quarta-feira, 16 de junho de 2010

16* Ensino ‘oficial’ de História louva a ditadura

Porto Alegre Ano 4 # 1413

Esta postagem é feita quando estou partindo para mais uma viagem. É quarta e última de menos de 23 dias de viagens consecutivas. Hoje o meu destino é Itumbiara em Goiás. Na cidade que se espraia as margens do Parnaíba e que significa “Caminho da Cachoeira”, em tupi-guarani, tenho hoje duas falas: uma no final da tarde e outra à noite. A viagem será em três etapas. Primeira: Porto Alegre/ São Paulo (Congonhas), onde tenho chegada prevista para 10h. Segunda: 1 hora e 20 minutos depois parto para Uberlândia, Minas Gerais. Terceira: às 13 h, partida de Uberlândia para Itumbiara – devo chegar às 16h, depois de percorrer cerca de 160 quilômetros. Minhas atividades são no Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara da ULBRA. Detalhes em www.ulbra.br/itumbiara/

Como estava agendado, na tarde de ontem, fui entrevistado na Rádio IPA, no A Ciência na rede, um programa de jornalismo cientifico para divulgar na rádio do Centro Universitário Metodista IPA, os trabalhos de pesquisa desenvolvidos pelos docentes e discentes nas diferentes áreas da ciência. O entrevistador é Eduardo Purper, jornalista formado na instituição. Por ser portador de paralisia cerebral, durante o curso fez todas as provas de maneira oral e sua monografia de conclusão de curso foi um vídeo ao invés de um texto em papel. Tive o privilégio de esta acompanhado de Thaíssa Haas, uma psicóloga, que é minha orientanda do Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão, cujo Projeto de Dissertação é ‘Cadeirante + cadeira de rodas: um (quase) Ícaro que busca a inclusão social e individual – um estudo de caso’. O problema de pesquisa é como o cada vez maior entendimento da diminuição do limite humano/não humano no complexo cadeirante/cadeira de rodas é facilitador de inclusão.

As fotos, com o telefone celular não são das melhores mas dão uma ideia de emoções e limitações.


A Thaíssa busca metaforicamente entender o sujeito de pesquisa como um Ícaro pós-moderno. Assim ela faz uma releitura de um dos mais bonitos relatos mítico. Os sonhos primevos de voar da humanidade, numa leitura Ocidental se iniciaram com Ícaro – com sua audácia em ousar nos planos estabelecido pelo pai Dédalo.

Esse sonho de voar se consubstancia a medida em que nos fazemos ciborgues, onde neste estudo vemos binômio cadeirante-cadeira de roda se fusionar em ser que quase voa. Foi muito significativo ver o Eduardo acompanhar e ratificar o trabalho da Thaíssa, como um dos sujeitos que mais se faz de Ícaro.

Estão abertas até o dia 24 as inscrições para o vestibular de inverno do Centro Universitário Metodista – IPA. As provas ocorrem no dia 27. Dou destaque aqui, pois a partir do segundo semestre, a instituição oferecerá o curso de Bacharelado em Filosofia. Vale conferir detalhes destes e de mais de duas dezenas de outros cursos em www.metodistadosul.edu.br

Ontem teria uma palestra no Colégio Militar de Porto Alegre. Ela foi transferida devido ao jogo da Copa para a próxima terça-feira. Mas, se não laboro em generalizações, o lócus de minha fala está enquadrado em notícia que li na Folha de S. Paulo deste domingo, no caderno Cotidiano: Colégio militar usa material de história com perfil diferente do indicado pelo MEC.

Eis a matéria assinada pela jornalista Angela Pinto, da sucursal de Brasília.

