sábado, 1 de maio de 2010

01 * Bernhard Schlink com ‘O Outro'

Porto Alegre Ano 4 # 1367

Inauguramos as blogadas de maio. Devo reconhecer com uma postagem em manhã avançada, admitida em uma manhã de feriado. Como ontem, mais uma vez,

Porto Alegre está imersa em cerração (¿ou é neblina?) que ontem até nos privou de jornais que vem de São Paulo e Rio de Janeiro

Como já escrevi ontem, um feriado cair em domingo e mesmo em sábado para muitos, traz a sensação de sermos espoliado em algo. Parece inclusive que a comemoração se esboroa no fim de semana. Vale, então, recordar que hoje é Dia do Trabalho, logo o nosso dia.

E maio abre com uma dica sabatina de leitura que já tem uma tradição neste blogue de mais de um ano. A de hoje é de um dos livros que a Gelsa me presenteou pelos nossos 23 anos juntos, aqui recordados no último domingo e trazidos de sua viagem de Belo Horizonte ode fez palestra no ENDIPE. Tudo leva a crer que no próximo sábado comentarei “O Retorno” de Victoria Hislop da mesma leva de presentes.

Sonho com alguns leitores farão a primeiroa de leitura de ‘O outro’ na leitura desta blogada. Apresento, como usualmente, a ficha técnica, algo do autor e pinceladas do livro.

SCHLINK, BERNHARD. O Outro. [Original alemão: Der Andere] Tradução (do alemão) de Kristina Michahelles. Rio de Janeiro: Record, 2009. 96 p. 21 x 14 cm ISBN 978-85-01-08543-6

Bernhard Schlink nasceu em 6 de julho de 1944, em Bielefeld, e é jurista de formação e escritor alemão. Em 1988, tornou-se juiz do Tribunal Constitucional da Renânia Setentrional-Vestefália. É professor de Direito Público e de Filosofia do Direito na Universidade Humboldt, em Berlim, desde 1996.

Sua obra de ficção mais renomada é o livro "Der Vorleser" (O Leitor) publicado em 39 idiomas e adaptado para o cinema pelo diretor inglês Stephen Daldry. Tanto O

Leitor como um conto de Amores em Fuga foram adaptados ao cinema. Para além destas obras, em catálogo fílmico figuram também os seus livros Neblina sobre Mannheim e O Regresso. O livro que hoje se faz dica sabatina foi levado às telas como ‘O amante’ estrelado por Liam Neeson, Laura Linney e Antonio Bandera.

Eis o que está na quarta capa de O outro: Depois de perder a mulher para o câncer, Bengt procura conforto nas tarefas mais simples do dia a dia. Até que recebe uma carta endereçada a ela e tudo o que viveram juntos desmorona. Percebendo a chance de manter viva a memória da esposa, Bengt começa a responder às cartas como se fosse Lisa. A cada nova carta, ele a redescobre. Entretanto, as mensagens não são suficientes e logo a empatia entre os dois e a curiosidade de Bengt fazem com que ele vá ao encontro do Outro.

Não há como não concordar que este é um argumento para nos apaixonarmos a primeira vista. Eu tomei o livro quando o recebi, e em poucos minutos devorei a primeira metade, das poucas páginas de letras esparramadas que o constitui. Tudo está programado para leitura rápida. Devo dizer que me decepcionei logo em seguida. Disse-me que, com esse argumento, eu daria outro enredo mais emocionante. Vejam que sou pretensioso. Apenas, desejo que não esteja trazendo um destímulo à leitura. Afinal, não tenho como oferecer o meu texto para tão instigante argumento. Também ratifica-se a tese, que um bom enredo não é o suficiente para se produzir um bom livro.

"O outro" é a história de Bengt, um burocrata aposentado de um Ministério; depois de perder a mulher, Lisa, violinista da orquestra da cidade, vitimada por um câncer, que mereceu dele os mais zelosos cuidados na longa enfermidade, procura retornar a uma nova vida. Busca os filhos, com os quais tinha uma relação distante, dedica-se a casa. Em tudo recorda a mulher que perdeu.

