,
    Güy.

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  2. Caro Chassot,
    todo o editor que entro preciso desabilitar a correção automática do ¨, já ando cansado. Sei que é uma importunação, mas porque colocar o trema a tremer?

    Boa véspera shbth para ti!

    Garin

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  3. Müito estimados Güy & Sïmöes,
    a cruzada foi relançada, já há dois militantes.
    Espero tenham sucessos,
    Vale a eloqüência do texto
    attico chassot

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  4. Muito estimado Garin,
    vejo no acordo uma facilitação. Veja aqueles de língua inglesa que não tem nenhum acento a digitar como tem a vida facilitado. Talvez pudéssemos ter ido mais longe. “Proparoxitonas” não precisam de acentos compulsoriamente.
    Mas como este blogue quer ser espaço plural, hoje já entre nós paladinos do retorno ao trëma.
    Na expectativa do shabath
    attico chassot

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  5. Caro Chassot,
    O Simões está realmente irado com a tal revisão ortográfica, louvo sua atitude. Quanto ao trema, gosto dele e acho seu uso um gesto de cortesia para com o "i". Veja bem, lá fica o já meio complexado "i" por ser tão magrinho, equilibrando aquela bolinha como um cabeceador em treinamento, solitário, pensando lá com seus botões quando será que sua arte de equilibrar vai ser apreciada, ou mesmo partilhada. Então chega a lingüiça com tranqüilidade e coloca dois companheiros ao lado dele partilhando a mesma arte. Em nome da amizade e do companheirismo, continuarei colocando trema onde me aprouver e tenho dito. Abraços fraternos, JAIR.

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  6. Meu caro Jaïr,
    lindo e bem posto teu comentário.
    Vejo que o Guy e o Simões tem parceiros.
    Com estima
    attico chassot

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  7. FRANCISCO SIMÕES escreveu

    Amigas e amigos, eu mal divulgara o convite para lerem minha crônica que entrou hoje no Coojornal da revista Rio Total, de Irene Serra, quando me chegou a mensagem abaixo do Mestre Attico Chassot. Há dias atrás eu escrevera apoiando a posição do jornalista paraense José Carneiro contra a divisão do nosso Estado do Pará e no comentário apoiei também a posição do Professor Guy a favor do trema e portanto contra o falso Acordo Ortográfico.

    Ele gostou muito do meu artigo já divulgado no Rio Total, ou seja "NÃO TREMA, QUESTIONE" e disse que o iria colocar no seu famoso blog a fim de promover um debate relativo à defesa do trema. Autorizei e agora vejo que até já existem dois comentários lá, sendo um do Prof. GUY. O Mestre Chassot chamou este "movimento" pacífico de... MST, ou "MOVIMENTO DOS SEM TREMA". Muito bem humorado, sem dúvida alguma, mas o assunto é mesmo sério.

    Convido a todos vocês a entrarem direto pelo link abaixo onde lerão uma apresentação do Mestre Chassot e logo a seguir o meu artigo acima citado. Poderão ler também os comentários. Gostaria que, seja qual for a sua posição, você também postasse lá sua opinião. Não deixe de fazê-lo, por favor. Quem desejar ler o artigo do Mestre português, escritor, poeta, entre muitas outras qualidades, o professor Vasco Graça Moura, basta me solicitar que o envio. Ele tem autoridade intelectual e moral suficiente para ser um batalhador incansável contra o que chamo de "Desacordo Ortográfico".

    Entrem, por favor, por este link... http://mestrechassot.blogspot.com/2011/08/26-nao-trema-questione.html#comments

    Abraço amigo do Francisco Simões.

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  8. Meu caro parceiro Francisco Simões,
    somam-se aos que aderem a tua santa e justa guerra. Completa, parodiando um pouco o Hino farroupilha: ‘e que nossas façanhas sirvam de exemplo a toda terra’.
    Uma vez mais cumprimentos por clamares pela desobediência indisciplinar,
    attico chassot

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  9. A indignação, a desobediência, a emoção! O verdadeiro motivo é este, é religioso. Cada um tenta religar-se ao que acha importante, de preferência transcendente. Que o façam, nada de mal virá para os próprios, nem para os outros, assim espero.
    O “acordo ortográfico” por maior desacordo que tenha, foi, tem sido, será sempre… um desígnio político, politicamente tem de ser visto e combatido. Agora quem vai contra mudanças estudadas pelos melhores conhecedores da língua à altura do texto que demorou anos a ser implementado mas agora permite que o português tenha alguma uniformidade, é algo com que me conformo com toda a facilidade.
    No entanto, é bom que diga que venho a convite… do meu xará e amigo Francisco Simões, pese embora a nossa diferença essencial em relação a este assunto. Será essencial? Ele acreditará que sim, que a essência está no trema? Eu acho que o essencial é darmos importância às coisas, discuti-las. Depois de aprovadas, vamos provar…
    Quanto ao Pará, aos paraenses possa ser dada a solução mais desejada. O problema, será saber se, para eles, o problema é um problema. A melhor solução talvez seja a mais prática, haverá sempre quem discorde. Na prática… fico com esse problema, distante do mesmo, em que medida será um problema? Antes duma solução, todo o problema é um problema. Se ninguém procurar uma “solução” a solução está encontrada, depois de posto o problema… Que tenha importância, já será alguma coisa. Melhorar a vida dos praenses, essa será de certeza, uma boa situação.
    Voltando à língua, da qual nunca saímos enquanto a usamos, eu no PC uso corrector ortográfico. Enquanto acção não for ação, acção será! A_braços!!