A história oficial contada aos alunos dos 12 colégios militares do país omite a tortura praticada na ditadura e ensina que o golpe ocorrido em 1964 foi uma revolução democrática; a censura à imprensa, necessária para o progresso; e as cassações políticas, uma resposta à intransigência da oposição.
É isso que está no livro didático "História do Brasil - Império e República", utilizado pelos estudantes do 7º ano (antiga 6ª série) das escolas mantidas com recursos públicos pelo Exército.
Nelas, estudam 14 mil alunos, entre filhos de militares transferidos ou de civis aprovados em concorridos vestibulinhos. De cada aluno é cobrada uma taxa mensal de R$ 143 a R$ 160, da qual estão isentos os que não podem pagar. Mas 80% das despesas são custeadas pelo Exército.
As escolas militares poderiam utilizar livros gratuitos cedidos pelo Ministério da Educação a todas as escolas públicas. Mas, para a disciplina de história, optaram pela obra editada pela Bibliex (Biblioteca do Exército), que deve ser adquirida pelos próprios alunos. Na internet, o preço é R$ 50, mais um caderno de exercícios a R$ 20. O Exército afirma que o material "atende adequadamente às necessidades do ensino de História no Sistema Colégio Militar".
O livro de história mais adquirido pelo MEC para o ensino fundamental, da editora Moderna, apresenta a tomada do poder pelos militares como um golpe, uma reação da direita às reformas propostas por João Goulart (1961-64). A partir disso, diz a obra, seguiu-se um período de arbítrio, com tortura e desaparecimentos, em que a esquerda recorreu à luta armada para se manifestar contra o regime.
Já a obra da Bibliex narra uma história diferente: Goulart cooperava com os interesses do Partido Comunista, que já havia se infiltrado na Igreja Católica e nas universidades. Do outro lado, as Forças Armadas, por seu "espírito democrático", eram a maior resistência às "investidas subversivas".
No caderno de exercícios, uma questão resume a ideia. Qual foi o objetivo da tomada do poder pelos militares? Resposta: "combater a inflação, a corrupção e a comunização do país".
A obra não faz menção à tortura e ao desaparecimento de opositores ao regime militar. Cita apenas as ações da esquerda: "A atuação de grupos subversivos, além de perturbar a ordem pública, vitimou numerosas pessoas, que perderam a vida em assaltos a bancos, ataques a quartéis e postos policiais e em sequestros".
A censura é justificada: "Nos governos militares, em particular na gestão do presidente Médici [Emílio Garrastazu, 1969-1974], houve a censura dos meios de comunicação e o combate e eliminação das guerrilhas, urbana e rural, porque a preservação da ordem pública era condição necessária ao progresso do país."
As cassações políticas são atribuídas à oposição do MDB (Movimento Democrático Brasileiro). "Embora o governo pregasse o retorno à normalidade democrática, a intransigência do partido oposicionista motivou a necessidade de algumas cassações políticas", diz trecho sobre o governo Ernesto Geisel (1974-79).
Para o historiador Carlos Fico, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o livro usado nos colégios militares é problemático tanto do ponto de vista das informações que contém como pela forma como conta a história.
"O principal motivo do golpe foi o incômodo causado pela possibilidade de que setores populares tivessem uma série de conquistas."
Mas, para Fico, mais grave ainda é a forma como o livro narra o período, com uma "história factual" carente de análise, focada apenas na ação dos governos. "Trata-se de uma modalidade desprezada inclusive pelos bons historiadores conservadores", avalia.

A Folha ouviu o outro lado: Não há juízo de valor, afirma comandante

O coronel Silva Alvim, comandante do colégio militar de Brasília, o maior do Exército, afirma que as escolas militares abordam "apenas o fato histórico", sem juízos de valor sobre o regime militar.
Questionado sobre a omissão dos torturados e desaparecidos no livro do 7º ano, diz que se trata de um tema proibido. "Dentro desse culto aos valores e tradições do Exército, esse tipo de assunto [tortura e desaparecidos] nós buscamos não tratar. Até porque, no âmbito do Exército brasileiro, essas questões não são permitidas", diz.
Curiosamente, no ensino médio, a apostila adotada pelo colégio militar de Brasília, feita pelo sistema Poliedro, fala em "ditadura" e "tortura". Mas "não enfaticamente", responde o coronel ao ser indagado sobre a diferença de abordagem.
Questionado sobre o livro, o Centro de Comunicação Social do Exército afirmou apenas que a linha didático-pedagógica da obra, adotada desde 1998, "atende adequadamente às necessidades do ensino de História no Sistema Colégio Militar".
O Ministério da Defesa disse, via assessoria de imprensa, que o teor do livro "será levado ao conhecimento das autoridades competentes".

Realmente não deixa de ser significativo, ou melhor, preocupante que tenhamos duas leituras da História, das quais uma corporativista destinada àqueles que estudam sob a égide do Exercito. Essa matéria aguça-me e instiga-me para o cenário de minha fala que terei na próxima semana. Pensava que vivêssemos outros tempos.

Desejo que essa quarta-feira seja a melhor para cada uma e cada um de meus amáveis leitores. Amanhã, certamente nos leremos de Itumbiara, quando aditarei a sexta localidade de postagem deste blogue em 22 dias.