Um dia ocorre uma descoberta cruel: durante longos anos, sem que ele jamais suspeitasse, a esposa o traiu. A carta de Rolf, o Outro. Destina-se não a ele, o viúvo, mas a Lisa, a morta. Julgando-a viva, Rolf lhe escreve para falar do "pecado da vida não vivida, do amor não amado". Sonha restaurar o romance havido e que ele retornem à cama para reeditar paixões tórridas.
Bengt lê a carta do Outro com desespero. O ciúme o fere. Mais dolorosa, porém, é a ideia de que, provavelmente, não conhecia a mulher que amou. "Como saber se ela fora uma para ele e outra para o Outro?" – ele se pergunta. Não se interessa por Rolf, mas pelo lugar que o Outro ocupou na vida de sua mulher. Lugar não só de um terceiro, mas a partir do qual uma nova imagem de Lisa – agora vista como uma estranha, ela também Outra – se reconstrói. Ao lado do Outro, Lisa era, por certo, a mesma mulher que ele sempre amou e a quem, com tanto carinho, ajudou a morrer. Mas era, ao mesmo tempo, uma Outra, uma desconhecida. A imagem da amada se divide. O que é pior: Lisa ter sido Outra ao lado do Outro, ou ter sido a mesma? Quem, afinal, foi Lisa: a mulher que o amou, ou a mulher que o traiu?

Bengt controla a raiva e, friamente, escreve ao Outro comunicando a morte da esposa. Quer dar a questão por encerrada. São apenas três frases secas: "Sua carta chegou. Mas já não chegou para quem você a escreveu. A Lisa que você conheceu e amou morreu." E acontece o mais singular: vez de tomá-la como um comunicado fúnebre, porém, o Outro a lê como um pedido de ruptura, que a amada assina.

Como as palavras atraiçoam! A carta – a mesma carta –, dependendo de quem a lê, se torna outra carta. As três linhas escritas por Bengt têm leitura tão distinta da escrita pretendida. Ao invés de findar uma história reaviva-a.

Bengt e Rolf se correspondem. Não. Bengt escreve por Liza que reacende esperanças em Rolf.
A troca de carta se desenrola até o momento-limite em que Bengt, não suportando mais o solo quebradiço em que avança, decide procurar o Outro, Rolf em pessoa, para encará-lo. Acredita que, defrontando a verdade, pisará, enfim, em terra firme.

A verdade, porém, é deplorável: Rolf não passa de um pobre fanfarrão, um miserável janota. A verdade é uma mentira. O que Lisa via, afinal, naquele imbecil? Também o Outro se duplica: Rolf era um homem para Lisa, passa a ser outro para Bengt, que só assim pode fazer a travessia de seu luto.

Com votos de um muito bom feriado, desejo a cada uma e cada um que o fim de semana seja agradáfel. Amanhã espero honrar a proposta das blogadas dominicais: algo curto e leve. Na expectativa de, então um novo encontro.

10 comentários:

  1. Prezado mestre,
    confesso que já estive mais próxima da literatura nos tempos da adolescência, quando os poucos afazeres permitiam um tempo ocioso que utilizava revirando uma despensa onde meu pai guardava revistas e livros-veja só, uma despensa, não uma biblioteca. No entanto, mesmo os livros não estando guardados em local adequado estavam lá e eu os conheci. Depois, talvez por pouca orientação escolar, lia o que me dava na telha, e, hoje, com menos tempo me afastei da literatura. Leio mais o que necessito de imediato para o trabalho-comunicação e divulgação científica,por exemplo. No entanto, suas dicas de leitura estão me dizendo: ache um tempinho para outras leituras, elas são também importantes e prazerosas. Adorei a dica de hoje.
    Abraços,
    Maria Lucia

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  2. Muito querida colega Maria Lúcia,
    teu comentário adensa a necessidade de neste feriado pensarmos por que estamos nos tornando menos leitores. Vamos inverter essa curva.
    No ano passado, concedi uma entrevista à Revista Episteme, onde havia uma pergunta que começava assim: Sei que és um leitor voraz e um escritor muito produtivo [...]. Como foi a história da tua relação com os livros, com a leitura e a escrita? Eis a abertura de minha resposta: Muito provavelmente essa é uma das mais instigantes perguntas desta entrevista. Começo com algo que vai decepcionar, pois muito me decepciona recentemente. Destruo – não sem dó – em mim o mito do leitor voraz. Essa perda: lamento muito. Leitor voraz no sentido daquele que acolhe um livro, ficção ou não ficção, e vai para uma rede – esse instrumento de repousar que lembra o útero materno – fruir a leitura. Lamentavelmente essa benesse é mal substituída por horas de teclar e ler sob a vigilância severa do ‘meu feitor’, como chamo meu computador. Considero a leitura no computador como algo sensabor ou insípido. O suporte papel é algo que tem uma sensualidade incomparável. Sentir o cheiro do livro. Manuseá-lo na estante. Curtir-lhe a lombada. Avaliar sua história material. Tudo isso nos é sonegado na leitura em suporte eletrônico”.
    Maria Lúcia,
    quero, como tu cada vez mais acha ‘um tempinho para outras leituras, elas são também importantes e prazerosas’. É bom ter a tua companhia nesse propósito.
    Com admiração os agradecimentos do
    attico chassot.

