quarta-feira, 7 de julho de 2010

07.- No futebol, mentira, dissimulação, violência física...

Porto Alegre Ano 4 # 1434

Uma quarta-feira para qual se anuncia continuamos com mais uma extensão do veranico julino. Outro um dia no qual teremos um mega-culto em um dos templos que a FIFA, uma flamante igreja do deus Mercado, fez os servos africanos erigirem com dívidas bilionárias. Assim o assunto hoje é futebol, de novo. Para tal dou a palavra para Drauzio Varela, médico oncologista e escritor [Estação Carandiru], conhecido por popularizar a medicina em seu país, através de programas de rádio e TV.

Copa do mundo: No futebol, mentira, dissimulação, violência física e mau-caratismo são partes inseparáveis do jogo

Drauzio Varella
Quando a bola bateu no travessão, caiu para dentro do gol e veio para as mãos do goleiro da Alemanha, lembrei da final da Copa de 1966 no estádio de Wembley.
Naquela tarde, o lugar que consegui na arquibancada estava alinhado com as traves alemãs. Sentei tão perto do campo que ouvi o som da bola de couro contra o travessão e vi, com estes olhos que a terra há de comer, que ela bateu no chão sem ultrapassar a linha de gol.
Enxerguei o lance com tanta clareza que fiquei até preocupado ao ver o juiz e o bandeirinha correrem para o meio do campo validando o gol inglês. Imaginei que a torcida da Alemanha fosse invadir o gramado em protesto contra o empate fraudulento.
Faltavam poucos minutos para a Copa terminar com a vitória de seu país por 2 a 1. Não havia alambrado ao redor do campo, só uma cerca metálica de um metro de altura.
Foi minha segunda surpresa naquela disputa. A primeira havia acontecido quando os alemães marcaram o primeiro gol e a torcida inglesa aplaudiu, depois de alguns segundos de hesitação. Que povo era aquele capaz de comemorar um gol do adversário em final de Copa do Mundo?
Comparei a reação anglo-saxônica com a que presenciei aos sete anos no armazém Simões lotado de torcedores, na esquina da Henrique Dias com a Rodrigues do Santos, no bairro do Brás, na decisão da Copa de 1950.
Não existia televisão. Escutei a irradiação sentado numa pilha alta de sacos de arroz que só consegui escalar com a ajuda de meu primo Flavio, já moço. Fiquei ali todo importante, ouvindo a narração no meio dos rapazes mais velhos, astros das disputas futebolísticas na calçada da fábrica em frente de casa nas tardes de sábado, período em que começava a folga de fim de semana dos operários.
Futebol pelo rádio era emoção arrebatadora: "Leônidas mata no peito, baixa na terra, passa por um, dribla o segundo, invade a área, fulmina, e é gol". O grito interminável de gol. Em minha imaginação, o homem que matava no peito, invadia a área e fulminava o inimigo tinha os poderes do Super-Homem e do Capitão Marvel.
Foi uma decepção quando meu tio Odilo me levou pela primeira vez ao Pacaembu para assistir a São Paulo versus Nacional, time escolhido a dedo para não desiludir o coração tricolor do sobrinho fanático. Achei bonito o gramado, as bandeiras da torcida e me emocionei com o som dos fogos quando o São Paulo entrou em campo. Os jogadores de carne e osso, porém, deixaram a desejar: erravam passes, chutavam para fora e perdiam gols feitos, exatamente como a molecada na rua.
Além de maldosos, porque empurravam uns aos outros e davam caneladas, ainda eram mal educados, xingavam e cuspiam no chão, prática que minha avó considerava a pior das grosserias, responsável pela transmissão da tuberculose.
O mais grave é que faziam de tudo para confundir o juiz. No futebol que jogávamos na porta da fábrica havia honestidade: quando a bola batia na mão de um menino, ele era o primeiro a parar o jogo; nas faltas cometidas, acontecia o mesmo.
No Pacaembu, eles chutavam a bola para fora e se apressavam para bater o lateral como se o adversário tivesse sido o último a tocá-la, caíam simulando pênaltis e, quando flagrados em infrações clamorosas, reclamavam do juiz com a veemência dos injustiçados.
Mesmo sem ter consciência, naquela partida aprendi que futebol é um esporte no qual mentira, dissimulação, violência física e mau-caratismo são partes inseparáveis do jogo.
A venda de seu Simões quase veio abaixo quando Friaça marcou o gol do Brasil, em 1950. Todos se abraçavam e pulavam com os braços para cima. No segundo tempo os uruguaios empataram, mas os presentes continuaram com a certeza de que seríamos campeões do mundo.
A desgraça entrou no armazém pelos pés de Gighia. Silêncio sepulcral; no ar apenas a voz do rádio e o cheiro dos sacos de mantimentos.
Quando o locutor anunciou o fim da partida, ficaram todos de cabeça baixa, ninguém falava nem se movia, parecia brincadeira de como está fica. Em procissão, os homens foram saindo, alguns com lágrimas nos olhos.
Encostado na carroceria de um caminhão, seu Isidoro, funcionário do Gasômetro, soluçava feito criança. Foi a primeira vez que vi homem chorar sem ninguém ter morrido.

