sábado, 7 de agosto de 2010

7.- A ESCRITA CIENTÍFICA NO DIVÃ

Porto Alegre Ano 5 # 1465

Depois de um tríduo (quarta-feira / quinta-feira / sexta-feira) de curtidas incursões ao nosso hebdomadário que ensejou vinte comentários com adendos aos assuntos e/ou manifestações de agrado, é natural que traga algo acerca do ‘sábado’ ou do dia de Saturno. Mas antes de fazê-lo, merece um comentário a minha inprevista estada em Osório. Após, aquilo que há mais de um ano é marca das blogadas sabatinas: dicas de leitura, que antecipo hoje será sumarenta.

Assim está constituída por três movimentos a sinfonia que se faz blogada no primeiro sábado agustino: palestra em Osório / o sábado / a dica de leitura. Primeiro movimento tétrico. O segundo: saturnismo. O último, precioso.

Primeiro movimento: Dizia ontem ser recorrente em minha vida é a não monotonia. Assim na manhã de ontem, atendi convite da coordenação XIV Fórum Internacional de Educação e substitui a Professora María Lucrecia Tulic, ex-titular Ministerio de Cultura y Educación da Argentina. A minha palestra "O compromisso da atuação do professor para o sucesso da escola" foi uma das quatro paralelas que ocorreram em um evento que reúne desde quarta-feira cerca de 1.200 pessoas.

Meu registro mais importante não é das emoções por falar em um auditório de 250

pessoas que estava lotado e ter feito uma palestra que no dizer de muitos assistentes foi valiosa, mas sim narrar mais uma não monotonia. Tenho computador desde 1989. Já vivi em fazeres informáticos grandes perdas causado por panes ou assemelhados. Recordo que, às vésperas de apresentar a proposta do doutorado, tive que reformatar o disco rígido, com perdas choradas. Algo como ocorreu na manhã de ontem foi muito pior. O meu pen-drive estava corrompido por vírus e simplesmente não aparecia a pasta onde estavam arquivos em PowerPoint. Foi um drama. Eu simplesmente fiquei embotado. Não conseguia estruturar uma fala sem a minha tão fabulosa (e agora ineficaz) muleta.

Salvou-me o Ismael, do Departamento de Tecnologia da Informação da FACOS. O pendrive foi ao laboratório e lá foi ‘desinfetado’. Ao voltar ainda estavam ocultos os arquivos. Mas aos conhecimentos do Ismael juntou-se a torcida (não falamos em pensamento mágico no domingo e terça-feira, aqui!) e a palestra pode ser começada com cerca de 20 minutos de atraso. Não sei como vou pagar todas as promessas aos anjos e demônios que cuidam dos vírus internéticos.

Ponto dois da pauta: Nesse dia da semana, o português não está isolado na nominação das demais línguas latinas aderindo às inculcações da Igreja abandonando a referência ao dia de saturno. Buscou-se a denominação do sábado no shabath hebraico, (talvez a partir do grego sabbatikós, descanso) O próprio nome em francês; samedi é originado do latim vulgar sambati dies, dia de sábado. O nome em alemão (Samstag) parece ter a mesma origem no shabath.

Uma leitura da mitologia grega, tão presente em cada um dos dias anteriores, poderia começar assim: No princípio tudo era o Caos, o deus gerador de todos os deuses e deusas. Todos existiam no Caos. A fonte de todas as coisas pairava latente em sua natureza. Tudo existia, porém não havia ordem. Em um determinado instante uma ordem se manifestou e surgiu então a primeira divindade concreta: Gaia, a Terra. Esta por sua vez, aproveitando o material disponível no Caos, fez surgir para sua companhia o Céu ou Urano, que passa a fecundá-la todas as noites, gerando inúmeros filhos: os Titãs (Oceano, Hiperíon, Crio, Coio, Jápeto e Cronos) e as Titanides (Téia, Tétis, Têmis, Réia, Febe e Mnimosine).

Em seguida nasceram desta união os Ciclópes, chamados Arges, Brontés e Esteropés, divindades dos relâmpagos, dos trovões e dos raios. Finalmente, nasceram os Hecatônquiros, gigantes violentos de cem braços: Briareu, Coto e Gies. Nesse panteão de deuses está Cronos (em grego Κρόνος - "tempo") que corresponde ao Deus romano Saturno.

