segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

18* Aceitemos que os óculos do outro possam ser válidos

Porto Alegre Ano 4 # 1264

Eis que janeiro já tem a sua segunda quinzena avançada. Esta segunda-feira começa amarga pelos resultados das eleições do Chile. Empresário de centro-direita Sebastián Piñera, 60 anos, rompe hegemonia de 20 anos da coalizão que governava país desde fim de ditadura. Dono de TV, companhia aérea e clube de futebol, eleito é o homem mais rico do Chile, com patrimônio estimado em US$ 1 bilhão.

Dizem que 2010 voa... Mas teima em ser catastrófico e amargo.

Ontem à noite a Gelsa e eu fomos assistir “Lula, o filho do Brasil’. Quero, em outro momento, trazer aqui meu comentário. Antecipo apenas uma palavra: “Emocionante”. No sítio www.lulaofilhodobrasil.com.br/ há informações para quem desejar se antecipar ao meu comentário.

Agora, catalisado por outro tema momentoso quero trazer algo que instiga-nos: a batalhar contra os preconceitos. Já comentei aqui na sexta-feira que um pastor estadunidense – que já foi candidato à presidência dos Estados Unidos – encontrou uma explicação para o terremoto no Haiti: há 200 anos os haitianos para derrotar os soldados de Napoleão e se tornarem uma da primeira República da América Latina, fizeram um pacto com o demônio; este agora cobra a sua parte. Agora surge outra declaração eminentemente racista e de baixo calão para explicar a morte de cerca de 75 mil conterrâneos seus: "Acho que, de tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo. O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano está fodido." A afirmação é do cônsul geral do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine. Este senhor, também afirmou que a tragédia no Haiti estava "sendo uma boa" porque o país "fica conhecido”,

Numa entrevista posterior, Antoine atribuiu às dificuldades com a língua portuguesa – embora more no Brasil há 35 anos e fale sem sotaque estrangeiro – e considerou ser um "mal-entendido" o que havia dito. "Foi uma expressão de nervosismo, sem maldade", disse. Nascido em Porto Príncipe e representante branco de um país de população majoritariamente negra, Antoine é cônsul em São Paulo desde 1975, indicado durante o regime de terror do ditador haitiano Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, filho de François Duvalier, o ex-presidente e também ditador conhecido como Papa Doc.

Essas declarações marcadas de preconceitos me levam a considerações na mesma direção. Recebi de minha amiga e colega Conceição Cabral, professora de Biologia da UFPA, Belém-PA, uma NOTA PÚBLICA com pedido de divulgação. Ela se refere a assunto que há uns dias movimentou a imprensa brasileira, com repercussão no exterior (negativa para o Brasil) conhecido como, o "episódio do menino em quem foram introduzidas dezenas de agulhas" ou “o menino das agulhas”. Como no doloroso episódio está envolvido um Pai de Santo o fato poderá contribuir para retroceder em algumas das conquistas que houve no combate à intolerância com as religiões de matriz africana. E isso é voltar no tempo.

Adito outra razão para trazida da referida nota. A imprensa gaúcha repercute o envolvimento de um Pai de Santo no assassinato de um médico a mando de outro médico.

Por tais razões, trago hoje a referida para que estejamos atentos a intolerância religiosa (diga-se de passagem, também veladamente presente no texto contra as igrejas neo-pentecostais) e a ajudemos combater.

Nós, da Rede Religiosa de Matriz Africana do Subúrbio (RREMAS[1]), vimos a público manifestar nossa indignação diante de mais uma brutalidade que a ignorância popular atribui a nós como prática religiosa. mais ainda, nos indignamos com o fato em si que vitimou um ser pequenino no tamanho, mas grande em sua essência, inocente e, por tudo isso, sagrado para nós: uma criança (que até o nome esqueceram e que está sendo chamado menino das agulhas), vitimada pela insanidade de pessoas visivelmente descompensadas.
Tão pasmos como toda população, temos acompanhado as reportagens esperando para ele um desfecho positivo e que os meios de comunicação acorram às nossas lideranças religiosas para alguma declaração, como é de praxe se fazer, em circunstâncias como esta, quando um importante segmento da sociedade é citado ou responsabilizado.

Vimos a fala do Médium Divaldo Franco, por quem devotamos respeito; contudo, não pode ser considerada como bastante a ponto de não se buscar ouvir outros segmentos espiritualistas, principalmente, o citado pelo réu-confesso.