Depois da beleza deste texto, a cada uma e cada um, votos de uma boa quarta-feira. A minha, como ontem, terá ainda envolvimento na seleção do Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão. Ainda de ontem um registro gostoso, a propósito da blogada de segunda-feira, conversei, à noite, por quase uma hora com José e Maria Teresa Sanseverino, os pais do Paulo de Tarso – que nesta quarta-feira é sabatinado pelo Senado para ser considerado apto para ser empossado como Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Foi um papo muito gostoso, que num momento teve participação da Gelsa, pelo Skipe, [fico feliz que estejas curtindo teus amigos! manda um beijo meu para eles e diz de minha emoção por imaginar a emoção deles pelo filho de quem tanto devem se orgulhar] desde Salvador, onde está participando do Encontro Nacional de Educação Matemática. Até amanhã, quando já anuncio, aqui: Um Quixote no coração da África

6 comentários:

  1. Mestre Chassot! Que bom texto do Dr. Drauzio Varella. Tive o prazer de assisti-lo, juntamente com minha esposa, em uma palestra sobre o efeito das Drogas num Primeiro de Maio da Gerdau em 2005. Falou por quase uma hora para um auditório lotado e atento, sem pausas e sem roteiro, somente com um microfone à mão. Nã sabia de sua perspicacia no comentar o esporte mais popular brasileiro. Obrigado pela trazida do Dr. Drauzio e pelas lembranças que me oportunas. Abraço do JB.

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  2. Meu caro Jairo,
    que bom que retornado de tua agenda profissional no Espírito Santo encontras na postagem de hoje bom motivos para evocações, catalisada por Drausio Varela, um dos médicos que socializa sua competência profissional de uma maneira muito digna e eficiente.
    Uma muito boa quarta-feira, voto aditado de meu agradecimento e de minha admiração
    attico chassot

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  3. Boa tarde, Professor!
    Dráuzio Varella é uma dessas pessoas únicas!
    Ótimo texto!
    E, vendo-o falar sobre homens chorando sem nenhuma morte, me lembrei de meu cunhado, neste último jogo do Brasil, nesta copa...estava desolado coitado..e ainda meu sobrinho solta um:"...é..agora é torcer pela Argentina.."
    Pensa num menino que quase "aprendeu a voar" naquele instante!
    o.0
    Rsss..
    É claro que me entristeci, mas já esperava, devo admitir e, diante da situação em que me encontrava, mais ri do que chorei!
    E longe, né! Senão sairia "voando" também!
    hehehe!!
    Ótima quarta, Mestre!
    =D

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  4. Muito querida colega Thaiza,
    quando temos oportunidade de nos abeberar de pessoas como Drausio Varela, aprendemos a não sofrer com derrotas dos times (ou seleções) pelas quais torcemos.
    Tu és um pouco um DV da Educação Química com teu blog tão importante.
    Com votos de uma quarta-feira abençoada e sonhando com um encontro em duas semanas,
    attico chassot

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  5. boa noite meu querido mestre chassot, quero lhe parabenizar pela quantidade de informação que encontro em seu blog; desde que o senhor veio aqui em Porto Velho naquela palestra na escola Major Gaupindaia passei a ter como hábito a leitura diária dos assuntos contidos no seu blog. Agora entendo a admiração que a Ana e o Wilmo, que por sinal continuam nos enlouquecendo aqui na unir, tem por vocÊ. Abraços,
    Elaine

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  6. Muito querida Elaine,
    ~~ não tenho teu endereço; entrei no blogue do Comandante Podolski, mas não encontrei endereço; faço cópia dessa mensagem à querida Ana Carolina, que citas em tua mensagem ~~
    obrigado pela maneira querida que tu referes a minha passagem por Porto Velho e também ao meu blogue. É muito bom saber que daquele 2 de junho ficaram sementes. Vejo, de vez em vez, acessos em Porto Velho no blogue. Isso é bom.
    Um afago carinhoso do
    attico chassot

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