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  10. Estimado Francisco Coimbra,
    acolho honrado tua presença nesta blogue que pretende ser instrumento de alfabetização científica, no seu sentido mais amplo. Hoje é trema e/;ou o desacordo ortográfico que fazem o cenário. Tua trazida de religação é substantiva.
    É salutar a discussão.
    Com apreço
    attico chassot

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  11. Caro Mestre Chassot, primeiro, tenho a declarar que não morro de amores pelo trema, o qual várias vezes deixei no esquecimento, por acha-lo desnecessário.
    Entretanto, também não nutro nenhuma simpatia pela tal reforma ortográfica, que segundo apurei, teria motivos políticos, visando apresentar na ONU uma comunidade mundial de países falando uma "mesma" língua portuguesa.
    O que me irrita mesmo é o fato de ter passado mais de vinte anos estudando as mesmas regras ortográficas e agora, com mais de 60 anos, virar analfabeto, já que muita coisa do pouco que aprendi já não vale mais!
    Este é um dos motivos pelos quais eu aprecio as ciências exatas: dois e dois continuam sendo quatro, exceto talvez em alguma publicação do MEC, onde gramática e matemática são atropeladas com a mesma falta de cerimônia!
    Agora, o Movimento dos Sem Trema (MST) eu passo, pois esta sigla me lembra de coisas muito desagradáveis e vergonhosas!
    Nota: provavelmente, neste curto texto devo ter atropelado inúmeros ítens da reforma ortográfica! Sorry!
    Abraços, Mestre!

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  12. Mestre Chassot,
    Grato por acolhimento! O meu xará e amigo já me pediu explicações, o que nos levou a trocar argumentos. Se aqui for interpelado, responderei. Quanto à importância do lado afectivo em tudo que é mudança, não ficando muda, quiçá... alimente a dança! Uma coisa é certa, sem argumentos pode fazer-se tudo e nada tem significado. Coisa que verifico não acontecer neste blog, parabéns por ele e a todos nele. A_braços!!

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  13. Muito estimado Leonel,
    obrigado por estares aqui. Também a mim o trema não dá saudades e mesmo acerca do (des)acordo não tive, então, análises tão argutas.
    Cada um de nós tem histórias. Há aqueles para quem uma sigla causa histórica repulsa; outros se sentem nela irmanados. É o meu caso em relação ao MST.
    Mas isso não nos afasta. Ajuda-nos na salutar vivência da diferença.
    Com admiração e muito respeito
    attico chassot

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  14. Meu caro Francisco,
    o ilhéu,
    muito orgulha um vivente em Porto Alegre – que já se chamou Porto dos casais açorianos – receber tão afáveis elogio para seu blogue vindo de um habitantes dos Açores.
    Muito obrigado colega e apareça de vez em vez,
    attico chassot

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  15. Amigo Chassot, eu estava dando um tempo até porque tempo é o que mais me tem faltado nesses dias, seja escrevendo e divulgando minhas crônicas, lendo, assim como para os afazeres domésticos. Hoje com 75 anos, no terceiro casamento, tendo viuvado no segundo,sou muito mais solidário, participativo, atuante e não apenas marido porque um diploma o diz que sou.O imenso resto eu deixo para minha Lena, inclusive nosso jardim e a imensa horta que ela cuida com carinho e muito talento. Parabéns, Chassot pelo debate amplo e democrático que o amigo está promovendo. Aplaudo a todos que têm participado dele. Para quem ainda tenha alguma dúvida nesta posição contra o que chamo de DESACORDO ORTOGRÁFICO, gostaria de enviar um artigo recente de um dos portuguerses mais ilustres, na literatura, no teatro e muito mais, o escritor, poeta, etc, Vasco Graça Moura. Tendo o e-mail eu o envio com todo prazer. Quero apenas dizer que o trema, em verdade, é apenas um mote, ou um pretexto, para atacarmos o mal maior que é este Acordo Ortográfico que de acordo nada tem. Entendam assim, por favor. E quanto à sigla MST, eu a aceitei até com bom humor, pois achei uma interessante sacada do Mestre Chassot. Que ninguém leve sua presença ali para outro sentido que ninguém realmente teve. E vamos em frente. Um grande abraço amigo do Francisco Simões - fm.simoes@terra.com.br - (www.franciscosimoes.com.br) (http://www.riototal.com.br/coojornal/simoes.htm)

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  16. Caro Attico, mestre Chassot,
    Grato por seu acolhimento! Repito-me, até para corrigir...
    O ano passado tivemos uma visita importante comunitária, veio do Brasil uma "romagem de saudade". O motivo, só pode ser a existência duma grande comunidade açoreana que consigo levou a suas tradições e cultura.
    A_braços de cá!!

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  17. Ainda, para a_bordar… a emoção, deixo ligação a uma publicação: http://searasdeversos.blogspot.com/2011/08/danca.html
    A_braços!!

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  18. A citação é a seguinte:
    «[a] única palavra portuguesa cuja ortografia precisa de ser mudada é dança que se deve escrever com s, como era antes porque o "ç" é uma letra sentada»

    Declaração de Sophia Andresen
    numa entrevista ao JL (25 de Junho de 1991),
    a propósito do acordo ortográfico.

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