Preocupados com o crescimento da calúnia, estamos nos antecipando, para que não cresça sobre nós a intolerância religiosa ou pior, o ódio religioso, já tão fortemente disseminados por determinados setores neo-pentecostais, através de suas tão públicas e notórias atividades mercadológicas.
Portanto, declaramos que nunca houve e não há em nenhuma das nações religiosas, de culto a ancestralidade africana e brasileira, as quais chamamos de religiões de matriz africana, ritual, de qualquer objetivo, envolvendo sacrifício de vida humana, seja qual for a faixa etária, muito menos haveria da infantil, que é por nós tão respeitada.

Vale ressaltar que não há, em nenhum dos sacrifícios rituais que realizamos com animais, requintes de crueldade. As famílias brasileiras consomem todos os dias, toneladas e mais toneladas de carne animal sem questionar quais os métodos adotados para abatê-los e, podemos garantir, que não são nada generosos. Boa parte deles são extremamente cruéis. A despeito do que tratamos aqui, consideramos Uma ressalva importante, pois que completa a informação e se antecipa as argumentações, hipócritas e amoral em sua maioria, de que sacrificamos animais.

Ainda vale outra ressalva, para o fato de que mesmo se uma das acusadas fosse Iyálòrixá (Mãe de santo), não se poderia condenar o candomblé, pois, quando um médico erra, não se condena toda a medicina. Assim, o erro de líderes religiosos, não se atribui às suas matrizes religiosas.
Não há histórico nem lugar para esta monstruosidade que insistem em dar visibilidade no discurso ignorante e não inocente (porque busca se eximir da responsabilidade), do criminoso, de que uma das acusadas usava os Caboclos e Orixás para sua prática assassina e doentia. Os Caboclos, Orixas, Voduns e Inquices, de certo vão cobrar dele e de quem mais afirmar tal barbaridade. Eles são seres de luz e na luz, responsáveis pelo equilíbrio da terra, das pessoas e de suas relações.

Por fim, conclamamos a todas as organizações dos Povos de Santo a quem preferimos chamar de Povos de Terreiro, da Bahia e de todo o país, a se manifestarem, para que mais esta injustiça -- que já desponta em outros estados, a exemplo do Maranhão, como magia negra e, aí automaticamente afirmam autoria a nós -- não seja atribuída a nossa tão bonita religião. ressaltamos que nada tem a ver o termo magia negra com o conhecimento da magia africana, passada de geração em geração há milhares de anos, que manipula os elementos da natureza para nos equilibrar diante dela e nos religar a ancestralidade, lembrando que a

humanidade surgiu na África. Vale destacar, que magia negra é coisa de séculos remotos da Europa. AXÉ.
[1] Comissão Organizadora: Ilê Axé Torrundê / Ilê Axé Odetolá / Ilê Axé Oyá Deji / Ilê Axé Omin Ala / Ilê Axé Gedemerê / Terreiro Gêge Dahomé / Ilê Axé Iyá Tomin / Ilê Axé Ogodogê / Ilê Axé Logemin Assinam diversos Bàbálòrixá.

Esta é a nota. Como disse, mesmo que ofereça restrição pontual, transcrevi na busca do respeito que merecem as religiões de matriz africana. Com votos de uma segunda-feira proveitosa, sonho que cada uma e cada um possa aprender cada vez mais a admitir que há outras leituras diferentes da nossa.

2 comentários:

  1. Mestre Chassot, a fala do Embaixador Antoine não poderia ser mais lamentável. Assisti essa fala dele no youtube, e não pude deixar de fazer a relação que o senhor também fez: um embaixador branco representando um país de população majoritariamente negra.
    Quanto à intolerância religiosa, (re)afirmo que sou contra qualquer tipo de intolerância, e esse tipo de atitude só faz com que nossa sociedade regrida os passos importantes que ela deu no que tange o direito individual dos cidadãos, seja na forma de preferências musicais, políticas e/ou religiosas.
    Ótimo dia.

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  2. Meu caro Marcos,
    hoje estamos ~~ uma vez mais ~~ em consonância total. Vistes, então a perola do preconceito e do baixo nível.
    É muito bom (e necessário para mim) fazer exercícios de tolerância para aceitar determinados cultos como práticas (sociais) religiosas.
    Muito obrigado por tua presença aqui
    attico chassot

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