sábado, 28 de maio de 2011

28. Em ‘O Dilema de Cantor’

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1759

O último sábado de maio já sabe a junho. Há prenúncios de um fim de semana frio. Em tempos pré-interneticos estava dada a receita para um aconchegar-se em fruídas leituras em livros suporte papel. Livros destes de levar para rede ou para beira da lareira bebericando um vinho tinto.

Sugestão de leitura! Porque não! Aqui vai uma: e, ela quer ser mais do que para cumprir pauta de dica sabática. Está associa a produção do conhecimento, na qual ontem vimos o discriminar das mulheres.

Em ‘O Dilema de Cantor’ vive-se um clássico problema da Ciência: poderá estar existindo fraude no anúncio de uma determinada descoberta? Transfira esse interrogante para o cenário da disputa de um ‘Prêmio Nobel’ e adicionem pitadas de amor e de ódio. Está tecido um saboroso romance.

DJERASSI, Carl, O Dilema de Cantor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, Original estadunidense: Cantor’s Dilemma tradução Flávia Terra Cunha. 336 p. ISBN: 85-209-0987-6

Carl Djerassi, estadunidense, nascido em Viena em 29 de outubro de 1923, reconhecido professor emérito de Química na Universidade de Stanford é tido como um dos pais da pílula anticoncepcional. Ele é coautor, juntamente com Roald Hoffmann, do festejado livro “Oxigênio” [Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2004, ISBN: 85-88782-12-X, com primorosa

tradução do professor de Química Juergen Maar (referido por sua obra e também por minha admiração, na edição de 21 do corrente] que originou a peça homônima, há um tempo, em cartaz em teatro de São Paulo. Djerassi é um pesquisador químico de ponta que se faz também excelente romancista. Em ‘O Dilema de Cantor’ – sua estreia na literatura ficcional – nos apresenta bastidores (intrigas, invejas, ódios e amores) de uma disputa pelo Prêmio Nobel de medicina ou fisiologia. Também é autor de outros livros de contos, poemas e mesmo de uma autobiografia, todos inéditos no Brasil.

Anúncios de descobertas na Ciência, especialmente quando são revolucionários, com quebras de paradigmas, segundo Thomas Kuhn, referido neste texto, são usualmente acompanhadas de uma clássica interrogação: poderá estar existindo fraude no anúncio de uma determinada descoberta? Transfira esse interrogante para o cenário da disputa de um ‘Prêmio Nobel’ e adicionem pitadas de amor e de ódio. Está tecido um saboroso romance. Djerassi usa essa receita como um ‘connaisseur’ dos meandros da Academia, revelando intrigas do meio acadêmico que, só quem dele faz parte pode conhecer. Ele faz tessituras de relações entre personagens reais – por exemplo, laureados com o Prêmio Nobel e fatos – como descobertas significativas da Ciência no século 20 – com o anúncio bombástico da gênese dos tumores cancerígenos.

Djerassi diz no posfácio – que recomendaria fosse lido primeiro– que ‘O Dilema de Cantor’ trata de Ciência ‘em’ ficção e que com uma única exceção: a descoberta da gênese dos tumores cancerígenos, toda a Ciência que o autor descreve é verdadeira. Por exemplo, todos os detalhes sobre insetos: as moscas-escorpião machas realmente se comportam como travestis; a atividade sexual das fêmeas de certas espécies de abelhas é realmente restrita por um cinto de castidade químico; e acreditem ou não, o ‘Wall Street Journal’ prejudica e causa a morte precoce no inseto ‘Pyrrhocoris apterus’, enquanto o ‘Times’ de Londres é inócuo.

