sábado, 20 de fevereiro de 2010

20* Enterro dos Ossos desde a Escandinávia

Ålborg Ano 4 # 1297

Esta é a primeira de três blogadas sabatinas desde a paradoxalmente gélida/calorosa Escandinávia. Gélida por que de maneira continuada, neste agora já sexto dia que estou aqui, a paisagem é mesma: neve e árvores nuas. Calorosa, pois temos recebido inúmeras provas de afeto dos colegas da Universidade que nos acolhem. Conto algo disso adiante. O espetáculo matinal da nevada que nos é oferecido esta manhã é indescritível. Talvez essas duas fotos ofereçam discretas imagens.~


Há dias, teclando com um colega pernambucano: Paulo Marcelo Pontes ele falava encantado do carnaval de sua Olinda e mostrava-me as diferenças, por exemplo, do milimétrico e disciplinado carnaval carioca ou do milionário e dito popular carnaval baiano. Dizia-lhe então o quanto detesto carnaval, lembrando com desdém dois ou três bailes de carnaval, que foi meio arrastado. Também não me apetece assistir os desfiles pomposos das escolas na televisão. Pensava-me um sujeito a-carnavalesco. Quando me dei conta – sem que nunca houvesse pensado antes – que já havia chorado para ir ao carnaval. Isso ocorreu – pelos marcos que consigo acionar – quando tinha seis o sete anos. Sabia que no centro de Montenegro haveria desfile de carnaval. Morávamos distantes, mas corei de bater pé para que meus pais me levassem para assistir. Fui vencido. Não recordo se a solinha – artefato de couro, de mais ou menos 30 centímetros, no formato de uma sola de sapato, solenemente entronizada na parede da sala de jantar, junto a fotos de meus avós maternos – me fez ir com a bunda ardendo para cama e não para o carnaval.O título da edição de hoje parece não caber, quando escrevo de uma geografia, onde não há sequer qualquer menção ao Carnaval – mesmo do que ocorreu esta semana, por exemplo, no Brasil – o que desmente certos ufanismos televisivos achando que o mundo acompanha a transmissão global. Permito-me, antes de trazer algo do cotidiano danês, vou fazer aqui uma rápida digressão nos assuntos escandinavos.

Essa recordação, que aflorou já envelhecida por bem mais de meio século, trouxe outra evocação relacionada com o dia de hoje: enterro-dos-ossos. Vejo que o Houaiss registra duas acepções diferentes daquelas que me faz mexer em um baú de saudades: 1) comezaina no dia posterior a uma festa, banquete etc., aproveitando o que sobrou destes. Há poucos dias, fazendo palavras cruzadas, havia uma definição: refeição feita de sobras de comidas, para uma acepção de 15 letras. A resposta era ‘enterro dos ossos’. 2) folguedo popular antigo, realizado no primeiro domingo após o carnaval, em que pessoas de luto carregavam pela cidade, em cortejo acompanhado de marchas fúnebres, caixões contendo bebida e comida que se consumiam entre risos e brincadeiras.Essa segunda se aproxima de algo que lembro de minha infância: baile no primeiro sábado da quaresma, onde se festeja as vitórias dos grupos carnavalescos. Pode-se facilmente imaginar o que excitava a uma criança saber que haveria ‘enterro dos ossos.’ Claro que por isso não chorei para ir, pois lembro que tal baile ocorria no ‘clube dos morenos,’ onde éramos ‘racistamente lembrados que aí não metia-se o nariz.

Acredito, a ter como certa uma das diferentes etimologias da palavra carnaval: véspera da Quarta-Feira de Cinzas, dia em que se inicia a abstinência de carne exigida na Quaresma e dia (antes dos 40 de abstinência de carne) que em que se dava ‘adeus a carne (=carne vale!) fazer no sábado seguinte o enterro dos ossos deveria ser algo muito apropriado.

Parece que são realmente pobres as minhas evocações carnavalescas. Também muito pouco pertinentes para redigi-las enquanto assiste a aquela que é mais intensa.

