sábado, 16 de outubro de 2010

16.- Uma foice longe da terra

Porto Alegre Ano 5 # 1535

Esta blogada é publicada na madrugada, pois no entorno das 05h30min, a Gelsa e eu, na companhia da Juliana Schreiber, mestranda da Gelsa e professora de cursos vinculados ao MST, como o de Administração em Cooperativas, estaremos partindo para Veranópolis – a 180 km de Porto Alegre – no Vale das Antas.

Nossa viagem é para participarmos da celebração do 15º aniversário do Instituto de Educação Josué de Castro/IEJC, mantido pelo Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITerra). O ITerra, através do IEJC, realiza a formação de professoras e professores para as escolas de acampamentos e assentamentos, técnicos de nível médio nas áreas da saúde, do cooperativismo (promovido em parceria com entidade do país Basco), da administração do MST, em 24 dos 27 estados do Brasil.

Em 1984, apoiados pela Comissão Pastoral da Terra, representantes dos movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores rurais e outras organizações reuniram-se em Cascavel, Paraná, centenas de trabalhadores rurais decidiram fundar um movimento social camponês, autônomo, que lutasse pela terra, pela Reforma Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o nosso país. Eram posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores.

Assim, no 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nascia um dos mais pujantes movimentos sociais da América Latina. Desde a fundação, o Movimento Sem Terra se organiza em torno de três objetivos principais: Lutar pela terra; Lutar por Reforma Agrária; Lutar por uma sociedade mais justa e fraterna.

Se há 26 anos surgia o MST, no próximo fevereiro se completa 20 anos em que a Gelsa e eu estamos envolvidos com esse movimento social, especialmente, em torno do terceiro objetivo, emprestando a nossa colaboração ao Setor de Educação do Movimento. Começamos em 1990 dando aulas e Braga, RS, depois em Três Passos, RS e mais recentemente em Veranópolis.

A tese de doutoramento da Gelsa: Cultura, Matemática, Educação na Luta pela Terra [Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-graduação em Educação, 254p, 1995] teve como objeto de estudo as práticas de cubação da terra e cubagem da madeira desenvolvidas pelos camponeses ligados ao MST. Esta tese resultou no livro Exclusão e resistência: Educação Matemática e Legitimidade Cultural. [Porto Alegre: Artemed. 139p. ISBN 86-7307-135-4] que depois de 10 anos se transmutou em: Educação matemática, culturas e conhecimento na luta pela terra. [Santa Cruz do Sul: EdUNISC, 2006, 239p. ISBN 85-7579-119-7].

Quando olho algumas de minhas produções, vejo também um pouco de minha ligação com o MST.

CHASSOT, Attico. Uma foice longe da terra ou o outro lado da moeda. Jornal do DCE - UFRGS, Abril de 1991

_______. (Re)construíndo o conhecimento químico. Educação & Realidade. p. 79-83, v. 12, n.2, jul-dez 1991.

_______. O MST e a Educação Folha de S. Paulo São Paulo, SP, p. 3.8, 12 ago. 1996.

_______. A Educação e a Luta pela Terra. Diário Indústria e Comércio, Florianópolis, SC, p.3, 18 out.1996.

_______. Procurando um ensino de Ciências fora da sala de aula, p. 223-236. in Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação. Ijuí: Editora Unijuí, (5ª Ed. revisada2010, 368 p.) 1ª Ed. 436p. 2000.

_______. Sobre cartas que falam do ensino de Ciências, p, 311-328 in Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação. Ijuí: Editora Unijuí, (5ª Ed. revisada2010, 368 p.) 1ª Ed. 436p. 2000.

_______: KNIJNIK, Gelsa. Educação no Movimento Sem Terra: reflexões sobre seus princípios pedagógicos. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). Alternativas emancipatórias em currículo. 1 ed. São Paulo: Papirus, 2004, v. 4, p. 123-146.

_______; KNIJNIK, Gelsa; Houssaye, J. L'Éducation dans le Mouvement Sans Terre: la construction d'une pédagogie par un mouvement social. In: HOUSSAYE, Jean. (Org.). Nouveaux pédagogues. Tome 2: pédagogues de demain. Paris: Editions Fabert, 2007, v. 2, p. 307-348 ISSN: 978290716408

Acrescento ainda os direitos autorais de todas as edições do livro Alfabetização Científica lançado em 2000, com a quinta edição em 2010 são do MST. Isto para mim é algo que me dá muito orgulho.

Também este blogue, por diversas vezes polemizou com a grande imprensa – qual Davi enfrentando Golias –, pois um dos propósitos, aqui é a atenção aos assim chamados formadores de opinião, isto ocorre na defesa dos movimentos sociais – tidos, muitas vezes, como inimigos por alguns –, por tal tem havido sucessivas edições em defesa do MST. Recentemente, as ações do Ministério Público contra as Escolas Itinerantes fizeram do blogue um espaço para arrecadar adesões em favor da Educação ligada ao MST.

A propósito o dia de hoje não é apenas de celebração de vitórias. Há perseguições a registrar. Ainda na última campanha eleitoral vimos candidatos a deputados bramindo slogans em favor da mais rigorosa fiscalização do MST. Decisões como esta, por exemplo: O Tribunal de Contas da União (TCU) condenou o Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra) ao pagamento de R$ 171.876,30, valor atualizado, por não comprovar a regular aplicação dos recursos repassados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inviabilizam prosseguimento de outros iniciativas. A verba era destinada à formação de turma de ensino médio para jovens e adultos em projetos de assentamento do Incra nos estados do País e se foi usado qualquer valor na aquisição de um bem ou de um serviço que o rigoroso julgador achar não pertinente condena-se e então se susta todas as demais iniciativas, pois não se pode exibir negativas de quitação de débitos.