Mesmo que se atribua à influência de Saturno temperamento sombrio e melancólico, os sábados não parecem assim. Vale lembrar numa associação ao deus que é hoje homenageado que uma das doenças que ainda mata nos dias atuais, o saturnismo – envenenamento agudo ou crônico produzido pelo chumbo ou por algum de seus compostos – é especialmente consequência d(o descuido com) a tecnologia. Por isso e muito mais que é importante refletirmos acerca das irônicas consequências das inovações mecânicas, químicas, biológicas e médicas

E agora, a dica de leitura: Nesta semana ganhei um presente. Gosto de ganhar livros. Um bom livro com uma querida dedicatória (em lenta desenhada) me derrete. Professor Attico, um presente pelos 4 anos do blog, pela convivência, pelos ensinamentos e pela pergunta que sempre nos acompanha: Por que escrevo? Com muito carinho e admiração. Thaíssa, julho de 2010.

A Thaíssa Haas, uma psicóloga, é a minha primeira das quatro orientandas que tenho no Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão. Já contei aqui acerca de sua dissertação, que merecerá ainda outras blogadas. Ela trabalha o mito do Ícaro, mostrando que uma cadeira de roda pode ser pensada como quase asas para um cadeirante. Mas agora é espaço para falar do livro.

“A Escrita Científica no Divã: Entre as possibilidades e as dificuldades para com o escrever” de Ana Cláudia Santos Meira, que foi uma interlocutora muito importante, enquanto membro da banca de qualificação da Thaíssa. Depois que recebi o livro não consegui deixar de terminá-lo. Isso ocorreu na viagem à Osório ontem. Na volta no meu ‘lapkopf’ pensava nessa resenha que segue o modelo usual: ficha técnica, algo da autora e uma apreciação do livro, como a cada sábado.


MEIRA, Ana Cláudia Santos. A Escrita Científica no Divã: Entre as possibilidades e as dificuldades para com o escrever. Porto Alegre: EdiPucRS. 2007. 301p; 14x21cm. ISBN: 978-85-7430-604-9 em www.abeu.org.br/ R$ 42,00.


Ana Cláudia Santos Meira é Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do RS. Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica pelo Centro de Estudos Integrados em Psicoterapia Psicanalítica (ESIPP). Coordenadora da ênfase em Saúde Mental e Residência Integrada em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição. Psicóloga do CAPS-II do Grupo Hospitalar Conceição. Psicoterapeuta de Adultos e Supervisora em Psicoterapia, atualmente é professora do ESIPP (Estudos Integrados de Psicoterapia Psicanalítica).

Trabalha há vários anos com a questão da escrita científica, coordenando seminários de pesquisa em diversas instituições de formação, com a supervisão de trabalhos científicos e com a revisão técnica de periódicos e livros da área. Foi no doutorado que sistematizou o estudo e a reflexão sobre tantos aspectos envolvidos na escrita. Alem da tese, que origino a dica de leitura de hoje, idealizou a Oficina de Escrita Científica, como um espaço de reflexão e exercício de uma forma diferenciada de encarar e viver o processo para aqueles que desejam, aqueles que precisam e aqueles que têm que escrever.

Algo sobre livro. Eis aqui um paradoxo. Gostei do livro. Traz muito sobre um tema tantas vezes recorrente neste blogue. Por que escrevo? Mas, agora me parece difícil escrever sobre o livro. Talvez as muitas detidas e cruciais análises da Ana Cláudia tenham me paralisado. Afinal é ela que afirma que “uma dose de angústia é investida em cada letra calcada no papel” (p. 157). Não vou acusá-la de tirar-me o prazer do escrever esta dica, mas a sua insinuação de que uma inquietação e um mal-estar psicológico marcam o processo de escrita agora me envolve.

Para que isto não seja justificativa para o encurtamento deste comentário encontro algo que me leva a novos escrevinhares.

Talvez a maior desacomodação que o livro me trouxe está no título. O gérmen do desencanto está na adjetivação de ‘escrita’. Se ao invés de ‘A Escrita Científica no Divã’ ele se chamasse ‘A Escrita no Divã’ teria outra atração. Claro que isto é muito pessoal. Dei-me conta com a Ana Cláudia, que nunca me perguntei na minha produção de escrito ‘científicos’ (livros, artigos para revistas acadêmicas, comunicações e palestras) ‘por que escrevo’. Essa atividade é algo natural de minha produção como para um marceneiro trabalhar a madeira. Minhas interrogações são contumazes no há mais de um quarto de séculos fazer diários, de há quatro anos manter um blogue, de escrever contos infantis (até já premiados) e romances inéditos ou ainda de no narrar um câncer produzir um livro que mesmo não publicado já ajudou a outros.