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  3. Mestre Chassot,
    sim, o suporte modifica bastante a relação com a leitura, na internet, podemos ler e entrar rapidamente em contato com diversas leituras...
    também possibilita a escrita e a comunicação rápidas como não havia antigamente.
    Reitero o que disse anteriormente neste blogue, se não fosse a internet talvez eu nunca me atrevesse a dialogar mais com um escritor, como tenho feito continuamente em seu blogue. Mas, já até recebi um livro seu de presente, autografado! Penso que hoje me comunico e leio mais, como também os jovens. Me parece que as vendas de livros para crianças e jovens estão aumentando no Brasil, creio que o computador com sua internet e outros recursos estão colaborando com a formação de leitores, o que o sr.acha?
    Abraços,
    Maria Lucia.

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  4. Minha muito querida leitora Maria Lúcia,
    talvez não houvesse sido claro em meu ‘aditei’.
    Não posso deixar de reconhecer que a internet é a grande facilitadora de nosso estarmos no mundo. Nem ouso fantasiar uma catástrofe inenarrável se a nação mais poderosa do mundo, que ora se defronta com dos maiores desastre ambientai do mundo resolvesse desativar a web – Rede de alcance mundial.
    O que tentei colocar em meu comentário anterior é que por causa da web lemos menos em livros suporte papel. Concordo contigo que lemos mais, podemos comprar mais livros, escrevemos mais (inclusive mensagens pessoais) e digo que até, graças a web as relações amorosas ganham novas dimensões.
    Sou um encantado usuário da internet há mais de 30 anos (mais precisamente, de maneira incipiente, em 1989).
    Recorda o que escrevia ontem, a propósito da sedução com que nos fascinam essas novas tecnologias: o quanto o tempo que estamos conectados à rede tem outra sedução, com dimensões muito diferenciadas. Parece que quando em conexão ‘Tempus fugit’. Por tal que falei em uma campanha pessoal, para não deixar de curtir livros em suporte papel, ou melhor, redescobrir essa maravilha.
    Reitero a alegria de te ter como interlocutora aqui.
    Espero que agora possa ter esclarecido melhor minhas posições e também meus desejos
    attico chassot

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  5. Meu querido companheiro, tua densa e reflexiva resenha tem um tom poético encantador! Um beijo de tua grande admiradora, Gelsa

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  6. Gelsa querida,
    que catalisaste (também com o livro que elegeste como presente) esta resenha, obrigado pela admiração e também pelos suspeitosos elogios acerca dessa blogada sabatina.
    Com continuados encantamentos,
    attico

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  7. Mestre Chassot, está blogada oferece uma dica de leitura que me parece sensacional. Um romance nesse estilo - ou seria melhor caracterizá-lo com drama? - só faz acender a vontade de devorar um bom livro. Parabéns pelo texto instigante, e parabéns a Gelsa pelo bom gosto com o presente escolhido.

    Ótimo dia.

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  8. Meu caro comentarista-mor,
    obrigado pelo teu comentário. O enredo é instigante. A Gelsa sabe ser uma boa presenteadora de livros (especialmente a um leitor exigente). O fato de ter-nos encantado com filme e depois com o livro de Bernhard Schlink – O Leitor – foi um bom catalisador. Aguarde outro fruto da mesma presenteação no próximo sábado;
    Que o fim de semana siga bem curtido,
    attico chassot

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  9. Mestre
    Passei pala lê-lo e encantar-me com as resenhas de livros sempre muito "boas dicas" para que não se perca o desafio de uma boa leitura e de um livro interessante que nos torne um pouco mais alfabetizados e letrados no sentido mais amplo da palavra. Vale lembrar e reafirmar o que o Sr. coloca sobre o nosso maior refúgio - o computador- não posso ne m pensar se estiver sem ele. RSRSRS. Mas antes lia muito mais que hoje...
    Valeu as sugestões e resenha. Aproveito para parabenizá-lo pelo nosso dia.
    Um abraço.
    Eloí- Santiago-RS

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  10. Muito apreciada colega Eloí,
    aporto ao anuncio de tua visita sabatina só na esplendorosa manhã do primeiro domingo de maio.
    Realmente, concordo contigo: sem computador (e neste a web) nem pensar.
    Todavia também adiro a tua constatação: ele ao lado de bônus, cobra nos ônus e um destes é o tempo de leitura (em suporte papel ou se quisermos em livros).
    Obrigado pelos votos pelo dia do trabalhador.
    Desejo-te um agradável domingo na tua Santiago, da qual guardo gostosa lembrança de uma única estada aí em 2007(?) não apenas pela palestra, mas pelos colegas da cidade dos poetas que me acolheram,
    attico chassot

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