10 comentários:

  1. Bom dia, Professor!

    é disso que falo, quando digo que me preocupo em ser uma transmissora passiva (comentário de segunda). No geral, professores não se envolvem com as pesquisas e acabam apenas recebendo e transmitindo as "verdades". Mesmo os livros indicados pelo MEC não são neutros, pois tmb omitem e ressaltam fatos, há tanto tempo, que se torna difícil pensar que poderiam ter sido diferentes.

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  2. Muito querida Marília,
    agradeço teu comentário desde o aeroporto de Congonhas. Aqui á mais que uma transmissão passiva. Professoras e professores são constrangidos a seguir ‘um currículo oficial’. Isso me parece uma dolorosa perda de liberdades.
    Um afago carinhoso do
    attico chassot

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  3. Muy querido Profesor Chassot,
    Felicitaciones al entrevistador Eduardo Purper, vivo ejemplo de fortaleza y templanza.
    Por otro lado, increíble lo que comenta sobre la "historia" contada desde las esferas militares. Una prueba más que la Historia no es sólo recoger y ordenar hechos o datos, sino que depende en gran medida de las diferentes voces oficiales que la delinean, ya sea tergiversándola, acomodándola, tiñéndola de ideologías, hasta incluso inventándose una. Una que convenga.
    ¡Que tenga otro excelente viaje lleno de éxitos!

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  4. Muy apreciada Matilde,
    distinguida lectora ecuatoriana de este blogue, desde Itumbiara ahonde recién he llegado un comentario en tres movimiento. El primero de agradecimiento por sus comentarios y también por sus votos en esa estancia en Goiás. El segundo, para ratificar su encantamiento pelo hecho de Eduardo Purper. El es algo muy significativo en termos de la posibilidad de rehabilitación de ser humano. El tercero, el más relevante, son sus comentarios muy bien puesto acerca de que hacer que “Historia no es sólo recoger y ordenar hechos o datos, sino que depende en gran medida de las diferentes voces oficiales que la delinean, ya sea tergiversándola, acomodándola, tiñéndola de ideologías, hasta incluso inventándose una. Una que convenga”. Permítame hacer copia de su comentario a Marcos Vinicius ‘nuestro’ historiador para escucharlo.
    Estoy de partida para las actividades y por tal limito me a eses comentarios.
    Con continuada admiración
    attico chassot

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  5. Mestre Chassot, a História é algo que só se faz saber por meio da Historiografia, que nada mais é do que aquilo que é escrito sobre a História. Logo, a História torna-se um discurso que pode ser utilizado e reformulado de acordo com as necessidades que se fizerem presentes, agindo como ferramenta de legitimação.

    Não me estranha que o Exército faça sua "versão da História", o que me assusta é que o MEC faça vistas grossas quanto a isso, principalmente quando estamos em pleno exercício de um governo democrático "de esquerda", composto por muitos políticos que lutaram justamente contra a ditadura.

    Ótimo dia.

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  6. Boa noite professor, gosaria de parabenizá-lo pela fala da tarde/noite de hoje. Ficamos honrados com sua visita a nossa instituição. Um bom retorno! Profª Sandra (ILES/ULBRA Itumbiara)

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  7. Caro professor,
    Vindo de uma disciplina de Colégio Militar, onde estudei por 6 anos, tenho uma visão mais ampla a respeito de educação, até por ser hoje estudante de licenciatura, fico me imaginando lecionando sob os olhares de outros a respeito do que pode ou não ser falado, tendo que seguir os interesses alheios que não coferem com o que realmente deve ser mediado. Atenta em sua fala na palestra em Itumbiara, hoje me vejo mais adepta a indisciplinaridade, no sentido de incluir outras disciplinas e não deixar ciência como algo limitado, mas sim cheio de incertezas...
    Abraços e admiração..
    Indiamara

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  8. Meu caro Marcos Vinicius,
    quando dizes que é a Historiografia é a estratégia de fazer História estás concedendo que ela manipulável e não isenta. Não existe história e neutra! Parece que o caso dos CMs é um bom ‘mau exemplo’.
    Estou chegando de uma longa jornada e não tenho condições de uma mais exaustiva reflexão
    Com continuada admiração
    attico chassot

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  9. Estimada Colega Sandra
    (fiz cópia para a Katia pois não tenho teu endereço)
    Realmente também para mim fora momentos memoráveis.
    Com gratidão

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  10. Muito querida Indiamara
    ~~ com cópia para a Katia, pois não tenho teu endereço ~~
    Obrigado por tua visitação a este blogue.
    Tu como seis anos alunas de um CM entendes / sentiste a blogada de hoje.
    Obrigado pela adesão as propostas trazida nesta noite em Itumbiara
    Com admiração
    attico chassot

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