Mas o adjetivo do título tem seu estranhamento potencializado quando Ana Cláudia recorta sua análise coloca ‘A Escrita Psicanalítica no Divã’. Então não é possível desvencilhar que o livro que lemos foi/é uma tese acadêmica, com todas as suas idiossincrasias.

Acerca dessa transmutação concordo com que esta posto na quarta capa, da qual trago alguns fragmentos: “A Escrita Científica no Divã, é um livro para ser lido em um lugar tranqüilo. Não se trata de mais um manual de como fazer trabalhos científicos. É mais do que isso!
É um texto para ser folhado com liberdade, uma produção para ser manuseada com leveza, uma redação que se pretende lúdica. Este livro fala sobre a escrita de um trabalho científico como a atividade que pode ser gratificante e não um sofrimento; que pode ser uma oportunidade e não um compromisso, uma criação e não uma exigência, uma escolha e não uma obrigação.

E por isso, o divã: o lugar onde, em psicanálise, deitamos nossa consciência, nossa censura, nossos impedimentos, e nos permitimos transitar por dentro de nós e descobrir ali por que algo nos impede, nos prende, nos dificulta escrever. E, então, nos tornamos autores de nós mesmos.“

Já há muito venci os limites de linhas de uma blogada. Tenho uma sensação de frustração, pois alinhavara muitas riquezas sumarentas aprendidas nesse livro que quisera trazer aos meus leitores. A conjugação de dois outros assuntos pautados minimizou meu propósito. Fica uma promessa: A Escrita Científica no Divã, que recomendo entusiasmadamente, voltará em outra blogada sabatina.

Deveria ainda ter contado da experiência da fértil da noite de ontem: a primeira aula da Oficina de projetos e métodos de pesquisa, com a Marlis e o Gilson para quase meia centena de alunos no Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão e no Mestrado Acadêmico de Biociências e Reabilitação no Centro Universitário Metodista - IPA. Resta mais uma promessa.

Meus votos de um bom sábado, curtido na expectativa do Dia dos Pais amanhã.



6 comentários:

  1. Ola meu caro Mestre! Parabens pela atuaçao e Osorio, que pareceu ter um publico encantado com tua fala. Tambem estive no final do ano passado envolvido com a perda de dados de meu computador, onde numa formataçao errada e involuntaria perdi varios conteudos de grande interesse meu. Imagino tua agonia na perda dos dados do pen-drive. Gostei muito da dica de leitura de hoje, e a obra da Ana Claudia já está em minha agenda, logo após a leitura que agora me envolve, O Mundo dos Bens de Mary Douglas. Um saudoso abraço e um otimo FINDI. JB

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  2. Meu caro Jairo,
    aquela frase ‘Plug and Play’ merece ser transmutada para ‘Plug and Pray’
    Louvo-te pela acolhida da sugestão de A Escrita Científica no Divã. Vale a pena.
    Que tenhas um curtido dia dos pais.
    attico chassot

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  3. Olá meu querido Mestre e exemplo!
    Como é bom ler suas palavras, desfrutar da sabedoria que tens, aumentar o conhecimento mediante teus escritos....

    foi angustiante ler seu relato com relação ao ocorrido com o teu pendrive...
    Já aconteceram várias vezes situações parecidas comigo...e o pior, em regências... mas no final, tudo sempre acabou bem, assim como aconteceu contigo...

    Muito interessante tua dica de leitura!! Espero um dia ter a oportunidade de ler!

    Bom, postando novamente, além de ser muito prazeroso, porque não quero correr o risco de ser esquecida por ti...

    Um super beijo e um forte abraço...
    da sua fiel admiradora...
    Chiara Francesca Corsatto

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  4. querido mestre Chassot, Estou em São Paulo a tratamento médico, e estou aproveitando para fazer minha leitura deste blog, desejo-lhe um excelente dia dos pais.

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  5. Muito querida Chiara Francesca,
    obrigado por tua solidariedade aos meus transtornos determinados por vírus internéticos.
    Fico contente que te vejas seduzida por minha dica de leitura.
    Antecipo meus cumprimentos pela celebração da festa de Santa Clara, que ocorre nesta semana.
    Votos de uma boa semana e me encanta que de vez em vez apareces neste blogue.
    Um afago do
    attico chassot

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  6. Muito querida Elaine Sueli,
    primeiro desejo que a estada em São Paulo determine uma pronta recuperação de tua saúde e possas logo voltar para tua Rondônia.
    Obrigado pelos cumprimentos pela data de hoje.
    Torcendo muito por ti um afago do
    attico chassot

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