Agora algo da noite de ontem. Vivemos momentos muito agradáveis na residência de Annete e Kenneth Møladjerg Jørgeusen, na pequena cidadezinha de Hjallerup, com cerca de 3 mil habitantes. Deixamos a Ålborg Universitet às 18h, já noite cerrada, sob uma muita intensa nevada, conduzidos pelo Kenneth, professor do Department of Education, Learning and Philosophy. Estavam conosco Cristina, professora colombiana da UniAndes e doutoranda da Ålborg Universitet e seu filho Mateus, aluno de Engenharia da Universidade de Toulouse.

Percorremos 25 km rumo ao norte. Pela primeira vez, por um túnel submerso atravessamos o fiorde que separa a península da Jutlândia. A nevada era tão intensa que em momentos parecia não se ver a rodovia. Chegados à casa dos Jørgeusen fomos recebidos pela prestimosa Annete. Logo fomos seduzidos pelo ambiente marcado pela iluminação de dezenas de velas. A alegria de Alexander e de Ahndus, os caçulinhas da casa que, com os filhos Marcus e Mikkeline, compõem a família anfitriã, nos fez evocar nossos netos. A foto da Gelsa com os mesmos traduz um pouco das emoções vividas. Outra foto mostra um pouco da mesa onde saboreamos um jantar com muitas iguarias, preparado com esmero por Annete.

Para trazer imagens da neve da noite trago duas fotos. A primeira de uma área descoberta interna à casa e outra de uma folhagem no jardim, onde flocos de neve pareciam fazer-se flores. Por razões técnicas as fotos da noite de ontem deixam de ser editadas.

Na volta à Ålborg fomos trazidos por Annete. A neve que caíra durante nossa estada na casa era tanta que, mesmo com pneus especiais, obrigatórios para o inverno, o carro teve dificuldade em movimentar-se. Nem em filmes víramos uma queda de neve como assistimos no retorno. Ao chegarmos a nosso apartamento, depois de 16 horas ausentes, o acesso à porta principal era quase intransitável e as bicicletas de residentes tinham mais da metade das rodas submersas. Foi uma produtiva e linda sexta-feira. Agora desenhamos a nossa programação sabatina.

Por fim um muito bom sábado a cada uma e cada um. Àquela porção do Brasil que tem um sábado um sábado expandido pelo deixada do horário de verão, que essa 25ª hora seja muito curtida, Isso oportuniza lembrar que a partir de amanhã estamos com 4 horas de diferença. Assim quando no Brasil for 8 horas da manhã aqui já será meio-dia.

4 comentários:

  1. Prof Chassot
    Li suas tres últimas crônicas, fascinada para conhecer um pouco mais o encanto da nevada...
    O Senhor é um privilegiado, tenha umas feliz férias e traga muito a nos ensinar daí.
    Me chamou a atenção a organização da Universidade, devo ler mais... chego a conclusão.. hehe
    Um abraço e boa estada por aí
    Eloí

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  2. Mestre Chassot, eu esperava pela dica sabatina de leitura, mas a essa tão especial empreitada escandinava é mais do que merecido a abertura de exceções.

    Quanto a nossa 25ª hora de sábado, ela será usada para uma das melhores atividades possíveis: entregar-se aos poderes de Hypnos e Morpheus.

    Ótimo dia.

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  3. Estimada Eloí,
    obrigado pela companhia nesta gélida Dinamarca. Realmente a proposta da Ålborg Universitet é desafiadora e vale prestarmos atenção nela.
    Imagino-te ainda em dias descanso em Capão da Canoa com paisagem muito diferente da minha.
    Um bom domingo que aqui começa com menos – 8ºC.
    Um afago do
    attico chassot

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  4. Meu caro Marcos,
    quando deixei de editar uma dica sabatina lembrei-me da frustração que te causa. Mas minhas leituras aqui são difícei. Assim nesses três sábados daneses vou trazer mais o cotidiano.
    Que bom que Morfeu embalou tua 25ª hora sabatina
    attico chassot

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