O romance se inicia quando o presunçoso professor I. Cantor tem uma ideia genial: a explicação da formação de tumores cancerígenos. O jovem e promissor assistente Dr. Jerimiah Stafford é encarregado da parte experimental. O agora chamado experimento Cantor-Statfford é publicado com destaque na ‘Nature’ e ganha o Prêmio Nobel. Mas, antes disto há disputas com o oncologista Kurt Krauss, descobridor do sarcoma de Krauss e também aspirante do Nobel. A presença da competente professora de Química Celestine Price dá ao romance um lirismo erótico na sua relação com um entomólogo especialista em relações sexuais de insetos e também no fazer a iniciação sexual do conservador batista Dr. Stafoord. Há ainda a presença de Paula Curry, decoradora de interiores e especialista em moveis ingleses antigos, que entra em cena como violinista de um quarteto de cordas do qual Cantor faz parte. Esses são os personagens centrais de ‘O Dilema de Cantor’ com os quais Djerassi faz uma intrigante divulgação dos bastidores da Ciência.

Permito-me lateralmente acrescentar que outro excelente romance para quem quiser conhecer mais sobre os bastidores que envolvem o processo de escolha dos laureados nas diferentes categorias, inclusive com injunções políticas: O prêmio, de Irving WALLACE, com 844 páginas, escrito em 1962. Há uma edição em língua portuguesa do Círculo do Livro S.A., de São Paulo; há também uma edição da Record em 1962, ainda oferecida em alguns sítios de livros usados. Li o excelente romance de Wallace há pelo menos 40 anos, mas o evoquei densamente na leitura das tramas engendradas por Carl Djerassi.

Acredito que a tradutora comete pelo menos um pecadilho quando da tradução “Journal” usado na acepção de ‘revista científica’ por ‘jornal’. Com este pequeno alerta, recomendo ‘O Dilema de Cantor’ especialmente aos leitores deste blogue que querem conhecer mais acerca da História da Ciência.

Acreditando que a dica é supimpa, só me resta desejar um bom sábado. Anuncia para amanhã um deleite dominical.

7 comentários:

  1. Caro Chassot,
    Você tem o DOM, você consegue tocar no ponto sensível do leitor de forma a induzí-lo a ler a sugestão sabática. "O dilema de Cantor" acaba de entrar na mina lista deste ano, obrigado. JAIR.

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  2. Meu caro Jair,
    quando nos arvoramos em dar dicas de leituras, é usual que tenhamos temores. Mas nesta sabática vou com fé;
    Amanhã terá algo que te atrairá: ginástica para o cérebro.
    Uma boa estada aí nas terras do Tio Sam, mesmo que estas que ora habitas tenham sido por ele mal havidas,
    Com estima
    attico chassot

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  3. Bom dia Professor!
    Põe supimpa nisso!
    hehehe!
    Ainda mais com a sugestão da rede!
    Aaaaaahhh!
    Maravilha!
    Esse dilema do Nobel com as 'pitadas de amor e ódio', como o senhor descreve, só acenderam minha curiosidade!
    Mais um dos que não ficará apenas na lista de sugestões!
    ^^!
    Um ótimo e abençoado sábado ao senhor e aos seus!

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  4. Muito querida Thaiza,
    como para ti, também para mim os bastidores da premiação do Nobel me envolvem.
    Um radioso sábado para despedir maio para ti e para teu trio
    attico chassot

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  5. Despedida mesmo, Professor...Minha licença Maternidade encerrou ontem..
    ..sniff..sniff..
    Segunda feira volto ao batente!
    =D
    Dor e alegria ao mesmo tempo...quero continuar com meus filhotes em casa, mas quero retornar às atividades também, pois meu cérebro já estava "explodindo" aqui!
    hehehe!
    Um mol de abraços!
    =]

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  6. Caro Chassot,

    chama a atenção a trama da dica de leitura desse sábado. Essas tramas em busca de sucesso podem ser realidade. Sabe-se que a prática de "roubar" textos está cada vez mais em voga. Por fama e por dinheiro tudo é possível neste mundo onde se corre atrás de promoção.

    Bom fim de semana!

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.com/

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  7. Meu caro colega Garin,
    realmente no mundo da academia as disputas por poder e fama – e há que lamentar – estão presentes e estão acobertadas por um rótulo: vale tudo. A dica sabática e um exemplo disto.
    Obrigado por teu comentário sempre aguardado
    attico chassot

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