Deixo de lado mazelas eivadas de ódios e preconceitos. Volto a falar de algumas de minhas ações no ITerra. Eis registros que fiz quando da minha última estada (junho de 2009), em Veranópolis: Volto de uma escola de formação do MST para dar aulas de Química. Quando recebi a súmula que deveria cumprir, recordei tópicos que ensinara durante anos. Mas perguntava-me durante as semanas que antecediam as aulas: Para que serve ensinar isso? O que eu, enquanto cidadão, entendo melhor do mundo em que vivo com esses assuntos? Dentro da proposta: o ensino das Ciências deveria servir para que alunas e alunos saibam não apenas ler melhor o mundo em que vivem, mas sejam capazes de ajudar a transformá-lo para melhor, optei por ser indisciplinado. Não fui um professor (instrumental) de Química, preferi ser um entusiasmado ‘alfabetizador nas Ciências’. Li, posteriormente, as avaliações que os alunos me enviaram. São emocionantes. Eles não aprenderam estrutura eletrônica ou nomenclatura de compostos orgânicos. Todavia, muito provavelmente entenderam “porque para apagar uma vela ou avivar uma chama se usa o mesmo procedimento: assoprar”, ou ainda “porque naqueles dias de frio na serra gaúcha era preciso deixar janelas abertas”. Durante os dois dias no ITerra, centrei quase todas as discussões em torno da reação de combustão. Mas, além de professor de Química fui professor de Física, de Biologia, de Matemática, de Geografia, de História e Filosofia da Ciência, de Economia, de Psicologia, de Cultura Religiosa, de Magias etc. Claro que não cumpri o programa, mas acredito que não tenha deixado de ser um bom professor, mesmo frustrando muitas expectativas dos estudantes: tinham medo do enfrentamento da terrível disciplina de Química. Relendo minha resposta a essa questão pode-se ler que mais uma vez aflorou o generalista em detrimento do especialista. Acredito que é nesse convencimento que me faço professor.

Mas, as blogadas sabáticas tem como mote trazer dica de leituras. Honro a tradição. Ofereço comentários de um livro com 20 anos e que foi objeto, talvez de uma primeira resenha minha. Ela está em“Uma foice longe da terra ou o outro lado da moeda” Jornal do DCE - UFRGS, Abril de 1991. Não tenho cópia eletrônica, mas este é também meu texto seminal de tudo que já escrevi relacionado com o MST. Mas quero trazer algo de um livro que foi decisivo em minha história pessoal nesta dica sabatina.

GÖRGEN, Frei Sergio OFM {org} Uma Foice longe da terra : a repressão aos sem-terra nas ruas de Porto Alegre; Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul ... [et al.]., Petrópolis : Vozes, 1991, 176 p. ISBN 85-326-0500-1

Recordo, quando ainda professor do Instituto de Química da UFRGS, ao dar a primeira aula de História da Ciência, em um curso de especialização, para 16 professores de Química, apresentei as diferentes leituras que era possível fazer de um mesmo fato, usando como objeto os incidentes que tiveram como palco Porto Alegre, no dia 8 de agosto de 1990, distantes de nós, então, menos de ano. Ao mostrar uma leitura diferente daquela que fora feita pela grande imprensa, como por exemplo a que está no livro "Uma foice longe da terra", houve surpresas, pois os professores tinham como verdade aquilo que lhes fora passado por uma imprensa controlada por detentores do monopólio da informação. A responsabilidade dos professores de História, como formadores de opinião, é muito grande, principalmente numa sociedade como a nossa, na qual abundam pústulas usando os meios de comunicação, primordial, e quase exclusivamente, a serviço das classes dominantes, para as quais, por exemplo, os trabalhadores que buscam terra para produzir são tratados como bandidos, comunistas, ou salteadores. Muito poderíamos falar sobre a importância de se ter presente sempre a intenção, consciente ou não, de quem escreve(u) a História. E preciso também, estarmos atentos a quem, privilegiadamente, ocupa os espaços de rádio, televisão e jornal em nossa sociedade, e que opinião estes inculcam em seus ouvintes. A quem estarão servindo?

Parece muito fácil, ao analisarmos o ensino vermos, nos outros, posturas dogmáticas. É dogmático também, o professor que não tem uma visão crítica da história. Assim, este livro que foi decisivo para meu engajamento na luta do MST se faz a dica de leitura deste sábado. Para elaborar essa resenha acarinhei o me exemplar com a dedicatória: “Companheiros Attico e Gelsa, na luta, com paixão sempre, com carinho, Frei Sérgio Görgen, Braga 21/02/91”. Claro que lembrei o companheiro que fui visitar quando debilitado fazia greve de fome pela justiça no campo. Não encontrei o livro no catálogo da VOZES, Mas com o ISBN é localizável pelo google em mais de um sebo, por preço convidativo.

Adito ainda votos de um bom sábado. Anuncio para manhã comentários sobre as maravilhosas vacas que engalanam Porto Alegre. Lêmo–nos então.



2 comentários:

  1. Querido professor!
    Agradeço o carinho e a oportunidade de passar um dia na presença de duas pessoas maravilhosas que admiro muito!
    Foi um dia especial com muitas aprendizagens!
    Um grande abraço, Juliana Schreiber

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  2. Muito querida Juliana,
    realmente nosso sábado foi de densas aprendizagens. A estas se aditaram o privilégio de ter como companhia. Desejava para a blogada de hoje fazer um relato.
    Concluo que ainda preciso maturar.
    Uma muito boa estada em Caxambu e fruas riquezas acadêmicas.
    Com admiração
    attico chassot

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